NA ITÁLIA, LULA LIDERA AÇÃO PLANETÁRIA CONTRA A FOME
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o principal
palestrante do Fórum Internacional dos
Ministros da Agricultura, realizado nesta sexta-feira, na Itália.
No encontro, foi publicada a
Carta de Milão, focada em segurança alimentar e programas sociais contra a
fome. "Esta é uma oportunidade única para disseminar a mensagem de que é
possível, sim, superar o desafio da fome e da pobreza, como alguns países já
estão fazendo", disse Lula.
Leia,
abaixo, a íntegra do discurso escrito do ex-presidente:
Fórum
Internacional de Ministros da Agricultura – Expo Milão
Milão,
05 de junho de 201
É uma honra, para mim,
participar da sessão de encerramento do Fórum Internacional de Ministros da
Agricultura. Meus agradecimentos aos organizadores pelo convite.
Saúdo especialmente nosso
anfitrião, o Ministro da Agricultura da Itália, Sr. Maurizio Martina, que tanto
se empenhou pelo sucesso deste evento, e na pessoa de quem cumprimento todos os
ministros e demais convidados.
A Exposição Mundial de Milão foi
especialmente feliz ao chamar a atenção do mundo para o problema da fome. Esta
é uma oportunidade única para disseminar a mensagem de que é possível, sim,
superar o desafio da fome e da pobreza, como algunspaíses já estão fazendo.
A condição fundamental para
isso é abordar a fome e a pobreza como questões de Estado, por meio de
políticas públicas abrangentes, com fontes de financiamento previstas nos
orçamentos nacionais.
O combate à fome e à pobreza é
indissociável da promoção do desenvolvimento econômico inclusivo, capaz de
gerar empregos e oportunidades, e de programas eficazes de distribuição de
renda.
A Carta de Milão, que acabamos
de firmar, contribuirá para construir uma consciência global em torno segurança
alimentar, com qualidade para a vida saudável, e da sustentabilidade ambiental,
social e econômica na produção de alimentos.
Faço votos de que esse
documento tenha ampla difusão nas escolas, nos locais de trabalho, nos meios de
comunicação e redes sociais ao redor do mundo.
Meus amigos, minhas amigas
Tenho consciência de que o
convite para falar neste evento é um reconhecimento generoso da trajetória do
meu País na superação da fome e da miséria. Este êxito pertence a todo o povo
brasileiro.
Era simplesmente inexplicável
que, num país tão rico em recursos naturais e humanos, 50 milhões de pessoas,
quase um terço da população, vivessem abaixo da linha de pobreza, sujeitas à
fome em pleno Século XXI.
Acabar com a fome tornou-se o
principal objetivo do país depois que fui eleito presidente da República, em
outubro de 2002. No discurso de posse, afirmei que teria cumprido a missão de
minha vida se, ao final do governo, cada brasileiro pudesse tomar o café da
manhã, almoçar e jantar todos os dias.
Investimos nesse objetivo o
conhecimento acumulado em anos de debates, estudos científicos e experiências
concretas da sociedade brasileira. Daí resultou o programa Fome Zero, criado
sob a coordenação do professor José Graziano, hoje merecidamente Diretor Geral
da FAO, por seu incansável ativismo nessa área.
O programa Fome Zero abrange um
conjunto de políticas públicas articuladas entre si, das quais a mais conhecida
é o Bolsa Família, considerado um dos melhores programas de distribuição
condicionada de renda.
O Bolsa Família, como sabem, paga
uma renda mensal às famílias mais pobres,mediante três condições: manter as
crianças na escola, garantir que tomem todas as vacinas e, no caso das mulheres
gestantes, que façam os exames de saúde.
A inscrição se faz por meio de
um cadastro nacional, fiscalizado pelo Ministério Público e atualizado
permanentemente. O pagamento é feito por meio de cartão magnético de um banco
público, sem intermediários e sem burocracia. O cartão é emitido em nome da
mãe, aumentando a garantia de que o dinheiro será usado com responsabilidade.
Com um orçamento de R$ 28
bilhões (cerca de 10 bilhões de dólares), que corresponde a 0,5% do PIB
brasileiro, o programa atendeu em 2015 a 14 milhões de famílias, mais de 50
milhões de pessoas.
Esse dinheiro movimenta o
comércio local, aumenta a demanda por produtos básicos e ajuda a criar novos
empregos, formando um círculo virtuoso. E a população mais pobre, ao invés de
ser tratada como problema, torna-se parte essencial das soluções para o
desenvolvimento.
O fortalecimento da agricultura
e a melhoria das condições de vida no campo são fundamentais no combate à fome.
No Brasil, em 12 anos, ampliamos o crédito rural de R$ 22 bilhões para R$ 180
bilhões, cerca de 60 bilhões de dólares, o que nos levou a praticamente dobrar
a produção de grãos.
Nessa estratégia, reservamos um
papel especial aos pequenos e médios agricultores. Há 4 milhões de pequenas e
médias propriedades rurais no Brasil, responsáveis por cerca de 70% dos
alimentos que vão para a mesa das famílias.
Em nosso governo,
desapropriamos 51milhões de hectares, o que representa mais da metade de toda a
reforma agrária feita no Brasil em 500 anos de história.
O crédito para os assentados da
reforma agrária, para os pequenos e os médios produtores, com juros mais
baixos, passou de R$ 2,8 bilhões para R$ 28 bilhões em 12 anos. Além de
crédito, eles têm acesso a seguro contra a quebra de safra e garantia de preço
mínimo.
Aprovamos uma lei que faz os
governos locais comprarem 30% da alimentação escolar dos pequenos produtores de
sua região. Além de garantir mercado para os agricultores, isso melhora a
qualidade da alimentação escolar.
Abrimos mais de 1 milhão de
cisternas nas regiões de semiárido do País, melhorando o acesso à água para
suas populações.
E criamos um programa, chamado
Luz Para Todos, que levou energia elétrica a 3 milhões de famílias rurais. Esse
programa foi financiado com uma pequena parte das contas de consumo de energia
elétrica, mas transformou a vida de milhões de pessoas.
Para levar esse projeto
adiante, foram necessários 7,3 milhões de postes, 1 milhão de transformadores e
1,4 milhão de cabos de energia – o suficiente para dar a volta ao mundo 35
vezes. E foram gerados 466 mil empregos, a maioria entre moradores locais.
A chegada da energia elétrica
permitiu que os agricultores comprassem bombas d'água e pequenas máquinas para
agregar valor a seus produtos. Mais de 70% dessas famíliascompraram a primeira
geladeira; 80% compraram o primeiro televisor, e assim por diante, aumentando
as vendas – e os empregos – na indústria.
Em 2008, uma das medidas que
adotamos para reagir à crise mundial foi incentivar a compra de pequenos
tratores, caminhões e implementos agrícolas, com redução de impostos e com
crédito especial. Foram vendidos 58 mil tratores e 36 mil pequenos caminhões.
As políticas de segurança
alimentar, de distribuição de renda e apoio à agricultura, combinadas com a
valorização do salários e a ampliação do crédito, resultaram num expressivo
avanço social: 36 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza, mais de 40
milhões alcançaram um patamar de renda e consumo de classe média, 22 milhões de
novos empregos foram criados em 12 anos.
A grande notícia que tivemos,
em 2014, foi a declaração, pela FAO, de que o Brasil não está mais no Mapa da
Fome. Ter alcançado essa conquista, no espaço de apenas uma década, é motivo de
orgulho para toda uma geração de brasileiros.
Meus amigos, minhas amigas
A experiência brasileira em
segurança alimentar confirmou que o desenvolvimento do campo ajuda a produção e
a geração de empregos nas cidades.
Demonstrou também que o
agronegócio pode conviver com a pequena e média propriedade; que é possível
aumentar as exportações e ao mesmo tempo oferecer à população alimento farto,
de qualidade, a preços acessíveis. Felizmente, no Brasil, há espaço para as
mais variadas formas de produção.
Mais importante do que dobrar a
nossa produção agrícola – de 100 milhões de toneladas para 200 milhões de
toneladas por ano – foi tê-lo feito graças ao aumento da produtividade.
Nos últimos 25 anos, a produção
de grãos no Brasil cresceu 234%, mas o aumento da área plantada, nesse período,
foi de 50%.
Temos 57 milhões de hectares
cultivados com grãos. O Brasil exporta 39% de toda a soja consumida no mundo. O
País é o maior produtor e exportador de suco de laranja, com 77% do mercado
mundial, de açúcar, com 45% do mercado, e de café, com 28%.
O Brasil tornou-se o maior
exportador de carne bovina, com21% do mercado, e de frango, com 34%.
O agronegócio responde hoje por
23% do PIB brasileiro e por 30% dos empregos formais criados no País.
É muito importante lembrar que
o avanço da produção agrícola no Brasil obedece a um rigoroso zoneamento
agroecológico, que conseguimos implantar com sucesso em todo o território
nacional.
Os agricultores brasileiros –
de todos os portes – compreendem a importância da preservação do solo, do
manejo racional da terra e da água e da seleção criteriosa de culturas para
garantir a sustentabilidade da agricultura.
Quero lembrar também que nesses
últimos anos o Brasil vem melhorando substancialmente os indicadores de
preservação da floresta amazônica. A área de desmatamento caiu de 27 mil
hectares em 2004 para menos de 5 mil hectares em 2014. E a recente aprovação da
lei do Cadastro Ambiental Rural vai desencadear o maior processo de recuperação
florestal do mundo.
Lembro, por fim, que o Brasil é
o país que mais tem contribuído para a redução das emissões de carbono no
mundo, entre outros motivos pela adoção massiva de práticas agrícolas corretas.
Muito desse progresso se deve
ao desenvolvimento de tecnologia de agricultura tropical pela nossa empresa
pública de pesquisa, a Embrapa, trabalho que é complementado pelas
universidades.
O conhecimento de nossos
doutores, técnicos e produtores vem abrindo caminho para novas variedades,
novas técnicas e, sobretudo, melhores práticas agrícolas sustentáveis.
O Brasil tem oferecido
cooperação tecnológica em agricultura tropical a diversos países, especialmente
na África, que tem condições climáticas, geológicas e de solo muito semelhantes
às do cerrado brasileiro.
Consideramos nossa obrigação
compartilhar esse conhecimento com países empenhados em alimentar sua população
e promover o desenvolvimento.
Meus amigos, minhas amigas
Felizmente, temos excelentes
exemplos de politicas bem sucedidas de combate à fome e à pobreza em diversos
países. Isso fortalece a nossa confiança na superação do grande desafio.
São muito estimulantes também
os dados da FAO, indicando que caiu de 1 bilhão para 800 milhões o número de
habitantes do mundo vivendo em insegurança alimentar, à mercê da fome e das
doenças.
Além de continuar trabalhando
para resgatar da fome estes 800 milhões de seres humanos, o mundo precisa se
preparar para produzir mais alimentos e de melhor qualidade.
A FAO projeta que em 2050 a
população mundial terá passado dos atuais 7 bilhões para 9,2 bilhões de
habitantes.
Essa perspectiva nos obriga a
aumentar a produção e incentivar o aumento da produtividade da agricultura, de
forma sustentável do ponto de vista ambiental, econômico e social.
Obriga-nos a tomar medidas para
reduzir o desperdício, seja na colheita, no transporte, no preparo ou no
consumo de alimentos.
O mundo desenvolvido pode
contribuir muito, e imediatamente, para enfrentarmos o desafio da alimentação,
de duas maneiras.
Uma delas é adotar políticas de
financiamento para o desenvolvimento da agricultura dos países mais pobres,
especialmente dos países africanos. E isso inclui a transferência de
tecnologias de produção.
A outra contribuição importante
é adotar práticas comerciais mais justas, tornando os mercados consumidores
mais acessíveis aos produtores do mundo em desenvolvimento.
Essas duas iniciativas
combinadas podem realizar o potencial agrícola do continente africano.
A África tem imensas áreas de
terra agricultável, tem fontes abundantes de água e alto potencial para geração
de energia. Tem, principalmente, uma grande população que precisa e quer
trabalhar com dignidade.
Eu tenho a convicção de que a
África, recebendo os estímulos justos e necessários, pode deixar de ser um
continente ainda marcado pela fome para se tornar um dos celeiros do mundo.
Deixar de ser um problema, para se tornar uma grande solução.
Incentivar a produção agrícola
e os projetos de desenvolvimento desses países – e também em outras regiões do
planeta – é a forma mais eficaz de combater a fome. Isso vale para hoje e para
o futuro.
Apoiar esses países, garantir
acesso a mercados, torná-los parceiros no âmbito da segurança alimentar, é a
resposta ao desafio de alimentar 9,2 bilhões de seres humanos no ano 2050.
Estou convencido de que este é
também o caminho para construirmos um mundo mais seguro para todos, um mundo de
paz.
É muito significativo que os
problemas de alimentação no mundo de hoje sejam a fome, em algumas sociedades,
e a obesidade, em outras.
Isso mostra o quanto temos a
avançar na construção de um mundo menos desigual, mais justo, mais equilibrado.
Por isso acredito que a pauta
da fome e de sua erradicação deve estar presente nas reuniões dos organismos
multilaterais e nas instituições que debatem as crises econômicas.
Acredito que melhorar a vida
das pessoas pobres e dos países pobres certamente melhorará a vida em todas as
nações.
A cada ano crescem os
contingentes de refugiados e de deslocados internos. São pessoas que deixam sua
terra, empurradas por violência e conflitos regionais.
Acredito que é muito melhor
apoiar o desenvolvimento dos países pobres do que fechar as portas dos países
ricos à migração.
Quero concluir reiterando o
agradecimento a todos por esta oportunidade.
A melhor e mais sincera
homenagem que posso render aos organizadores da Exposição Mundial e a todos os
que aqui vieram é levar a mensagem da Carta de Milão ao meu País.
E levarei esta mensagem a todos
os lugares onde for.
Muito obrigado.
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