Feliz Aniversário, Meu Filho.

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Encontrar todos os dias o ônibus de Umbuzeiro, era uma festa para mim.
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Entre os dois anos que estudei no Colégio Americano Batista, fui aluno do Arquidiocesano por um ano, na Rua do Príncipe, também em Recife. Descia do ônibus que me trazia de Piedade pouco depois das seis da manhã no Cais de Santa Rita, e caminhava os dois quilômetros que me separavam do colégio.

Era uma caminhada gostosa e cheia de expectativas, porque muitas coisas poderiam acontecer naquela troca de informações entre as belezas da cidade grande e a cabeça daquele quase adolescente, sonhador e cheio de planos, na sua maioria inatingíveis.

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Eu, aos 13 anos.

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Já nessas primeiras horas da manhã eu tinha a chance de aliviar a saudade da minha gente de Umbuzeiro, dos meus pais e irmãos, da casa com o grande quarto onde os filhos homens dormiam juntos, do beijo de mamãe em cada um de nós antes de dormir... Essa saudade era constante. Foi constante em todos os anos que vivi longe dessa parte de mim.

A oportunidade estava em encontrar o ônibus que chegava de Umbuzeiro naquelas primeiras horas da manhã. Para isso eu tinha que fazer um percurso um pouco diferente do ideal, um pouco mais extenso, caminhando na contra-mão de encontro ao ônibus.

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"Simca Chambord", um sonho atrevido.

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Tudo naquela cidade me encantava. Seu barulho ensurdecedor já tão cedo, resultado do mesclado de sons os mais inusitados; seus enormes ônibus elétricos que não tinham embreagem e ficavam enfileirados quando faltava energia;  o rio, suas curvas ditando a direção das ruas e suas pontes guardadas por monumentais estátuas em bronze, de deusas e rainhas... Meus olhos vasculhavam cada canto, revistavam cada pessoa, e se maravilhavam quando davam de frente com um Simca Chambord, meu inatingível sonho de consumo aos treze anos.

Mas, o foco principal era o ônibus de Umbuzeiro. No encontro com ele havia a possibilidade de matar aquela saudade, por um dia que fosse.
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Conhecia todos os motoristas: Biu Bala, Fernando de Babá, Ademar... Os cobradores: Jojó, Matinada, Eurico, Otávio de Alzira... Reconhecer algum passageiro entre os que estavam sentados próximos às janelas era o prêmio maior. Se o semáforo fechava para o ônibus, eu corria até lá e falava rapidamente com alguns dos conhecidos. Quando isso acontecia, meu coração sacudia de alegria e meus olhos brilhavam primeiro, para depois nadar em lágrimas juvenis.
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Todas essas probabilidades, mescladas às manchetes dos jornais que acabavam de ganhar as ruas nos gritos dos gazeteiros, davam singularidade a cada um daqueles dias. Um Guarda de Trânsito que controlava o cruzamento da Rua Primeiro de Março com a Rua do Imperador, ao perceber, com o passar do tempo, o quanto aquele ônibus era importante para mim, não exitava em fazê-lo parar com um apito longo e a mão espalmada em sua direção, permitindo assim que eu me esbaldasse naquele encontro com aquele "Umbuzeiro móvel".

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Meu pai, aos 43 anos.

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Aquele ônibus era uma festa para meus olhos e para todos  os meus sentidos. Costumo dizer que o meu coração estacionou por ali, e que  até hoje, ainda tem quinze anos incompletos.
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Num daqueles dias cruzei com ele longe do guarda, numa rua de pouco movimento, passando embalado. Enquanto arregalava os olhos na tentativa de reconhecer alguém e assim matar a saudade, vi que um braço de homem saiu rapidamente pela janela e acenou para mim. Achei parecido com o braço de papai, mas não poderia ser... Seria muita coincidência, até porque, nas poucas vezes em que viera a Recife aquele ano, era sempre uma segunda-feira, e nós estávamos numa sexta.

No intervalo do recreio fui chamado à diretoria do colégio e, para minha surpresa, papai estava lá, me esperando. Trocamos um abraço bem apertado e um beijo, como sempre fizemos até sua morte em 1986. Em seguida, abraçou-me mais uma vez e disse: “Feliz aniversário, meu filho!”.

Disse-me que antes passara na casa das pessoas onde eu estava hospedado e deixara um grande e delicioso bolo feito por mamãe, lembrando-me ainda que, na hora em que acenara para mim através da janela do ônibus, eram exatamente seis horas e vinte e cinco minutos, a hora exata do meu nascimento. E concluiu: “Eu vim só para isso, meu filho... Só prá lhe dar os parabéns”.

Se estivéssemos todos em casa  seria dia de festa. "Parabéns Prá Você" logo ao amanhecer, uma deliciosa galinha no almoço – quando a Micula era sempre minha, bolo à tarde e mais "Parabéns Prá Você". Enquanto, ali em Recife, eu nem lembrara que era meu aniversário. Nem eu, nem ninguém daquela imensa cidade.

Ficamos juntos durante todo o recreio e em seguida ele partiu para apanhar o ônibus que voltaria ao meio dia para Umbuzeiro, deixando-me com aquela saudade que, na verdade, nunca me abandonou. Tomou, ao longo dos anos, feições as mais estranhas e pegou carona em situações as mais inesperadas, as mais doloridas, mantendo-me refém das minhas próprias lembranças, das minhas próprias escolhas e da minha história, às quais não poderei jamais renunciar.

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Comentários

  1. Nadja Rolim8:26 AM

    Pai Valente

    "Pai valente tem o coração forte
    e quente! Mas também carrega
    a ternura no peito e o carinho nas mãos!
    Caminha com passos certeiros
    sempre ajudando com coragem para
    assistir de pé a vitória de um filho.
    Pai valente é lutador! Sábio! Guerreiro!
    Mestre! Senhor das situações! Não
    Vacila e está presente em todos os
    Momentos! Sempre com ações firmes e
    Certeiras!
    Pai valente sabe quando deve agir para
    ajudar um filho a crescer. Não desanima
    e é o incentivador maior da vida!
    Pai valente acorda cedo. Vai trabalhar.
    E trabalha com afinco. Vontade. Raça. Garra.
    Depois do dever cumprido, volta pra
    Casa e faz questão de jantar com o filho em
    meio a conversas e muita harmonia.
    Pai valente também fica na cabeceira da
    cama quando o filho se encontra doente,
    torcendo pela melhora.
    Pai valente tem gingado! Ri! Leva o
    Otimismo na frente e não deixa o filho esmorecer!
    Pai valente é pé quente! Gigante!
    Brinca com os filhos pulando, correndo e rolando pelo chão!
    Pai valente é tudo de bom na vida da gente!"

    de Antonio Marcos Pires










    Existe algo ilimitado no amor de um pai,algo que não pode falhar,algo no qual acreditar mesmo que seja contra o mundo inteiro.
    Nos dias da nossa infância, gostamos de pensar que nosso pai tudo pode;mais tarde,acreditaremos que seu amor pode compreender tudo.

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  2. Meu amor.
    Fiquei por mais de uma hora em frente ao monitor... Escrevi diversos comentários em resposta a esse seu... Revisei atitudes, lembrei de todos os beijos trocados com meus filhos: de quando suas faces cabiam por inteiro entre as minhas mãos, e quando a tenra barba espetava meu rosto trazendo-me uma agradável sensação de dever cumprido.
    Reconheço tantas atitudes de papai em mim mesmo. O cuidado com as palavras ao corrigir-lhes a rota e, mais ainda, ao parabenizá-los pelas vitórias como profissionais e como homens.
    Deletei todos eles e resolvi, porém, sintetizar tudo em apenas duas palavras: a primeira é “obrigado”, a você que enxerga o pai que eu enxergo, e a outra é a eterna companheira “saudade”, à qual já me rendi há muito. Diante dela já não reajo, não grito, não estrebucho. Impassível, embora incomodado, espero... O perdão me inquieta, o confronto me angustia, a possibilidade de perda me aniquila.
    Beijo.

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  3. Olá Rodolfo, estava divagando na internet a procura da família de meu avô e caí no seu blog. Pelas fotos aqui postadas, não tive dúvidas, já havia visto estas fotos no albúm de mamãe. Minha mãe é filha de Augusto da Costa Pereira que era irmão de Rodolfo da Costa Pereira e neta de Capitão Antonio da Costa Pereira e Dona Porfíria da Costa Pereira. meu avô também era comerciante e em suas andanças conheceu minha avó em Araçuaí, MG e casaram-se. Mais tarde se mudaram para o Rio de Janeiro, onde permaneceram. Achei muito legal conhecer o seu blog. Meu nome é Maria Beatriz Pereira Amoroso Anastácio e atualmente moro em Santo André, SP.

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  4. Oi, Maribia. Você não imagina a alegria em encontrar alguém desse outro "ramo" da família. Meus pais sempre fizeram grandes elogios aos meus tios avós Augusto e Álvaro, comentavam das suas belezas. Entre em contato pelo e-mail >bodeguerodez@hotmail.com< Vou tentar localizar você pelo Face. Beijo.

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