Erguer-se para enfrentar a reincidência reacionária
As mesmas caras e pose, em qualquer lugar do mundo
Não
deveriam despertar arrepios os dados de recente pesquisa do Datafolha, indicando que 45%
dos brasileiros se identificam, ideologicamente, com a centro-direita e a
direita (13% se assumem como de direita e 32% de centro-direita), contra 35%
que se dizem de centro-esquerda ou de esquerda (28% de centro-esquerda e 7% de
esquerda), o que não encerra tudo, pois esses números sequer têm
correspondência na composição do Congresso Nacional, majoritariamente de
direita.
Consideradas as contingências e o ambiente político – como o
emblemático monopólio ideológico exercido pelo pensamento de direita sobre os
meios de comunicação no Brasil –, esses números até que podem ser bem
recebidos, embora sempre reclamem a autocrítica que a esquerda orgânica – e à
frente de todos o PT, ora teimoso, ora hesitante – recusa fazer. Os fatos não são fruto
do acaso, nem o bem, como o mal, fruto da Providência, nem as eleições e as
derrotas, nem o prestígio e o descrédito. Tudo tem sua razão de ser, e os
fenômenos sociais estão à espera de quem os explique.
A inexistência de outra pesquisa para efeito de comparação
empobrece a análise, que se volta para esses números como quem considera uma
fotografia, um momento artificialmente estático, tomado ao acaso, sem um antes
conhecido. Nesses termos, pensar um depois é risco para qualquer vidência.
Considero, porém, que esses números revelam o deslocamento do centro
– uma estação ideológica, um êmbolo – para a direita partidária, como
consequência do deslocamento do PMDB da centro-esquerda para a centro-direita e
do PSDB, da centro-esquerda conservadora
para a direita tout court.
Um e outro partidos levaram consigo, como cracas, seus satélites, uma sopa
de letras que não merece menção. O deslocamento da tendência ideológica da
população – movimento a ser melhor avaliado – terá sido consequência desse
movimento partidário. Mas é preciso dizer que essa hipótese não encerra a
verdade toda.
O mesmo oscilar à direita se observou no âmbito dos partidos de
esquerda, acometidos, pela atração irresistível do Poder, de suicida leniência
político-ideológica e ética, o que também contribuiu para a degradação geral da
política e, por consequência, da governança. Também a esquerda no poder se
deixou envolver pelo pragmatismo conservador, absorvendo acriticamente métodos,
hábitos e valores da direita, inevitavelmente confundindo a cidadania e seus
eleitores, assim abrindo caminho para a competição deletéria dos grupos
privados, ao risco do apoderamento do Estado. Com a consequências sabidas por
todos e por quase todos lamentadas.
O
desempenho dos meios de comunicação como formuladores e veiculadores do
pensamento de direita, antes dos partidos, seus tributários (quase todo
requerimento oposicionista, no Congresso, tem por gênese uma provocação e algum
órgão de imprensa, tem cumprido papel que considero decisivo,
independentemente de qualquer pesquisa.
Se
a questão é ideológica, como suponho seja, torna-se fundamental estudar o
papel dos chamados ‘aparelhos ideológicos do Estado’, ‘formadores da opinião’,
a saber, além dos partidos, os meios de comunicação de massa, a escola
decadente e, na especificidade brasileira, a emergência de um pentecostalismo
primitivo e reacionário com estrutura econômica, política, parlamentar, comunicacional
de sorte a influir ou ditar ora a agenda do Congresso, ora a do
Congresso/Governo, ao preço do retrocesso político-social, da deseducação do
povo, da construção do clima de insegurança pessoal e do medo individual que
logo se transformará em medo coletivo.
Hoje,
não sou o primeiro a afirmá-lo, não mais se pode falar em opinião pública, mas
sim em opinião publicada, aquela que nasce da convergência das forças que
militam contra o progresso social e toma a forma de verdade por obra e graça
dos meios de comunicação, obreiros incansáveis da despolitização e da
manipulação dos fatos. O monopólio os torna oráculos da
‘verdade’, uma impostura ideológica; o monopólio os torna ainda soberanos,
pois está em suas mãos a ditadura do silêncio com que condenam ao esquecimento,
à não-vida, a diversidade. Assim, sem ser notada, tijolo por tijolo foi
construída a catedral do ‘pensamento único’, que, sonho dos melhores sonhos
ideológicos, impera contra os fatos e muda a percepção da realidade.
É
incompreensível que a burocracia das esquerdas brasileiras não se tenha detido,
para agir, na avaliação do papel dos meios de comunicação na formação
do pensamento político, e muito menos é compreensível que após mais de 12 anos
de governo de centro-esquerda nada tenha sido feito com vistas à democratização
dos meios de comunicação. Pior. Nossos governos, seguindo seus antecessores,
contribuíram para o fortalecimento do monopólio ideológico e da cartelização
empresarial que o nutre.
Mas
há muitos problemas do lado de cá de nossa cerca.
É evidente que para o desgaste da imagem das esquerdas contribuíram as acusações do chamado
‘mensalão’ e da Operação Lava Jato. A crítica à exploração
sensacionalista da imprensa ou às arbitrariedades das autoridades encarregadas
das investigações não anula o fato objetivo dos desmandos efetivamente
cometidos e que precisam ser apurados.
Esse é o fato a ser analisado em contraste com os anos 80,
que registravam o avanço político da esquerda, alimentado por vitórias que
caminhavam desde a campanha dasDiretas-Já, a mais notável mobilização
popular republicana, até a implosão do colégio eleitoral montado pela ditadura
para eleger seu delfim (lembremos: Paulo Maluf, do PDS,hoje PP) e que terminou
elegendo Tancredo Neves, o candidato da oposição que não tomaria posse.
Vivemos, presentemente, um
‘ponto morto’, aquele momento da História de um país que se pode dizer sem
caráter próprio, uma estação de passagem. O passado ainda não foi superado e o
futuro parece distante – e dele só podemos ter um visão embaçada. O
desafio não se oferece à direita, que se articula e vai ocupando o terreno
deixado livre, mas às esquerdas, de quem se reclamam forças para superar o
passado que quer sobreviver no presente. E erguer-se, isto é pôr-se de
pé, para enfrentar a reincidência
reacionária. Além de engenho e arte para assegurar a vitória do futuro,
para matar no nascedouro a semente da planta daninha do golpismo, da violência
e da intolerância que, juntas, formam as bases do fascismo.
Precisarão
nossas esquerdas de muita coragem para avançar e de muita humildade para rever
seus erros. O duro é que o tempo urge.
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