CUNHA, PSDB, DEM E GILMAR MENDES DERROTADOS
Um
dia histórico para a democracia brasileira:
Câmara rejeita o
“distritão” e o financiamento empresarial das campanhas.
por
André Rocha, especial para o Viomundo
Pareciam passos táticos de uma manobra muito bem calculada
o cancelamento da reunião que faria a avaliação do relatório final produzido
pela Comissão Especial e a imposição da votação da Reforma
Política para ontem,
terça-feira, 26 de maio.
O
texto do relator Marcelo Castro (PMDB-PI) que seria a base para a votação da
Câmara foi invalidado pela decisão tomada por Eduardo Cunha de levar a votação
diretamente para a Câmara. No texto, o relator concluía que a proposta do voto
majoritário, chamada “distritão”, acentuaria a crise de representatividade da
democracia brasileira, incentivaria o personalismo, enfraqueceria os partidos,
acirraria as disputas intrapartidárias e tornaria as campanhas eleitorais muito
mais caras.
O “distritão” seria o modelo perfeito para os deputados
que trabalham como comerciantes de votos: utilizando os partidos a que são
filiados apenas como fachada para entrada e permanência do Poder Legislativo,
trabalham como lobistas de grupos de interesses e precisam dos serviços de marketing da grande mídia para ocultar seus
reais vínculos de representação e construir uma imagem de políticos
“republicanos”.
O modelo majoritário generalizaria a pulverização
partidária e acentuaria os problemas de representação e “governabilidade” que
resultam da multidão de pequenos partidos que funcionam como fachada para
comerciantes de votos. A pulverização possibilita a prática sistemática de
venda de votos de parlamentares para a aprovação e reprovação de propostas do
Poder Executivo, prática que, diga-se de passagem, registra-se na votação da emenda da
reeleição no governo
FHC e que atravessa os governos de Lula e Dilma.
O
“distritão” destruiria os grandes partidos e acabaria com a possibilidade de
pautar a disputa nas eleições pelas diferenças entre programas partidários.
Seria a festa dos “indivíduos” alçados à condição de “personalidades” pelas
grandes empresas de comunicação de massa.
O
autoritarismo de Cunha já é notório, mas pelo filtro das crônicas da grande
mídia ele aparece como uma espécie de político hábil, capaz de formar e liderar
uma maioria na Câmara e impor derrotas a Dilma e Temer; aparece como um
estrategista que sabe manobrar as regras como se estivesse as seguindo; numa
palavra, aparece como um “maquiavélico”.
O
fato de que seu comando tem como base o alinhamento dos políticos da chamada
“bancada do BBB” e os vendedores de votos avulsos não levou os “democratas”
tucanos da grande mídia a nenhuma reflexão sobre os descaminhos da democracia
brasileira após as eleições de 2014.
De fato, certas lideranças do PSDB acreditavam que
poderiam se aproveitar de Cunha para fazer passar oimpeachment na Câmara. Outros percebiam, porém,
que uma ascensão meteórica de Cunha não apenas ameaçaria o poder de Temer no
PMDB: no longo prazo, na medida em que pudesse se blindar contra as acusações
da Lava Jato, Cunha poderia ocupar confortavelmente a posição de centro-direita
das lideranças tucanas com amplo apoio da direita e da extrema-direita.
Mas alguns “maquiavélicos” do PSDB imaginam que podem usar
Cunha como uma espécie de fantoche para tentar fazer passar o impeachment de Dilma e destruir o PT explorando o
racha no PMDB…
O
“maquiavelismo” na maioria das vezes é pequena política que não reflete em nada
a grande política e, por isso, choca-se contra a realidade, se interverte no
seu contrário.
Cunha
atropelou a Comissão Especial na esperança de aprovar o seu modelo de reforma
política na ânsia de aparecer nos jornais como vitorioso e grande líder da
oposição? Teria ele se apressado por perceber que o relatório da Comissão
Especial influenciaria nos votos dos deputados? Ou teria ele expectativas de
conseguiria votos suficientes para aprovar as propostas do voto majoritário e
do financiamento empresarial das campanhas?
Não
está claro ainda que motivos lhe fizeram atropelar a Comissão Especial e
colocar a votação diretamente na Câmara.
Na
votação sobre o sistema eleitoral as propostas do sistema majoritário e do
distrital misto foram derrotadas. Antes de passar às votações sobre o
financiamento das campanhas, muitos deputados pediram ao presidente da Câmara
que adiasse as votações para a quarta-feira, dia 27 de maio. Mas o deputado
Cunha foi inflexível, respondeu com palavras ríspidas, manteve o teto para
01h00 da manhã e a votação avançou madrugada adentro. Foi o suficiente
para uma única votação: aquela que rejeitou a proposta de financiamento
empresarial das campanhas. A votação que decidirá se o financiamento será misto
(público + pessoa física) ou apenas público ocorrerá hoje, quarta-feira, 27 de
maio.
Mas votação no dia de ontem foi histórica para a
democracia brasileira e merece uma boa, longa e serena comemoração. Para
aqueles intelectuais à direita e à esquerda, “sublimes” intelectuais dos
jornalões e da academia, que têm cedido à ideologia da denegação da política,
dos partidos existentes, e, em suma, da própria democracia brasileira, a
questão a se resolver na roda de chope poderia ser o paradoxo da votação da
reforma política no dia 26 de maio de 2015: se a democracia, como julgam os
denegadores da política, consiste numa mera “forma”, num comitê da burguesia,
num jogo de cartas marcadas, como a composição atual da Câmara dos Deputados foi conduzida
a deliberar pela rejeição do sistema majoritário e pela proibição do
financiamento empresarial das campanhas?
André
Rocha é doutor em filosofia pela USP e pós-doutor em filosofia pela USP e pela
Université Paris I –Pantheon Sorbonne.
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