A tentativa de incriminar Lula só prova que é o único líder popular brasileiro reconhecido mundo afora
Lula discursou na prefeitura de Roma e na reunião da FAO
Mino Carta, em CartaCapital, publicado 15/06/2015 04h44
Quando Fernando Henrique Cardoso
deixou a Presidência da República, o Banco Itaú forneceu-lhe de graça a sede do
Instituto que acabava de criar e lhe doou 2 milhões de reais. Outras
importantes empresas cuidaram de atapetar suavemente o futuro do ex-presidente,
entre elas, Camargo Corrêa (doação de 7 milhões) Odebrecht, Klabin e Gerdau.
Sem contar a Sabesp, empresa pública em mãos tucanas (500 mil).
As
primeiras páginas dos jornalões negaram-se então a noticiar algo que, de
verdade, só ofendia a lei por causa da Sabesp. Ao contrário do que aconteceu na
manhã de quarta-feira passada para insinuar a suspeita em relação à doação
feita há tempo pela Camargo Corrêa ao Instituto Lula bem como o pagamento de
conferências do mesmo Lula, o qual na atividade de palestrante segue o exemplo
do seu antecessor.
Recorde-se
que durante a ditadura, no seu respeitável Cebrap, FHC contou com o apoio
financeiro da Fundação Ford, quem sabe a provar a teoria da dependência. Não é
complicado, contudo, entender as razões da diferença de tratamento reservado ao
ex-presidente sociólogo e ao ex-presidente metalúrgico. Entram na receita a
classe social de um e outro, está claro, bem como seus desempenhos na
Presidência. FHC implantou um governo de extremo agrado da casa-grande. Lula,
sem deixar de fazer concessões aos graúdos, voltou seus olhos também para a
senzala. Por isso, aliás, goza do reconhecimento do mundo, como se deu na sua
recente visita à Itália, encerrada dia 8 da semana passada.
O
Brasil vive em profundo tormento: recessão, desemprego em aumento,
criminalidade de proporções bélicas, empresariado frustrado, inquietação
política, empreiteiras a risco, mercado prepotente, e assim por diante.
Fermentam os temores da minoria privilegiada enquanto a maioria sofre por ora
sem a nítida noção de quanto acontece. Às vezes parece surgir em cena uma
espécie de sanha suicida, forma aguda de fanatismo do Apocalipse, como se os
filisteus tivessem decidido não esperar por Sansão.
Algo
mais, de todo modo, precipita pesos e medidas diversos na atenção midiática
dedicada a Lula na comparação com outras figuras nacionais, algumas francamente
negativas. Discrepância escancarada, provocada, em primeiro lugar, por uma
razão do conhecimento até do mundo mineral. O que mais apavora os privilegiados
é o retorno de Lula em 2018.
Preocupação
dominante, avassaladora. Antes de mirar em Dilma e no PT, visa-se o vencedor de
2002 e 2006, sem atentar para o fato de que o destino de Lula está nas mãos do
governo da presidenta e do partido que ele fundou faz 35 anos. E da própria,
célebre mosca azul, se as coisas tiverem funcionado a contento antes da hora da
decisão.
Apesar
de alvejado incansavelmente, Lula é o único, autêntico líder popular
brasileiro. Na Itália, onde visitou a Exposição de Milão, conversou com o
premier Renzi e com o ex-presidente da República Napolitano, palestrou na
prefeitura de Roma aos pés da estátua de Júlio César, e na reunião da FAO, a
contar com a presença de 30 chefes de Estado, surgiu como personagem principal,
saudado campeão da luta contra a miséria e a fome. Não houve retórica nas
manifestações das autoridades e muito menos nos aplausos recebidos pelas ruas.
Nestes
dias realizou-se em Salvador o Congresso do PT, o partido que, chegado ao poder,
distanciou-se dos propósitos iniciais e se portou igual aos demais em todos os
tempos da história republicana. E ali, Lula aparece como o líder habilitado a
redesenhar-lhe as feições. Cabe perguntar aos nossos botões, em todo caso, se a
chamada democracia partidária ainda se coaduna com as circunstâncias, nem digo
da política nacional, mundial é a palavra adequada.
Em
Roma, Lula centrou sua fala na prefeitura na democracia participativa, no
“diálogo com o povo”, enquanto na FAO acentuou as dificuldade de um governo
obrigado a concessões variadas na falta de maioria parlamentar absoluta,
forçado, portanto, a alianças nem sempre desejáveis. As ideias expostas pelo
ex-presidente são de fato bastante atuais nos debates acadêmicos europeus. O
chamado Velho Mundo ainda é o lugar onde vingam ideias novas e percepções mais
precisas da realidade, ou menos anacrônicas. Discute-se em torno de uma fórmula
batizada “democracia do líder”, encarada como solução possível do problema da
governabilidade, a pressionar em todas as latitudes.
Proposta em gestação, Carta Capital ainda falará dela em
profundidade, como, entre outras interpretações possíveis, sistema de governo
de unidade e salvação nacionais, reunido em torno de uma liderança
incontestável. Certo é que Lula continua a desempenhar um papel determinante,
como se não bastasse a prova irrefutável de sua importância, representada pela
obsessiva tentativa dos porta-vozes da casa-grande de incriminá-lo de alguma
forma, de envolvê-lo em tramoias, conchavos e corrupção.
Vibra
nos ataques a Lula, a aposta na ignorância, na parvoíce, na ausência de
espírito crítico de quem lê e ouve, a fomentar a paroxística situação de
extremo maniqueísmo em que nos mergulha o atentado diuturno à razão dos
iluministas. Resulta disso tudo a intolerância irremediável, a impossibilidade
de diálogo, de qualquer tentativa de entendimento, ao sabor de uma navegação
oposta àquela desejável para o bem do País.
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