Celso Amorim: Política externa 'ativa e altiva' incomoda a mídia
por Felipe Bianchi
Em palestra na noite
desta quarta-feira (27), no centro de São Paulo, o ex-chanceler Celso Amorim
fez um breve retrospecto de quando esteve à frente do Itamaraty e, mesmo em tom
ameno, não poupou críticas à postura da mídia no período. “Quando um jornal
inglês me chamou de 'o melhor diplomata do mundo', em referência a conquista
brasileira em sediar a Olimpíada de 2016, um jornalista brasileiro me perguntou
a razão do elogio”, relembra. “E eu respondi que era, provavelmente, porque
eles não liam a mídia brasileira”.
O bate-papo, que ocorreu
no Sindicato dos Jornalistas, promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa
Barão de Itararé com o apoio do GRRI – Grupo de Reflexão em Relações
Internacionais, também marcou o lançamento do novo livro de Amorim: Teerã,
Ramalá e Doha: memórias da política externa ativa e altiva (editora Benvirá). A
obra compila relatos, com riqueza de detalhes e bastidores, de importantes
episódios diplomáticos vividos pelo então ministro das Relações Exteriores,
durante a era Lula.
“Não me proponho a fazer
nenhum tipo de ensaio sociológico sobre a mídia, mas ela é, sem dúvidas, uma
das principais personagens desse novo livro – e de meus anteriores também”,
pontua. “São coletâneas de crônicas das experiências que vivi. O livro é feito
de notas que eu tomei ao longo desses episódios, coisa que eu fazia muito desde
antes de Lula me anunciar como ministro”.
Apontado por parte da
esquerda brasileira como o responsável por uma verdadeira 'revolução' na
diplomacia do país, Amorim opina que os grandes meios de comunicação, atrelados
ao poder econômico internacional, incomodavam-se bastante com essa postura
'ativa e altiva' – definição que, segundo ele, surgiu no momento de seu anúncio
como ministro, por Lula.
Foto: Felipe
Bianchi/Barão de ItararéFoto: Felipe Bianchi/Barão de Itararé“Não que nunca
tivemos momentos positivos, mas havia sempre uma preocupação de o Brasil não
aparecer demais. A instrução era para evitar atitudes de protagonismo e eu não
via razão alguma nisso”, diz. “Se fossem assuntos de interesse nacional, por
que não? Claro que tem de ser cauteloso na diplomacia, mas não se pode ver assombração
a todo momento e, por isso, não levantar a sua voz. Tínhamos que estar
presentes não apenas para responder à agenda do mundo, mas para fazê-la”.
Em relação ao livro,
Amorim retoma a crítica à mídia. “A obra trata de três processos diplomáticos
que evidenciam essa nossa ideia de política externa ativa e altiva”, explica.
“Achei importante restabelecer os fatos tais como haviam ocorrido, pois a
ignorância sobre eles era muito grande. Fui a lugares que obviamente deveria
haver algum conhecimento sobre os temas e, pior que desconhecerem, as pessoas
abraçavam a versão enviesada da imprensa de que o Brasil teria feito acordos
obedecendo, temerariamente, a outros interesses e contra os Estados Unidos”.
O título da obra faz
referência a três cidades emblemáticas. Capital do Irã, a cidade de Teerã
remonta à viagem de Lula, Amorim e outros diplomatas, ao lado de líderes
turcos, para uma tentativa de acordo na questão nuclear, solicitada pelo então
recém-eleito presidente Barack Obama. Com a ausência do líder máximo
estadunidense, vetado por motivos desconhecidos, o Brasil teria ficado sem
sustenação, segundo a imprensa brasileira, que tratou o episódio como uma gafe.
Entretanto, a reaproximação entre Irã e Estados Unidos acontece justamente a
partir dos termos de acordo firmados pelos representantes brasileiros. Ramalá,
embora pequena, remete à virtual capital do território palestino, distando a
apenas 15km de Jerusalém. Doha, por fim, faz referência à tentativa de uma
negociação global, na Organização Mundial do Comércio (OMC).
“Dávamos importância
para o universalismo”, salienta Amorim. “Abrimos embaixadas na Coréia da Norte
e no Irã, por exemplo. Depois de fazer um grande rebuliço, a mídia viu que
também havia embaixadas de outros grandes países nesses lugares”, acrescenta,
aos risos.Foto: Felipe Bianchi/Barão de ItararéFoto: Felipe Bianchi/Barão de
Itararé
Com auditório lotado e
cerca de 5 mil internautas acompanhando a transmissão da palestra em tempo
real, feita pela TVT, Celso Amorim entrou em detalhes de diversos
acontecimentos descritos no livro, como a espinhosa negociação – intermediada,
principalmente, pelo Brasil – entre Irã e Estados Unidos sobre a questão do
urânio enriquecido. “À época, em um encontro de Barack Obama e Lula na Itália,
o mandatário estadunidense elogiou o Brasil como 'exemplo de país com energia
nuclear para fins pacíficos' e disse ao presidente brasileiro: 'Preciso de
amigos que falem com aqueles que eu não posso falar'”.
Ilustrando o
protagonismo pretendido pela diplomacia brasileira, Amorim resgatou outro fato,
dessa vez envolvendo a então secretária de Estado dos Estados Unidos. “Era
manhã, eu ainda não havia saído de casa e recebo a mensagem de que Hillary
Clinton precisava falar comigo 'agora, daqui uma hora ou quando eu pudesse'”,
recorda. “Eles precisavam saber o quê e como deveriam dizer em tratativas com a
Turquia”.
De volta ao tema Irã x
EUA, Amorim lamenta o desfecho da negociação. “O que posso dizer é que, se
tivesse sido aceito o acordo que arranjamos àquela época, teríamos poupados o
povo iraniano de quatro anos de sanções e deixado o cenário muito melhor. Eles
tinham 2 mil quilos de urânio enriquecido, hoje tem 10 mil e não se sabe como
resolver”, avalia. “Podemos especular que tenha sido por divergências na Casa
Branca, pelo calendário eleitoral estadunidense e, até mesmo, uma forma de
boicote à participação de países em desenvolvimento nos assuntos da alta cúpula
do Conselho de Segurança, historicamente dominado por países mais poderosos”.
Teerã, Ramalá e Doha:
memórias da política externa ativa e altiva também trata da aproximação do
Brasil com os países árabes, que culminou em diversas ações como o
reconhecimento do Estado da Palestina, o envio de ajuda humanitária a Gaza e a
retirada de 3 mil brasileiros de um Líbano beligerante. “Nessas épocas todas, a
mídia falava: 'o que o Brasil tem a ver com isso? Por que vai se meter?'.
Acabei de voltar de uma escola de governo em Harvard, nos Estados Unidos, e
ouvi, de mais de uma pessoa, o comentário de que o Brasil pode e deve se
envolver ainda mais”, salienta. “Não nos obcecamos com nossos objetivos só
preocupados em afirmar a nossa liderança. Fizemos concessões a países pequenos
e mais pobres. Isso resume as nossas ações”.
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