Bolosonaro - A Besta-fera de saiote
Texto de Leandro Fortes é jornalista, professor e escritor. Trabalhou para o Jornal do Brasil, O Globo, Correio Braziliense, Estadão, Revista Época e Carta Capital.
Jair
Bolsonaro é uma besta-fera, mas está longe de ser uma besta-quadrada.
Ele, mais do que ninguém, percebeu que o cheiro da farda ainda faz
boa parte da classe política brasileira sujar as calças e, por isso mesmo,
comporta-se no Congresso Nacional como um cachorro louco a quem ninguém ousa
chamar atenção.
Bolsonaro faz política rangendo os dentes e cuspindo ódio diante
de uma plateia anestesiada e incapaz de reagir, mesmo quando, como agora,
ofende uma colega parlamentar com insinuações de estupro.
“Não vou te estuprar porque você não merece”, ele disse, em mais
um de seus proverbiais ataques de misoginia, ao se dirigir à deputada Maria do
Rosário, do PT do Rio Grande do Sul. O pecado da parlamentar foi a de discursar
sobre o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Bolsonaro,
como se sabe, considera o tema uma distorção social voltada para vagabundos.
A frase em questão bem que poderia ter sido dita, com debochada
crueldade, em um porão do DOI-CODI a uma presa política, por um desses animais
da ditadura louvados por Bolsonaro.
Por ele e pelos seres humanos doentes que o seguem e admiram,
entre eles, infelizmente, gente da minha convivência. Parte por analfabetismo
político e déficit cognitivo, parte por lesões morais de origem patológica.
Bolsonaro é a parte visível de uma sociedade apodrecida em
conceitos miseravelmente binários. Seria injusto dizer que isso decorre,
apenas, de sua persona militar, embora a farda outrora ostentada, claro,
contribui para apelo do deputado do PP fluminense junto aos quartéis.
Na caserna, ainda hoje, os generais golpistas da ditadura são
tratados como grandes líderes da nação e sobre eles deitam-se pomposas
homenagens, geração após geração, nas escolas de formação militar, sem nenhuma
interferência do poder civil sobre essa lavagem cerebral baseada na doutrina de
segurança nacional das velhas apostilas da Escola Superior de Guerra.
Infelizmente, nenhum presidente civil pós-redemocratização, de
José Sarney a Dilma Rousseff, teve coragem de interferir nesse processo de
envenenamento ideológico de jovens aspirantes à carreira militar.
Jair Bolsonaro, então capitão do Exército, mostrou os dentes à
nação, pela primeira vez, em um artigo para a revista Veja, em 1986, no qual
protestava contra os baixos salários dos militares. Por isso, acabou preso e
desencadeou uma moda volta e meia colocada em prática: o protesto de mulheres
de militares da ativa. Elas, ao contrário dos maridos, podem promover panelaços
e fazer passeatas sem correr o risco de acabar no xadrez.
No ano seguinte, em 1987, a repórter Cassia Maria, de uma época em
que a Veja ainda fazia jornalismo, quebrou um off do capitão para contar como
(já) funcionava a cabeça de Bolsonaro: para pressionar o então ministro do
Exército, general Leônidas Pires, a aumentar o soldo dos militares, ele
pretendia explodir bombas na Vila Militar da Academia Militar das Agulhas
Negras (Aman), em Resende (RJ).
A partir daí, Bolsonaro largou a farda e tornou-se o representante
legal do discurso do ódio dentro e fora do Congresso Nacional.
Ele está na Câmara dos Deputados há 24 anos, graças a seis
mandatos consecutivos. Nas últimas eleições, aos 59 anos, foi o deputado
federal mais bem votado do Rio de Janeiro, com mais de 464 mil votos.
Na disputa presidencial, apoiou Aécio Neves, do PSDB.
Ou seja, tem muita gente disposta a defendê-lo – e protegê-lo.
Haja vista a histórica leniência de seus pares que, legislatura
após legislatura, permitem a Bolsonaro se comportar como uma aberração de circo
a quem tudo é permitido em nome da diversão.
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