FAO: BRASIL ERRADICOU A FOME, EM UM MUNDO ONDE 850 MILHÕES PASSAM TODOS OS DIAS POR ESSA AGONIA
Brasil, um país
desconhecido pelos brasileiros
Um Brasil desconhecido de grande parte da população é
tratado pela FAO como um caso de relevância internacional no combate à fome.
Por Najar Tubino*, na Carta Maior
Um Brasil desconhecido de grande parte da população é
tratado pela FAO como um caso de relevância internacional no combate à fome.
É um fato concreto que a versão veiculada pela mídia sobre o que
acontece no país é totalmente desvirtuada e dirigida, segundo seus interesses
empresariais e familiares. Em relação às políticas públicas voltadas para o
combate à fome e a produção de alimentos pela agricultura familiar, que engloba
trabalhadores e trabalhadoras assentadas, quilombolas, ribeirinhos, indígenas e
o povo marginalizado há décadas nos nove estados nordestinos e o norte de Minas
Gerais, que formam o semiárido. No final do ano passado a FAO, a Organização
das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, lançou pela primeira vez o
relatório sobre Segurança Alimentar e Nutricional inteiramente sobre um país,
no caso, o Brasil. O documento começou a circular este ano, e tem versões em português,
espanhol e inglês. Internamente a notícia veiculada rapidamente dava conta que
o Brasil tinha saído do Mapa da Fome.
A FAO monitora mais de 180 países nos quesitos sobre insegurança alimentar. E o
Brasil, desconhecido de grande parte da população, é tratado como um caso de
relevância internacional, que passou a ser um exemplo e copiado por muitos
outros países por suas políticas adotadas no combate à fome e a produção de
alimentos pela agricultura familiar. Como esclareceu o representante da FAO no
Brasil, Alan Bojanic:
Prioridade para segurança alimentar é política
“A conjuntura do Brasil é caracterizada pela consolidação e institucionalização
de políticas bem sucedidas de combate à fome e de promoção da segurança
alimentar e nutricional (SAN), norteados pelo Direito à Alimentação Adequada,
da ONU. O Brasil cumpriu e ultrapassou os Objetivos do Milênio no que diz
respeito à redução da pobreza e da fome”.
A questão não é técnica e sim política, como define a própria Lei 11.346/2006,
que é a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, onde está definido o
significado de tudo isso:
“É a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos
de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras
necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da
saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e
ambientalmente sustentáveis. Não é um conceito técnico, é um conceito político,
construído com intensa participação social”, escreve o dirigente da FAO no
Brasil.
Brasil referência internacional
Por que o caso brasileiro se destaca?, pergunta Alan Bojanic.
Por vários motivos: combate à fome como prioridade de Estado, sistema de
governança da SAN, perspectiva do Direito Humano à Alimentação Adequada,
processo participativo e intersetorial, políticas públicas articuladas e
programas bem desenhados, monitoramento da SAN e convergência com a discussão
internacional.
As ações funcionam em rede, tanto os programas sociais como o Bolsa Família,
que em 2013 alcançou R$ 25 bilhões e atendeu 13,8 milhões de pessoas, mas todas
as outras ações de apoio à agricultura familiar, como o Pronaf e os Programas
de Aquisição de Alimentos e da Merenda Escolar, que no total somaram R$ 78
bilhões em 2013. Segue outro trecho do relatório Segurança Alimentar e
Nutricional – Um Retrato Multidimensional, da FAO:
“O Brasil já é hoje uma referência internacional de combate à fome. As
experiências exitosas como transferência de renda, compras diretas para
aquisição de alimentos, capacitação técnica de pequenos agricultores, entre
outras, estão sendo transferidas para outros países. Os gastos sociais
aumentaram mais de 128% entre 2000 e 2012 e a parcela no PIB aumentou 31%. O
Bolsa Família que atingiu R$25 bilhões em 2013 e atendeu 13,8 milhões de
famílias, sendo que o depósito é feito em nome da mãe preferencialmente e exige
que as crianças permaneçam na escola e visitem os serviços de saúde.”
Estrutura fundiária concentrada
As famílias em situação de extrema pobreza, que foram o foco do programa Brasil
Sem Miséria, lançado em 2011, e tornaram possível que estas famílias recebam um
mínimo de renda per capita de US$1,25 por dia, segundo o relatório, retirou
desta situação 22 milhões de brasileiros. Os investimentos em políticas que
apoiam os agricultores familiares aumentaram 10 vezes em 10 anos, caso do PAA
chegou a R$1,3 bi em 2013 e o PNAE atingiu 43 milhões de estudantes, no mesmo
ano. Outra política pública ressaltada pela FAO: o acesso à terra, com a
distribuição de 50 milhões de hectares a mais de 600 mil famílias nos último 10
anos, contando até 2012. Os números totais hoje em dia chegam a quase um milhão
de famílias assentadas e 80 milhões de hectares.
Por fim, o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, realizado em
conjunto com a sociedade civil, está vinculado ao orçamento federal e um
sistema bem estruturado de monitoramento multidimensional de segurança
alimentar e nutricional. O Brasil é um país mundialmente importante na produção
agrícola e diversidade de alimentos. Por outro lado, aspectos como a estrutura
fundiária concentrada e a sustentabilidade do sistema adotado e o equilíbrio
entre produção de commodities direcionadas para o mercado internacional e de
alimentos para o consumo interno têm reflexos importantes na Segurança
Alimentar e Nutricional da população e alguns grupos específicos.
Consumo excessivo de agrotóxicos e transição agroecológica
O relatório cita o fato do país ser líder na produção de laranja, cana e café,
ocupar a segunda posição em soja, feijão e carne bovina, o terceiro em abacaxi
e milho, o quarto na produção de leite de vaca e o quinto em limão e banana.
“Ao mesmo tempo ainda existe uma parte da população em situação de insegurança
alimentar, o que mostra que a quantidade de produção de alimentos de um país
não se configura como um fator determinante no combate à fome. O mesmo ocorre
nos Estados Unidos, também entre os maiores produtores de alimentos, onde quase
15% da população está em situação de insegurança alimentar, sendo 5,7% em
situação de insegurança alimentar grave”.
O relatório também registra que apenas metade das terras indígenas no país
estão regularizadas e que apenas 10% dos quilombos identificados pela Fundação
Palmares possuem título de terra. E faz o alerta para o consumo excessivo de
agrotóxicos pela população brasileira.
“Um terço dos alimentos consumidos na mesa dos brasileiros é contaminado por
agroquímicos, sendo que mais de um quarto com substâncias proibidas para consumo
no Brasil.”
Os avanços na democratização do acesso à terra em determinadas regiões e os
modelos produtivos e de promoção da transição agroecológica, além da
importância econômica da agricultura familiar, são questões que o Brasil
precisa avançar, ainda conforme o relatório.
Dinheiro do Pronaf continuará o mesmo
Na semana passada a Confederação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
(Contag) e seus quatro mil sindicatos espalhados no território brasileiro
realizaram o 21º Grito da Terra com 80 mil pessoas mobilizadas. Os
representantes da Contag se reuniram com a presidenta Dilma Rousseff e
apresentaram uma pauta com 170 itens que foi respondida pelo governo federal.
Neste encontro, o presidente da Contag, Alberto Broch disse à presidenta:
“Não tenha medo de mexer no cofre dos grandes empresários, das mineradoras, mas
não mexa nas populações rurais. Não mexa na reforma agrária”.
O Plano Safra da Agricultura Familiar será lançado no dia 15 de junho e deverá
manter o patamar de R$25 bilhões para custeio e investimentos. O governo
federal também se comprometeu a dirigir as compras públicas cada vez mais na
direção da agricultura familiar. Também se comprometeu a entregar 10 mil
moradias no Programa Minha Casa, Minha Vida Rural no próximo mês, uma das reivindicações
da Contag.
Sobre a reforma agrária, a secretária executiva do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, Maria Fernanda Coelho esteve reunida no sábado, dia
23, em Recife, com os representantes da Federação dos Trabalhadores e
trabalhadoras rurais – Fetape– e anunciou que o governo federal vai assentar
120 mil famílias até 2018 – em condições qualificadas de luz, água, moradia,
crédito e assistência técnica.
100 mil mulheres em agosto na capital federal
Em Recife ocorreu uma das maiores manifestações do Grito da Terra com cinco mil
participantes. Eles caminharam até a sede do governo estadual, pois desde 2013
existe uma lei no estado que define ações em apoio ao povo do semiárido que até
agora não receberam nenhuma resposta ou iniciativa do executivo. Os 179
sindicatos pernambucanos também reivindicam R$30 bilhões para o Pronaf e outros
20 bilhões para outros programas. Nas ruas da capital eles anunciaram o que a
população brasileira precisa saber:
“Quem coloca alimento na mesa da cidade precisa de apoio da sociedade”.
A FAO divulgou ainda nos últimos dias o relatório mundial sobre a fome, onde
805 milhões de pessoas passam por esse sacrifício todos os dias. No caso da
África, um em cada quatro habitantes. Entretanto, mesmo sendo referência
internacional o Brasil segue um desconhecido para os seus habitantes, porque
aqui o único problema existente é a corrupção. E mais nada. Também não ficará
sabendo que na última semana deste maio de 2015 acontece a Semana dos Alimentos
Orgânicos com ações oficiais em 20 estados. Mas certamente vai ficar sabendo
quem nos dias 11 e 12 de agosto 100 mil mulheres desfilarão pelas ruas de
Brasília na 5ª Marcha das Margaridas. Essa vai ficar difícil de esconder.
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