EM DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E CONTRA A ESPETACULARIZAÇÃO DA JUSTIÇA
Por WADIH DAMOUS
Os direitos fundamentais
e as garantias individuais estabelecidas pela Constituição da República de 1988
estão sob grave e séria ameaça.
A
chamada Operação Lava Jato desencadeou um processo político que faz avançar o
estado policial e suprimir os direitos das pessoas submetidas a procedimento
investigativo, com claros contornos inquisitoriais.
A
grande repercussão midiática do caso, quase sempre fruto de vazamentos
seletivos e sem direito à defesa, irradia para todo o sistema de justiça um
método perigoso e ilegal para a democracia, assentado, fundamentalmente, na
espetacularização da justiça. Pouco importa, no caso, a decisão final com trânsito
em julgado. Todos estão (pré) condenados, ainda que se prove o contrário.
O
quadro é de total desrespeito e violação dos alicerces iluministas do processo
e do direito penal. A condução da causa pelo juiz Sérgio Moro e o comportamento
dos representantes do Ministério Público Federal – que já posaram de "Os
Intocáveis" – e dos delegados da Polícia Federal fizeram com que este
processo se tornasse um espetáculo político/midiático; verdadeiro vendaval
repressivo e inquisitorial em pleno regime democrático.
E
o direito à defesa, corolário e condição fundamental do devido processo legal,
é cada vez mais cerceado. Comunicações entre acusado e advogado são
interceptadas; arquivos dos advogados e suas estratégias de defesa são
ilegalmente apreendidos e violados; audiências são conduzidas sem o devido
respeito à defesa. Com isso, tenta-se convencer as pessoas de que o processo
penal é um estorvo, pois o que importa é prender e condenar antes mesmo de
julgar. É o que o processualista italiano Franco Cordero denomina de quadro
mental paranoico do juiz, que, ao conduzir o processo, o faz sob o
"primado da hipótese sobre os fatos" e passa a agir como voraz
acusador.
O
uso desmedido da prisão cautelar, encarcerando acusados primários, com endereço
certo e sem fundamentação concreta, fere o princípio da presunção de inocência
e reforça os alarmantes índices de encarceramento provisório no Brasil, na casa
dos 40% do sistema penitenciário. O instituto da delação premiada, de
questionável constitucionalidade, é utilizado como barganha e coação para a
restituição da liberdade ilegalmente restringida dos acusados.
Tal
quadro, para além de representar um acinte ao texto constitucional, notadamente
no que toca ao devido processo legal e à ampla defesa, repercute em todo o
sistema de justiça na medida em que a incessante repetição de atos violadores
dos direitos dos acusados são noticiados e louvados como sinal de
"eficiência" da prestação jurisdicional e como possível quebra na
seletividade do sistema, ao se punir o "andar de cima". Cria-se uma
nova e enviesada concepção de justiça: já que fazemos com os pobres, façamos
também com os ricos.
Nada
mais ilusório, no entanto. Desrespeitar os direitos individuais de qualquer
pessoa, sejam daqueles pertencentes às classes sociais mais privilegiadas ou
dos já habituais destinatários do sistema penal – os pretos e/ou pobres – é
ilegal e contribui para o retrocesso civilizatório.
O
combate à corrupção ou a qualquer espécie de ilícito é obrigação da autoridade
constituída – e merece de nós todo o apoio – mas deve se dar nos termos da
Constituição e da Lei e com o respeito aos direitos e garantias fundamentais
dos acusados, e o seu exercício não deve e não pode ser seletivo, mas
abrangente. Escolher certos alvos – partidos e personalidades – e ignorar
outros vicia o processo e torna-o ineficaz e injusto.
Não
há bem jurídico superior aos princípios da presunção de inocência e do amplo
direito de defesa que possa justificar a sua inobservância.
Os
que anunciam desejar "refundar a República" devem se candidatar a
cargos eletivos e se submeter ao crivo do sufrágio universal. Essa não é a
função de juízes e de procuradores. Já está mais do que na hora de voltar a
valer um velho adágio: juiz só fala nos autos. O papel de celebridade não é
apropriado para quem veste toga.
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