Perseguição do MP a Lula - Quer entender o que nos espera daqui para a frente?
É conveniente evitar
toda ilusão com a investigação aberta pelo Conselho Nacional do Ministério
Público em torno de Valtan Timbó, o procurador que decidiu iniciar um
Procedimento Investigatório Criminal contra Luiz Inácio Lula da Silva a partir
da acusação de "tráfico de influência internacional."
A
medida contra Valtan tem um efeito disciplinador.
Será
útil se for capaz de esclarecer aos brasileiros por que um procurador que nada
tinha a ver com o caso decidiu interferir numa apuração já em andamento,
que cumpria seus prazos, sob cuidados de uma procuradora já escolhida, Mirella
Aguiar. É possível que se possa explicar por que um procurador, que responde a
254 acusações de negligência, decidiu envolver-se num caso contra um
ex-presidente da República.
Apesar
da decisão disciplinar, que pode ter consequências para Valtan, do ponto de
vista de Lula o serviço já foi feito.
O
Procedimento Investigatório já foi aberto e não pode ser desfeito de uma hora
para outra.
Será
preciso que a própria Mirella Aguiar, a quem o caso já foi devolvido, chegue à
conclusão de que não cabe levar o Procedimento adiante e pedir seu
arquivamento. Ela já disse que tudo se baseia em "parcos elementos
desprovidos de suporte probatório." Tradução: não há provas para sustentar
o que se diz contra Lula.
Depois
disso, ela solicitou ao Instituto Lula que ofereça um calhamaço de informações
que pessoas familiarizadas com investigações de alto teor político comparam a
uma devassa. Mesmo assim, não será preciso encontrar nada muito consistente.
Basta uma dúvida para o caso continuar.
Pelas
regras do Ministério Público, um procurador pode decidir, sozinho, se vai levar
um caso em frente, pedindo um indiciamento do acusado. Para mandar arquivar, no
entanto, é mais trabalhoso. Mesmo que Mirella tenha concluído pelo
arquivamento, será preciso aprovação da Câmara do Ministério Público.
É
uma regra oposta à noção "em dúvida, pró réu", que vigora nos
julgamentos e faz parte das garantias individuais de todo país civilizado.
Aqui,
vale uma regra chamada "em dúvida, pró sociedade." O
pressuposto desta visão é que as investigações são sempre úteis a um país, e
por isso só devem ser arquivadas após muito debate e questionamento. Parece
óbvio mas não é.
Se
a maioria das investigações cumpre a função social de prestar contas à
sociedade sobre crimes ocorridos, uma investigação pode se transformar em
perseguição, especialmente quando envolve personagem politicamente delicados,
onde a motivação política de investigadores pode estar à flor da pele.
Qual
o sentido de prosseguir uma investigação com base em "parcos elementos
desprovidos de suporte probatório?" Criar uma dúvida. Basta isso.
Através
da dúvida, forma-se um caldo de cultura em torno da investigação que torna
difícil qualquer iniciativa para reconhecer "parcos elementos" e
encerrar o caso, mesmo que se saiba que é a decisão mais adequada a se tomar.
O
importante é manter o clima do "aí tem coisa," mesmo que se evite
dizer que coisa é essa, sem a qual não se pode acusar ninguém.
Vamos
combinar: uma denúncia que nasceu nas páginas da Época está destinada a ser
monitorada cuidadosamente pelos meios de comunicação em cada detalhe. O
objetivo é constranger os juízes que, nas várias instâncias, serão chamados a
dar um veredito sobre o caso.
Nos
Estados Unidos, informações sobre um inquérito criminal não podem ser
veiculadas por jornais nem pela TV. Isso provoca -- obrigatoriamente -- a
anulação do julgamento.
Vale
a convicção de que a mídia tem o poder de influenciar os cidadãos comuns que
irão compor o júri. Por isso, eles devem ser protegidos. No Brasil, país onde o
júri popular é uma ocorrência rara, vigora a visão -- ingênua, na minha opinião
-- de que os juízes que deliberam sobre um caso estão acima daquilo que os
jornais dizem e a TV mostra. Por isso, os vazamentos podem ser tolerados e
estimulados. Alguém acredita nisso depois das cenas inesquecíveis da AP 470 e
da glorificação precoce de Sérgio Moro, herói de um julgamento que nem
terminou?
Outro
pressuposto é que o Ministério Público é a instituição que neste caso faz o
papel de sociedade. Você pode achar estranho, porque, embora o Brasil seja um
país onde os poderes emanam do povo, como ensina a Constituição, nunca votou
para escolher esse representante.
Mas
o Ministério Público tem atuado desta forma desde a Constituição de 1988, que
garantiu sua autonomia funcional, após um esforço organizado de pressão sobre
os parlamentares que, conforme recorda o professor de Direito Marcelo
Figueiredo, da PUC de São Paulo, só ficou atrás de militares, banqueiros e da
bancada ruralista. Estes poderes foram reforçados em maio, quando o
Supremo Tribunal Federal aprovou, por 7 votos a 4, que o Ministério Público tem
poderes de fazer uma investigação criminal -- desse tipo mesmo, que se pretende
abrir contra Lula.
Até
então, juristas que ajudaram a elaborar a Constituição, como o professor José
Afonso da Silva, classificavam as tentativas dos procuradores de assumir
investigações criminais como "um desvio de função, uma fraude contra uma
Constituição que não lhe confere tal poder." A situação se modificou, como
se compreende pelo voto do ministro Marco Aurelio Mello, que ficou com a
minoria, contra a mudança, apontando uma distorção elementar na decisão:
"é inverter a ordem natural das coisas. Quem surge como responsável pelo
controle não pode exercer atividade controlada. O desenho constitucional
relativo ao Ministério Público na seara penal pauta-se na atividade de controle
externo da polícia. Deve ser tutor das garantias constitucionais."
É
nesse ambiente, em que se "inverte a ordem natural das coisas",
que o andamento da possível investigação sobre Lula será resolvido. Para manter
o caso ativo, basta uma dúvida. Você entendeu o que nos espera daqui para a
frente, não?
Comentários
Postar um comentário
comentário no blogspot