A insustentável leviandade do impeachment
Dilma Rousseff com operários do Terminal de Grãos do Maranhão, na quarta-feira 10
por Ricardo Palacios - na Carta Capital
A naturalização das alternativas não democráticas cogitadas pela oposição é um grave dano ao País
Ultimamente
permanecia em estado de contínuo espanto cada vez que lia os jornais, acessava
as redes sociais, ficava sabendo de declarações de pessoas ilustres e entidades
conceituadas ou simplesmente escutava conversas sobre como terminar antecipadamente o mandado presidencial consagrado na Constituição. Via que
mais e mais pessoas ao meu redor estavam falando sobre o tema como fato prestes a acontecer. Mas eu me
recusava a comentar sobre o assunto como se fosse algo corriqueiro. Desculpem,
não estou acostumado.
Lembro que quando era criança e o candidato das preferências
de meu pai perdia uma eleição, ele falava que só restava torcer para que o
ganhador fizesse um bom governo. Afinal, ia capitanear o barco em que estávamos
todos durante os próximos quatro anos. De jeito algum isso significava que
abrisse mão de seu direito de criticar o governo, mas, como homem pragmático
criado no campo, sabia que os erros e acertos de quem liderasse o governo o
afetariam.
Em meio às não poucas perturbações que têm sofrido meu país
natal, a Colômbia, só houve duas constituições desde 1886 e durante esse tempo
só houve um breve governo militar de quatro anos. Esse período foi a
interrupção mais prolongada de eleições presidenciais desde 1833.
Nesses mais de 180 anos de ciclos eleitorais quase
ininterruptos, a Colômbia padeceu de guerras civis e externas, perdas de
território, desastres naturais, guerrilhas, confronto com poderosos
narcotraficantes além das mazelas da corrupção e da pequena política. Com
exceção da renúncia de um presidente em 1921 e a situação irregular que levou
ao governo militar em 1953, todos os presidentes terminaram seu período
presidencial conforme a norma constitucional vigente.
Acredito que parte da fortaleza da Colômbia para não
sucumbir perante tantas adversidades está relacionada com esse respeito
arraigado pela institucionalidade, pelas regras do jogo. Ou em outras palavras,
respeito pelo Estado de Direito.
Um dos indicadores da estabilidade institucional da Colômbia
é sua moeda. O peso colombiano não mudou de nome nem teve corte de zeros desde
1903, após uma grande guerra civil. A denominação monetária que usaram meus
bisavôs é a mesma de curso corrente hoje. Só por analogia, no mesmo período
Brasil já passou por oito redenominações monetárias e já foram cortados
muitíssimos zeros. Sem falar das interrupções na continuidade
democrática.
Por isso não estou acostumado a falar levianamente de
terminação antecipada de períodos presidenciais. Não acho que presidentes sejam
como técnicos de futebol, que a torcida pede para trocar quando perde três
jogos. Os mecanismos extraordinários de afastamento presidencial devem
continuar a ser excepcionais se queremos fortalecer o país institucionalmente
para resistir às crises.
Me recuso a usar o anglicismo impeachment para esconder o que estava
acontecendo. Estávamos presenciando uma “caça ao tesouro” à procura de crimes
de responsabilidade para iniciar uma acusação contra a presidenta. Não parecia
outra coisa senão uma farsa a grande escala da tragédia
que fabricaram contra o presidente Fernando Lugo no Paraguai. Esse
não é o caminho de uma oposição responsável.
Diferentemente do que acreditam alguns, não é o governo que
está se “venezualizando”, mas a oposição que leva doze anos sem se constituir
como uma verdadeira alternativa de poder para a seguinte eleição e agora faz
flertes com alternativas não democráticas. A naturalização dessas alternativas,
mesmo disfarçadas com o supracitado anglicismo, é um dos maiores danos que
esses segmentos políticos estão causando ao País.
Mas o maior desserviço de todos nesse processo tem sido
prestado pela grande imprensa ao ecoar e amplificar alternativas excepcionais
como próximas e possíveis dentro da imaginação da população. A discussão
extemporânea de cenários contando como certo o término antecipado, de qualquer
forma, da mandatária legitimamente eleita, tem colaborado para fragilizar mais
a institucionalidade da ainda fraca democracia brasileira.
Mas em meio de tudo, há uma luz no caminho. Pelo dito pela família Marinho do Grupo Globo, na Casa Grande
chegaram à mesma conclusão da lógica camponesa de meu pai: estamos todos no
mesmo barco. Ficar sem um legítimo capitão só leva o Brasil a navegar
erraticamente por águas incertas e isso não faz bem para quem está a bordo.
Acho que eles perceberam que instabilidade institucional não combina com
negócios.
De um dia para outro, os que apregoavam o dito impeachment ficaram como carpideiras sem morto.
Alguns que não se terminam de resignar agora pregam por uma improvável renúncia
presidencial. Mais valeria que se resignassem de vez e se preparassem para
2018.
Recusar-me
a considerar como razoáveis as ações inconscientes propostas contra o mandado
das urnas não impede que possa debater as ações de governo. A avaliação crítica
dessas ações faz parte de nosso exercício democrático. Até porque os
mandatários não são eleitos simplesmente para cumprir um programa, mas também
para lidar com a contingência de fatos imprevistos.
E podem ser questionados em ambos os sentidos. Inclusive,
acho muito válido pedir a saída de ministros que fracassam na execução de
políticas ou na forma de lidar com as crises. Certa vez escutei que ministros
eram como fusíveis. Deviam ser os que se queimam e trocam para proteger a
instituição da presidência. Isso é algo sobre o qual deveríamos conversar mais
e questiono se não estamos na hora de trocarmos alguns fusíveis.
Ricardo Palacios é médico, brasileiro naturalizado e estuda
Ciências Sociais na Universidade de São Paulo. As opiniões expressadas neste
artigo não representam a posição de instituição alguma
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