Grande Imprensa: Oportunismo e Vocação para o Golpe
Imprensa alternativa, censura,
tortura... Foram muitos os temas abordados no debate sobre mídia, golpe e
ditadura, realizado no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé,
em São Paulo
O depoimento comovente de Hildegard Angel, porém, roubou a
cena. Filha de Zuzu Angel e irmã de Stuart Angel, ambos assassinados pelos
militares nos anos de chumbo, ela se emocionou e foi aplaudida de pé ao relatar
sua experiência e criticar, de forma veemente, a imprensa brasileira.
“Essa
é a história do oportunismo da imprensa brasileira”, disparou. “Do oportunismo
dos intelectuais brasileiros, daqueles que se situam e formam suas panelinhas
para manter seus cachês valorizados. Agora, não valoriza cachê ser de esquerda,
o cachê fica baixo. Valoriza o cachê falar mal das causas sociais, dos
progressos e das conquistas sociais”.
Hilde,
como é chamada, traçou ainda um paralelo entre o momento presente e a década de
1950, quando Getúlio Vargas sofria implacável oposição por parte da imprensa e
o jornal Última Hora, comandado pelo jornalista Samuel Weiner, constituía um
verdadeiro oásis de simpatia ao governo. “O que ilustra bem os momentos
ditatoriais, de como deformam e revelam as pessoas, é que uma das mágoas de
Weiner foi a rejeição e maus tratos que sofreu por parte de companheiros de
profissão”, conta. “Me disse ele que quando foi se exilar em uma embaixada, o
jornalista Ibrahim Sued escrevia o condenando ao paredão. E ele questionava:
'Como você, grande amigo meu, querido e recebido em casa, tão elogioso a mim,
fez tanta pressão pela minha prisão e execução?'. E a resposta de Ibrahim foi
que 'balão quando tá caindo, a gente tasca'. É assim que eu sinto, hoje, o
governo de Dilma Rousseff”.
Sobre
a crescente onda conversadora que assola o Brasil, Hilde demonstrou
preocupação. “O Judiciário atropela a Justiça, o Legislativo atropela o
regimento... Estamos em uma catacumba”, definiu. “Acho que estamos sendo
ingênuos, pois o que se passa é um verdadeiro Estado de exceção. O presidente
da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, não ceder a palavra a um opositor por
discordar do que ele irá dizer é um ato ditatorial”, opinou, acrescentando que
“algo muito estranho acontece no país”.
Sequestro
à democracia ontem e hoje
A
atividade marcou também o lançamento de dois livros: Golpe de Estado (Geração
Editorial), de Palmério Dória e Mylton Severiano, e Lamarca – O Capitão da
Guerrilha (Global Editora), de Emiliano José. Palmério Dória, um dos
debatedores da noite, fez uma retrospectiva de sua trajetória na imprensa
alternativa escancarando como os corajosos repórteres driblavam a censura e
enfrentavam a mordaça imposta à botas, fuzis e capacetes.
Tínhamos
um princípio inabalável, que era o de nunca nos sujeitarmos à censura. O livro
Golpe de Estado é isso aí, continuar contando essa história para entendermos
como tudo o que ocorreu em 1964 desemboca nisso que estamos vivendo hoje”,
declarou. “Fica fácil entender a existência, por exemplo, de um Eduardo
Cunha".
Segundo
ele, há uma ideia fundamental que abre esse 'vácuo' onde nascem golpistas em
potencial: “nos sequestraram a consciência democrática”. Crítico à inércia dos
governos Lula e Dilma Rousseff em relação à regulação e democratização da
mídia, Dória acredita que a célebre frase de Millör Fernandes – “Jornalismo é
oposição, o resto é armazém de secos e molhados” – perdeu o sentido. “Existe um
golpe em marcha, com a complacência dos meios de comunicação, e não podemos ser
apanhados no contrapé, como fomos outrora. A única saída é ir pra rua”.
Apesar
do diagnóstico alarmante, o icônico repórter declarou enxergar, nas mídias
alternativas, uma forma de combate à ignorância e ao senso comum apregoado pela
grande imprensa. “Há algumas iniciativas muito boas, como os Jornalistas
Livres. A rapazeada está mandando brasa, mesmo com o governo imóvel”, disse.
“Informação fundamental, hoje, tiro dessas mídias na Internet. A imprensa
alternativa vai bem, obrigado. Mas mudou de plataforma”.
Mídia
e a 'vocação golpista'
Celebrando
o lançamento da 17ª edição de sua obra sobre um dos principais líderes da
oposição armada à ditadura militar, Emiliano José destacou que houve, sim,
terrorismo no Brasil, mas de direita, e não de esquerda. “A ditadura prendeu,
desapareceu com pessoas, matou, torturou velhos e crianças. Fez tudo isso e nós
vemos, lamentavelmente, gente com estômago para pedir a sua volta”.
Para
o Secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das
Comunicações, que passou quatro anos de sua vida encarcerado pelos militares, é
imprescindível cultivar a memória do papel da imprensa à época para entender e refletir
sobre a sua atuação nos dias de hoje. “A Folha de S. Paulo, por exemplo, foi
cúmplice direta da ditadura. Foi a sucursal do DOI-CODI”, acusou. “Falava-se
que a Folha da Tarde era o 'jornal de maior tiragem', de tantos tiras que
frequentavam a redação”.
Apesar
de não entrar nos meandros do tema, ele utilizou a cobertura tendenciosa sobre
a Operação Lava-Jato como exemplo do servilismo da imprensa a interesses
escusos. “Só sai na mídia o que criminaliza o PT, o governo e Lula. Nada mais”,
protestou. “Valores, pessoas e tudo o que está envolvido, em sua grande
maioria, não é petista, mas não importa que Aécio Neves (PSDB) tenha recebido
mais que todos. Ele está blindado”.
A
mídia tem verdadeira 'vocação golpista', segundo Emiliano José. “É a vanguarda do
golpe na história brasileira”, decretou. “Quem conduziu toda a operação que
culmina no golpe de 1964 foi a mídia. Historicamente, é ela quem prepara
golpes. 1954, por exemplo. O golpe pronto contra Getúlio Vargas foi adiado em
10 anos pelo 'descortino histórico' do então presidente, que se suicida com a
mais absoluta certeza de estar suspendendo um golpe. Última Hora, de fato, era
o único jornal simpático ao governo e ao trabalhador. O resto era a mesma coisa
de hoje”
Para
se fazer jornalismo investigativo, praticamente nulo no país, não depende só de
financiamento, conforme argumenta, “mas de disposição para fazê-lo”. Hoje,
avalia, só existe a fonte que entrega seletivamente aquilo que lhe interessa.
Publicado
em Baraodeitarare.org.br
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