Como o PT blindou o PSDB e se tornou alvo da PF e do MPF
por Luis Nassif na Carta Capital
Mais do que questões partidárias, a
motivação maior da Operação Lava Jato é a revanche de duas operações anteriores
que foram sacrificadas pelo jogo político: a Satiagraha e a Castelo de Areia. E
é um exemplo eloquente dos erros de Lula e do PT em relação à Polícia Federal.
No
primeiro governo Lula, o Ministro Márcio Thomas Bastos mudou a face da PF e do
combate ao crime organizado no país. O reaparelhamento da PF, a criação da
Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), o preparo de procuradores e
policiais federais para, junto com técnicos da Receita e do Banco Central,
entender os becos intrincados do sistema financeiro, tudo isso fez parte de um
processo que mudou o patamar de competência tanto da PF quanto do MPF.
Tinha-se,
agora, pela primeira vez no país um sistema de combate ao crime organizado e,
ao lado, um modelo político ancestral trafegando na zona cinzenta da
legalidade, cujos exemplos anteriores foram as revelações trazidas pelas CPIs
do Banestado e dos Precatórios.
Estimulados,
os agentes e procuradores saíram a campo para enfrentar o maior desafio
criminal brasileiro: desbastar a zona cinzenta onde circulavam recursos do
narcotráfico, de doleiros, de corrupção pública e privada, de esquentamento de
dinheiro, das jogadas financeiras, e por onde passavam as intrincadas relações
entre política e negócios que estavam na base da governabilidade do país.
Quando
calhava de delegados e procuradores encontrarem um juiz justiceiro de primeira
instância, colocava-se em xeque todo o sistema de blindagem historicamente
praticado no país.
Duas
das mais expressivas operações - a Satiagraha e a Castelos de Areia - pegavam o
coração da máquina tucana.
A
primeira centrava fogo em Daniel Dantas, do Banco Opportunity, principal
beneficiário do processo de privatização, sócio da filha de José Serra,
administrador dos fundos do Instituto Fernando Henrique Cardoso, pessoalmente
favorecido por ele, quando presidente da República, em episódios que se
tornaram públicos - como seu jantar no Palácio do Alvorada, cuja sobremesa foi
a cabeça de dirigentes de fundos de pensão que se opunham a ele.
A
segunda, a Castelo de Areia, pegava na veia os acordos de empreiteiras com os
governos José Serra e Geraldo Alckmin. Quem leu o inquérito garantia haver
provas robustas, inclusive, dos acertos para tirar das costas dos presidentes
de empreiteiras a responsabilidade criminal pelas mortes no acidente com o
Metrô.
Satiagraha
foi abortada pela ação conjunta do Ministro Gilmar Mendes - defendendo o seu
grupo político - e do próprio Lula, afastando Paulo Lacerda da Abin e os
policiais que conduziam a operação, depois dos factoides plantados pela Veja e
por Gilmar. E também devido às investidas da operação sobre José Dirceu.
Foi
a primeira chaga aberta nas relações da PF com o PT e Lula.
No
caso da Castelo de Areia, a alegação foi de que a investigação começou a partir
de uma denúncia anônima. Especialistas que analisaram o inquérito, do lado das
empreiteiras, admitem que não havia erro processual. O inquérito era
formalmente perfeito. Terminou no STJ de forma estranha, negociado pelo
ex-Ministro Márcio Thomas Bastos, na condição de advogado da Camargo Correia.
Foi
assim que o PT, através de seus Ministros e criminalistas, livrou o PSDB dos
seus dois maiores pepinos, mas ficou com uma conta alta espetada nas costas.
A
revanche veio no pacto da Lava Jato, entre PF, MPF e o sucessor de Fausto De
Sanctis: Sérgio Moro - que teve papel central não apenas na Lava Jato mas na AP
470, do mensalão, como assessor da Ministra Rosa Weber.
A rebelião da primeira instância
A anulação da Satiagraha e da Castelo de Areia nos tribunais
superiores produziu intensa revolta entre juízes de primeira instância, MPF e
PF.
Tome-se
o caso da Satiagraha.
A
lei diz que decisão de juiz de primeira instância precisa passar primeiro pela
segunda e terceira instância até chegar ao STF (Supremo Tribunal Federal). No
controvertido episódio da concessão de dois habeas corpus, Gilmar Mendes
atropelou a lei e as próprias decisões do juiz Fausto De Sanctis e mandou
soltar os detidos.
Houve
abusos, sim. O show midiático com a TV Globo, a prisão do ex-prefeito Celso
Pitta, já doente terminal e outros. Mas também foi divulgada uma conversa
de Dantas afirmando que o desafio seria passar pela primeira instância, pois
nas instâncias superiores havia "facilidades".
Conseguiu
não apenas os dois HCs de Gilmar, como sua participação em dos factoides
criados para a revista Veja e, depois, trancar a ação no STJ (Superior Tribunal
de Justiça), de onde até hoje não saiu.
Todo
o desgaste da Satiagraha e da Castelo de Areia, perante a opinião pública
transformou-se em blindagem para a Lava Jato. Com o agravante de, no Ministério
da Justiça, encontrar-se o mais inodoro Ministro da história da República.
Se
os alvos fossem tucanos e o Ministro relator do STF Gilmar Mendes, não haveria
problemas. Gilmar atropelaria a lei e concederia os HCs. E o Ministro Cardozo
agiria valentemente em nome do “republicanismo”.
Agora,
tem-se na relatoria do STF um Ministro técnico, formalista, sem vinculações
partidárias. No Ministério da Justiça, um Ministro anódino, incapaz de conter
os abusos “em nome do republicanismo”. Na Procuradoria Geral da República, um
procurador geral empenhado com a sua reeleição tendo como principal opositor um
colega que critica sua "leniência" (!!!) na Lava Jato. Finalmente,
uma imprensa que ajudou a liquidar com a Satiagraha pelas mesmas razões que,
hoje em dia, defende a Lava Jato.
Como
é um jogo de poder, procuradores, delegados, Moro não se pejam em montar
alianças com grupos de midia claramente engajados no jogo de interesses
políticos e comerciais, alguns deles em aliança com o crime organizado.
O
jogo poderia ter se equilibrado um pouco se o PGR aplicasse a lei e atuasse
contra vazamentos de inquéritos sigilosos ou pelo menos aceitasse a denúncia
contra Aécio Neves. Seria uma maneira de mostrar isenção e impedir a exploração
política do episódio.
Mas
hoje em dia a corporação MPF é fundamentalmente anti-PT. A ponto de fechar os
olhos quando um ex-PGR, Antonio Fernandes dos Santos, livrou Dantas do mensalão
e, logo depois, aposentado, ganhou um mega-contrato da Brasil Telecom, quando
ainda controlada pelo banqueiro.
Enfim,
o PT colhe o que plantou. E o PSDB planta o que não colheu.
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