S o l i d ã o...

"Cada um de nós está só, como o fogo ou a flor."
Krishnamurti.
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Podemos amar ou odiar, fugir da solidão de acordo com o nosso temperamento e nossas tendências psicológicas, mas, a solidão estará lá, esperando, vigiando, recuando estrategicamente, apenas para atacar de novo.
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Acredito que somos os responsáveis pela inveja, ciúme ou saudade que alguém sente de nós.

Acredito mesmo, que somos os culpados por provocarmos tais disposições afetivas nos outros.

Excluindo daí os casos extremos provocados por distúrbios psicológicos, tal raciocínio me leva a admitir que a vaidade, o exibicionismo ou até as demonstrações de afeto, mesmo não exageradas, provocam esses sentimentos em ralação a nós, levando-nos, depois, a criticar as vítimas, como se culpadas fossem.

Aceitando tal premissa como verdadeira, estaria propenso também, a reconhecer que o sentimentalismo, mais acentuado nos latinos, seria o responsável por grande parte das mazelas nos relacionamentos humanos desde sempre, acirradas ainda mais a partir da disseminação do cristianismo por todo o ocidente.

Não creio, entretanto, que os outros povos, as outras religiões, estejam então livres dessas chagas ou dessa responsabilidade.

Não creio, porque, o cristianismo primitivo, foi moldado há dois mil anos atrás (permita-me Raul Seixas o plágio), tomando como referência as religiões já existentes, como a judaica tradicional de saduceus e fariseus, a doutrina dos essênios, e outras mais ao oriente, copiando delas o caráter apocalíptico, o iminente fim do mundo, a chegada do messias salvador e a ressurreição dos corpos. Ou seja: nada de novo para a época.

Bastou que se adaptasse o virtuosismo de Jesus – judeu que viveu na mais remota periferia do Império Romano e cuja epopéia humana foi totalmente ignorada pelos historiadores judeus e romanos da época - às estórias dos santos das religiões já existentes, e tivemos uma “nova”, que adotou como livro sagrado os escritos antigos da religião judaica, anteriores a Jesus – velho testamento - e os quatro evangelhos aceitos, escritos entre sessenta e noventa anos após a morte de Jesus, e garimpados entre mais de uma centena de outros que foram destruídos para garantir mais credibilidade àqueles quatro, que não faziam sequer referência à infância e adolescência de Jesus como os outros – novo testamento.

A presunção de todas essas religiões na existência de uma outra vida, repleta de supostos seres super-carentes, que necessitam ser adorados, lembrados e agraciados, para que não se exaltem e reajam contra os relapsos das formas mais violentas, ultrajantes e mesquinhas imagináveis, faz com que toda essa legião de adeptos caia de joelhos e de mãos postas, a agradecer-lhes por estarem vivos, por terem saúde, pela comida daquele dia, pelo carro novo na garagem, pela viagem de férias e tudo o mais, não importando se o visinho ao lado ou a criança africana mais pobre não tenham nada disso; não tenham sequer o mínimo necessário para permanecerem vivos, mesmo que de uma forma indigna.

Azar o deles, então, que não pediram de joelhos e por isso não foram atendidos. Ou, se pediram e não receberam, certamente é porque tinham dívidas imensas com os “céus”, acumuladas ao longo de muitas vidas, como sugerem algumas outras religiões.

Mas, pergunto eu: se fôssemos realmente todos filhos de um único onipotente e onipresente ser, como teria surgido a primeira falha em uma de suas criaturas? Temos que admitir que houve então, erro no projeto original, desencadeando, a partir desse primeiro defeito, uma seqüência interminável de outros, sejam por vingança ou simplesmente para que aquele anterior padeça pelos “erros de funcionamento” - carma - o que leva por terra a onipotência.

Aquele primeiro “erro” desencadeou uma cada vez mais crescente onda de crimes absurdos, numa freqüência tão alarmante que, temos que admitir, quem criou tudo isso e por isso deveria ser o responsável, não está nem aí!

Além dessa possibilidade só nos resta a outra, a de que não tem ninguém tomando conta de ninguém, olhando, punindo ou gratificando ninguém.

Estamos sós...

A mesquinhez e ganância da espécie humana no trato com a natureza, o desdém para com as outras espécies “incapazes de pensar” e a ganância dos que enriqueceram e continuam a juntar, independente do que ocorre ao lado, seja a nível pessoal ou nacional, deveria ser bastante para que todos, independente da nacionalidade ou religião, percebessem que tudo isso em que acreditamos desde nossos primeiros anos de vida, não passa de uma grande bobagem, de uma assustadora e perversa estória de Trancoso incutida em nossas mentes pelos nossos também crédulos pais.

No livro do Gênesis encontraremos ali a noção de que os seres humanos são especiais, de que Deus os criou à sua imagem e semelhança e deu a eles o domínio sobre os outros animais, levando-nos, quase todos, a acreditar que todo ser humano é uma criatura de Deus, que tem um valor intrínseco justamente por isso, e que, portanto, a vida humana, tem um teor sagrado.

Há muito, desde Darwin pelo menos, sabemos que isso é inteiramente falso.

Resta-nos nós mesmos, e, não sobreviveremos, sem todos os demais seres que compõem esta aldeia global, e aos quais impingimos os mais brutais sofrimentos, sejam nas formas de abate para nossa alimentação ou de como os criamos para tal; sejam nos experimentos para novos produtos farmacêuticos ou de embelezamento; ou ainda, nas mortes e maus tratos por pura diversão, como a farra do boi, as touradas ou a caça à raposa, entre centenas de outras.

No contexto da globalização, há duas grandes comunidades às quais pertencemos: todos nós somos membros da raça humana e todos fazemos parte da biosfera global.Somos moradores da “casa Terra” e devemos nos comportar como se comportam os outros moradores dessa casa – as plantas, os microorganismos que, embora "invisíveis" são a maioria, e os animais, constituindo a vasta rede de relações que Fritjof Capra* chama de “teia da vida".

Essa rede se desenvolveu e evoluiu ao longo de bilhões de anos sem se romper.

A capacidade marcante do nosso planeta é a sua aptidão intrínseca de sustentar a vida.

Temos a obrigação de nos comportar de maneira a não prejudicar essa capacidade. Esse é o sentido essencial da sustentabilidade ecológica.

Chega de escrúpulos que só nos têm levado a inquietações diante de questões que pareceriam mais simples como o aborto, a eutanásia, ou a suprema escolha de viver uma vida ética – parafraseando Peter Singer** - não fossem essas falsas crenças em Sankara, Buda, Cristo ou outro santo mais moderno, todos prometendo vidas futuras; imaginários e perversos seres invisíveis; recompensas e castigos a serem honrados numa próxima reencarnação; mistérios e segredos inexplicáveis, restando-nos apenas morrer se quisermos constatar todo esse engodo.

Como pode alguém amar esses inexistentes seres, que exigem de todos um amor incondicional e primeiro, através de seus “sabidos” representantes aqui na Terra, que têm inclusive o descaramento de tentar restringir e orientar nossas transas com os nossos amores e excluir homossexuais e afins dos seus rebanhos, enquanto eles próprios, na calada dos seminários, sacristias de igrejas e luxo do Vaticano, entregam-se a verdadeiras orgias, preferencialmente com garotinhos de doze anos?

A verdade é que temos preferido estar apegados a uma crença conhecida, por mais insustentável que seja, a aventurar-nos a uma busca que não se sabe aonde nos poderá levar.

Há bilhões de anos, o que havia eram apenas micróbios, e hoje existe, por exemplo, a civilização humana. É o caso de nos perguntarmos, portanto, qual é a relação entre a espécie humana e as outras formas vivas.

Lynn Margulis*** desenvolveu uma das teorias mais imaginativas e mais belas sobre como aqueles habitantes do microcosmos se “associavam” para criar novas formas que, por sua vez, conseguiram transformar o planeta naquele que havia de continuar a evolução que chega até nós. Nada parece ser exclusivo da espécie humana: seus poderes não são únicos, sua existência não é o ponto mais alto de coisa alguma.

Desistamos de toda essa baboseira que nos foi ensinada por nossos pais e que hoje adentra nossos lares através de redes imensas de TV, sob novos e criativos títulos, mas, todos, alicerçados na mesma milenar mentira.

Desistamos de tudo isso que sobrevive a milhares de anos e nos acorrenta a falsos conceitos.

Não sugiro uma troca por nada, por nenhum outro santo, nenhum outro criador...

Apenas renunciemos, pois, a renúncia com o propósito de alcançar um fim seria barganha; não haveria nela desistência, apenas troca.

Este texto deveria referir-se não a este tipo de solidão, que é gratificante, mas, àquela, provocada pela ausência de pessoas em volta, principalmente filhos, que são os mais amados entre os amados.
Outro dia escreverei sobre essa. Hoje, não consegui, não sei porque...
Foi como se caminhasse consciente, mas, de olhos vendados e, sob os meus pés, os caminhos, em tom de gozação e de provocação, fossem se movendo e levando-me a trilhas perigosas, lamacentas, escorregadias, curiosos em verem se eu pararia ou recuaria...
Não o fiz.
É típico de mim não capitular, e não têm sido poucas as vezes em que esbarro em sofrimento por agir assim. Mas, devo confessar... Essa liberdade de escolha me fascina, me move, me faz sentir vivo
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*Fritjof Capra – Físico e teórico de sistemas, é um dos diretores fundadores do Centro de Eco-Alfabetização de Berkeley – Califórnia, que promove a divulgação do pensamento ecológico e sistêmico nas redes de educação americanas.
**Peter Singer - Filósofo australiano contemporâneo, originário de família judia que sofreu os horrores do Holocausto, Singer alega defender simplesmente a idéia de que só se deve viver uma vida que valha a pena ser vivida.
***Lynn Margulis - Bióloga, eminente professora da Universidade de Massachusetts, Amherst, e membro da Academia Nacional de Ciências americana.
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"Que coisa estranha é a solidão, e quanto medo nos faz..."
Krishnamurti.
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Comentários

  1. Anônimo4:35 PM

    Não posso aceitar que uma pessoa que viva em homosexualidade, um pecado tão terrivel que tambem foi motivo para que DEUS destruisse Sodoma e Gomorra, continue existindo após ter encontrado o Senhor e o aceitado como unico e suficiente Salvador.
    A biblia nos afirma que as coisas passadas já se foram e tudo se fez novo, e onde abundou o pecado superabundou a graça. E onde fica a transformação?
    DEUS nos fez homem e mulher e tudo o que passar disso é procedencia maligna.
    GRAÇA E PAZ
    Silvania Silva

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  2. Fernando: A Manifestação Búdica
    Manifestar o Estado de buda é o mesmo que estabelecer a própria independência, isto é, ser capaz de tirar proveito das circunstâncias da vida em vez de ser controlado por elas. O budismo define a base dessa independência como o despertar para a lei suprema da vida e a fusão com ela. O estabelecimento com o eu original é o sinônimo da manifestação búdica no interior da vida. O budismo não pode ser visto como algo separado do mundo real ou transcendental. Essa natureza emerge de forma prática como sabedoria e energia vital, que proporcionam o avanço de uma pessoa em todos os aspectos da vida.
    "Devote sua vida ao Sutra de Lótus e torne-se um Buda". (Gosho Zenshu pag. 1299).
    NAM MYOHO RENGUE KYO é a essência do Sutra de lótus, assim como a essência do salgado é o sal e do doce é o açúcar.
    Fernando Carvalho

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  3. Anônimo9:11 AM

    Fernando: Bom Dia!
    " Nós procuramos Iluminação e orientação. Queremos compreensão - não só dos nossos problemas imediatos,mas também dos grandes mistérios do universo. Queremos ser capazes de passar das ilusões obscuras e das confusões à sabedoria,à certeza e à clareza. Queremos passar do engano à verdade, queremos a promessa de que conseguiremos escapar das trevas das regiões infernais da alma e chegar a um local de paz infinita e luminosa, satisfação e amor divino e incondicional.Queremos nos afastar da ignorância e do comportamento inconsciente,assim como do semiconsciente. Sabemos que o antídoto da ignorância não é simplismente receber mais informações. Sabemos que nossa vida espiritual depende de nossa capacidade de cultivar uma consciência mais elevada -uma consciência plena-, bem como uma percepção mais aguda. Sabemos que nossa vida espiritual depende do cultivo de nossa própria capacidade de Amar. " ( Lama Surya Das )

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  4. Anônimo10:55 AM

    Pense que criei esse Blog com um único objetivo, poder comentar os brilhantes textos de meus amigos, em especial de meu amigo Rodolfo Vasconcelos... O cidadão tem um dom especial em descrever suas histórias, todas verídicas, que o mesmo teve o prazer de viver, e hoje sinto que deve ter grande alegria em retratá-la para todos os seus amigos... Vou ver se tomo vergonha na cara e escrevo alguma coisa substancial aqui nesse meu espaço.
    POSTED BY IGUINHO AT 12:45 PM 0 COMMENTS

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