Documentos comprovam cooperação entre ditaduras latinas
Paulo Malhães foi encontrado morto em abril, em sua casa na Baixada Fluminense
Apreendidos
na casa de Paulo Malhães, relatórios do Exército sobre a Operação Condor falam
em integrantes do grupo argentino Montoneros vivendo no Brasil
Pela primeira vez,
documentos do Exército brasileiro comprovam a existência da Operação Condor,
aliança entre governos do Cone Sul para monitoramento, tortura e
desaparecimento forçado de membros de grupos da luta armada contrários aos
regimes militares em vigor na região.
De acordo com um
documento da chamada Operação Gringo, o Brasil se tornou depois de 1977 a mais importante base
do grupo de oposição argentino Montoneros, o que chamava a atenção dos
militares responsáveis por monitorar ativistas e guerrilheiros estrangeiros em
território brasileiro. Segundo um relatório que data de 31 de dezembro de 1979 ,
desde o sumiço de um dos líderes da organização, São Paulo e Rio de Janeiro
vinham sendo locais importantes para a militância argentina.
“Desde 1977 até o
desaparecimento do MONTONERO NORBERTO HABBEGER, o BRASIL era a mais importante
base na AMÉRICA DO SUL desta ORGANIZAÇÃO subversiva. Estiveram morando no RIO
DE JANEIRO –RJ, membros da CONDUCION NACIONAL, como RAUL CLEMENTE YAGER e
HORÁCIO MENDIZABAL (falecido), acompanhados por elementos de mais alto nível,
como PEREIRA ROSSI – “CARLON” – Secretário de Propaganda, HORÁRIO CAMPIGLIA –
“PETRUS” – Secretário Militar e “EDGARDO” – segundo chefe do Estado maior do
EXÉRCITO MONTONERO , enquanto que em SÃO PAULO /SP, estava estabelecida a base de
falsificação de documentos e o Setor de Desenho e Planejamento Logístico Pesado
da Secretaria Militar”, lê-se em um trecho.
Os
militares confirmam no relatório “a existência de refugiados legais e
clandestinos de origem argentina, muitos deles trabalhando e residindo no
BRASIL que, sem exceção, se relacionaram com elementos subversivos
brasileiros”.
Os
documentos foram obtidos na casa do coronelPaulo Malhães,
encontrado morto em abril deste ano após prestar um dos mais polêmicos
depoimentos à Comissão Nacional da Verdade, no qual contou como o Exército fez
para desaparecer com os restos mortais do deputado federal Rubens Paiva durante
a ditadura e como agentes do CIE (Centro de Informações do Exército) mutilavam
corpos das vítimas da repressão na Casa das Morte, em Petrópolis (RJ) – arrancando
suas arcadas dentárias e as pontas dos dedos para impedir a identificação dos
corpos, caso fossem encontrados. As provas foram obtidas pelo grupo Justiça de
Transição do Ministério Público Federal através do cumprimento a mandados de
busca e apreensão após a morte do ex-coronel do Exército que atuava sob o
codinome “Dr. Pablo” à época da repressão.
Em um outro relatório de
1978, a
análise dada pelos militares em relação à conjuntura da época era de que o
Brasil vinha sendo escolhido pelas organizações de oposição às ditaduras da
região, de luta armada ou não, como o próximo país a sediar um regime
comunista. “Sua finalidade é atuar em um país que ofereça as condições
necessárias para que se desenvolva o processo revolucionário dentro do novo
caráter da revolução. Não temos dúvida de que o país escolhido foi o BRASIL e,
hoje, somos alvo de uma conspiração internacional”, alertam. Para ilustrar,
eles utilizavam ainda um organograma que mostrava organizações da Europa, Ásia,
África e América trabalhando para uma “frente internacional dos comunistas e
socialistas” a fim de arquitetar a tomada de poder no Brasil para instalar um
regime comunista.
Além
disso, trazem informações como o monitoramento das atividades de diversas
organizações brasileiras e estrangeiras contrárias ao regime militar, como o
PCdoB, o MR-8 e a italiana Brigadas Vermelhas. Dentre os nomes a serem
destacados estão os de políticos e ativistas como Leonel Brizola, Darcy
Ribeiro, Dante de Oliveira, Francisco Julião, Antonio Carlos Nunes de Carvalho
e Chico Buarque de Hollanda.
Em um dos trechos,
inclusive, Brizola é citado como uma figura próxima ao movimento argentino:
“Tem-se conhecimento, por declarações recebidas, que o ex-governador LEONEL
BRIZOLA foi um dos exilados brasileiros contatados, durante sua estadia nos
EEUU, pelo MOVIMENTO MONTONERO.”
Outro ponto de destaque
é uma rasa análise política da conjuntura e das alianças da época, com menção
expressa a figuras políticas como Brizola, Tancredo Neves, Miguel Arraes e Luiz
Inácio Lula da Silva, além de organizações sindicais, como da CUT (Central
Única dos Trabalhadores), que segundo os militares era considerada um grande
“sonho” dos opositores da ditadura civil militar que vigorou no País entre 1964
e 1985.
Os documentos revelam
também um informe em língua espanhola, denominado "Operação
Congonhas", referente à estrutura e organização de organizações de
militância e guerrilha contra a ditadura argentina. Apesar de ser datado e
assinado a partir da cidade de São Paulo, procuradores do grupo Justiça de
Transição acreditam que o texto tenha sido produzido por militares argentinos e
compartilhado com a ditadura brasileira.
A
existência da Operação
Condor já havia sido
feita através de outros documentos, como os do Departamento de Estado dos
Estados Unidos, sobre o teor da reunião que selou a aliança entre os governos
militares. Os documentos encontrados divulgados recentemente, no entanto, são
os primeiros das Forças Armadas brasileiras sobre a operação conjunta.
Formalizada em reunião
secreta em Santiago do Chile no final de outubro de 1975, a Operação Condor se
tratou de uma aliança entre as ditaduras instaladas nos países do Cone Sul—
Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai — para a realização de
atividades coordenadas, de forma clandestina e à margem da lei, com o objetivo
de vigiar, sequestrar, torturar, assassinar e fazer desaparecer militantes
políticos que faziam oposição aos regimes militares da região na década de
1970.
De acordo com o
Ministério Público Federal, a documentação apreendida na casa de Malhães e
divulgada nesta semana foi compartilhada formalmente com a Argentina e já foi
anunciada uma reunião especializada dos Ministérios Públicos do Mercosul, em Buenos Aires.
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