OBAMA BATE NA GLOBO E DECEPCIONA GOLPISTAS
Por Paulo Moreira Leite no 247
A cena mais importante
da visita de Dilma Rousseff aos Estados Unidos ocorreu na entrevista coletiva
na Casa Branca. Você sabe do que se trata. Sorteada para fazer uma pergunta, a
repórter Sandra Coutinho, da Globo News, colocou uma questão que iria deixar
Dilma e o governo brasileiro em posição delicada. Depois de dizer, como se
fosse um fato objetivo sabido de todos, que o governo brasileiro se vê como um
líder mundial, enquanto Washington encara o país de forma menor, como uma
liderança regional, Sandra Coutinho perguntou: "Como conciliar essas duas
visões?"
Dilma
não teve tempo de responder. Melhor pessoa entre os presentes para esclarecer
como Washington "encara o país", Barack Obama saiu na frente e
corrigiu a pergunta: "Nós vemos o Brasil não como uma potência regional,
mas como uma potência global. Se você pensar (...) no G-20, o Brasil é uma voz
importante ali. As negociações que vão acontecer em Paris, sobre as mudanças
climáticas, só podem ter sucesso com o Brasil como líder-chave. Os anúncios feitos
hoje sobre energia renovável são indicativos da liderança do Brasil",
disse.
Obama
ainda acrescentou: "O Brasil é um grande ator global e eu disse para a
presidente Dilma na noite passada que os Estados Unidos, por mais poderosos que
nós sejamos, e por mais interessados que estejamos em resolver uma série de
problemas internacionais, reconhecemos que não podemos fazer isso
sozinhos".
A
reação de Obama tem importância pelo conteúdo e pela forma. Indo além do
jornalismo, no qual todo repórter tem o direito de colocar a questão que achar
pertinente para toda autoridade que lhe dá essa chance, é possível discutir
ideias.
No
complicado contexto atravessado pelo país, a pergunta ajudava a rebaixar o
governo brasileiro aos olhos do governo norte-americano, constrangendo Dilma
perante seu anfitrião e perante a audiência da emissora no Brasil.
Apresentada
como um simples dado objetivo, um elemento da paisagem assim como as colunas da
Casa Branca, a teoria de que o governo brasileiro tem uma visão errada sobre si
mesmo — e sobre o lugar do país no mundo, portanto — embute uma crítica
política conhecida à atual política externa brasileira, alimentada por
analistas e formuladores ligados ao PSDB e a círculos conservadores da capital
americana. Mas está longe de ser uma unanimidade em Washington, onde, ao
contrário do que se pensa no Brasil, não vigora o Pensamento Único.
Ao
dizer que o governo se acha mais do que realmente é na visão dos EUA, a
pergunta sugere que nossa diplomacia precisa reconhecer seu lugar, vamos dizer
assim. Precisa achar um caminho para "conciliar" a visão de
brasileiros e norte-americanos sobre nosso papel no mundo, pois do jeito que
está não pode ficar. Você entendeu o que está por trás disso, certo?
Mas
não só. Quando um repórter da Folha — exercendo o sagrado direito de perguntar
— colocou uma questão que remetia à Lava Jato, o que também iria atingir a
presidente brasileira, Obama respondeu de forma exemplar que não iria se
manifestar sobre um assunto que aguarda decisão judicial. Uma reação adequada,
num país que inspirou Alexis de Tocqueville a definir a separação de poderes
como a base da democracia moderna, não é mesmo?
A
reação de Obama tem outro elemento importante — a luz dos antecedentes. Em
1962, quando João Goulart se recusou a participar do bloqueio a Cuba, a CIA e a
Casa Branca passaram a considerar o Brasil como "o mais urgente problema
da América Latina", recorda o historiador Muniz Bandeira.
Poucas
pessoas sabiam, naquela época, mas John Kennedy havia acertado, nos bastidores,
apoio ao movimento militar que derrubou Goulart em março de 1964. Mesmo em
publico, Kennedy não deixava de manifestar sua hostilidade em relação ao
governo brasileiro, fazendo declarações que não tinham "precedente na
história das relações internacionais," como recorda Muniz Bandeira num
livro indispensável, "O governo João Goulart."
Referindo-se
a um presidente em pleno exercício de um mandato legítimo, Kennedy dizia — em
entrevistas — que considerava a situação do Brasil das "mais penosas"
por causa da inflação de 5% ao mês, o que anulava a "ajuda americana e
aumentava a instabilidade política." Kennedy cobrava e reclamava, sem
rodeios: "o Brasil deve tomar providências. Não há nada que os Estados
Unidos possam fazer em benefício do povo brasileiro enquanto a situação
monetária e fiscal for tão instável."
Com
sua atitude, 63 anos depois, Obama decepcionou os adversários do governo — que
aguardavam um sinal, com graus possíveis de sutileza, de desagrado com Dilma e
seu governo.
O
sinal não veio e essa é a notícia da visita.
E
é curioso notar que há algo semelhante entre a reação de Obama na coletiva da
Casa Branca e a resposta firme, educada, mas muito pertinente, de Marieta
Severo a um comentário de Faustão no programa de domingo.
Ouvindo
uma versão tropical do discurso típico de um país "que não conhece o seu
lugar", Marieta reagiu: "Estamos numa crise mas vamos sair
dela." Sem nenhuma agressividade, mas com a firmeza de quem não tem
disposição para servir de escada para discursos apocalípticos sobre o Brasil, a
atriz prosseguiu: "eu sou sempre otimista". O país caminhou muito.
Pra mim, tem uma coisa muito importante: a inclusão social, a luta contra a
desigualdade. A gente teve muito isso nos últimos anos."
Pode-se
dizer, assim, que nos últimos dias ocorreu uma situação fantástica e
inesperada. De pontos tão distantes do planeta e do universo das ideias
políticas de nosso tempo, personalidades tão diferentes e mesmo opostas pela
visão de futuro, Barack Obama e Marieta Severo mandaram dizer que discordam do
discurso de fim de mundo que se tornou a melodia base da Globo, alimentando
tanto programas de entretenimento como o jornalismo.
Engraçado,
não?
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