O Apocalipse do Átomo - Para a máxima glória de Washington, Nagasaki seria a próxima vítima
Nagasaki, arrasada em 9 de Agosto de 1945. Explosão das duas bombas
atômicas, quando Japão já estava vencido teve motivação geopolítica: EUA temiam
influência da União Soviética no pós-guerra
Setenta anos
após Hiroshima e Nagasaki, uma balanço: Japão já estava batido; bomba visou
apenas afirmar supremacia global dos Estados Unidos
Por Gar Alperovitz, no The Nation | Tradução: Inês Castilho
Os visitantes do Museu Nacional do Ar e do Espaço – santuário
dos Estados Unidos para a vanguarda tecnológica do complexo industrial militar
– ouvem uma narrativa familiar dos guias turísticos, diante do Enola Gay –
avião que jogou uma arma atômica sobre os civis de Hiroshima há exatos 70 anos.
A bomba foi lançada, dizem eles, para salvar a vida de milhares de
norte-americanos que, de outro modo, teriam sido mortos na invasão do
arquipélago japonês. Hiroshima e Nagasaki foram em grande parte destruídas e as
vidas de 185 mil a 300 mil pessoas – a maioria mulheres, crianças e idosos
japoneses (os homens jovens estavam na guerra) – foram sacrificadas como
resultado de um cálculo terrível, mas moralmente justo, que visava levar ao fim
uma guerra insuportável.
Essa história pode
aplacar a consciência do visitante do museu, mas é em grande parte um mito,
inventado para sustentar nossas memórias da “boa” guerra. Os principais
generais e almirantes que comandavam a II Guerra Mundial geralmente sabiam
mais. Tome a pequena e pouco notada placa do Museu Nacional da Marinha dos EUA
que acompanha a réplica da “Little Boy”, bomba despejada em Hiroshima. Em seu
único parágrafo, fica claro que “assessores políticos” de Truman prevaleceram
sobre os militares ao determinar como a guerra no Japão seria concluída. Além
disso, ao contrário do mito popular sobre os poderes quase mágicos da bomba
atômica para acabar com a guerra, a explicação do Museu da Marinha sobre a
história indica claramente que “a vasta destruição causada pelos bombardeios de
Hiroshima e Nagasaki e a perda de 185 mil vidas em questão de fração de segundo, tiveram pouco impacto sobre os
militares japoneses.”
Seria, aliás, surpreendente se tivessem: a despeito do terrível
poder concentrado das armas atômicas, o bombardeio de Tóquio – antes, em 1945 –
e a destruição de numerosas cidades japonesas pelas bombas convencionais
mataram muito mais gente. O Museu da Marinha reconhece o que muitos
historiadores sabem há tempo: foi somente com a entrada na guerra do Exército
Vermelho da União Soviética, dois dias depois do bombardeio de Hiroshima, que
os japoneses foram finalmente levados à rendição. O Japão estava acostumado a
perder cidades para os bombardeios norte-americanos; o que seus líderes
militares mais temiam era a total destruição militar do país por uma ofensiva
do Exército Vermelho.
Os mais altos líderes norte-americanos que lutaram na II Guerra
Mundial, para surpresa das muitas pessoas que desconhecem os registros
históricos, foram bastante claros ao dizer que a bomba atômica era
desnecessária, que o Japão estava prestes a se render e – para muitos – que era
imoral a morte de um enorme número de civis. A maioria era de conservadores,
não liberais. O almirante William Leahy, chefe do staf do presidente Truman,
escreveu em suas memórias Eu
Estava Lá (I Was There), de
1950, que “o uso desse armamento bárbaro em Hiroshima e Nagasaki não tinha
serventia material em nossa guerra contra o Japão. Os japoneses já estavam
derrotados e prontos para se render… ao sermos os primeiros a usá-lo, nós …
adotamos um padrão ético comum aos bárbaros da Idade das Trevas. Eu não fui
ensinado a fazer a guerra dessa maneira, e as guerras não podem ser vencidas
destruindo mulheres e crianças”.
O general-comandante da
Força Aérea Militar dos EUA, Henry “Hap” Arnold, deu fortes sinais de sua
análise numa declaração pública, apenas onze dias depois de Hiroshima ser
atacada. Diante da pergunta do New
York Times, em 17 de agosto, sobre se a bomba atômica provocou a rendição
do Japão, Arnold disse que “a derrota japonesa era irreversível antes mesmo de
cair a primeira bomba atômica, porque os japoneses perderam o controle de seu
próprio espaço aéreo.”
O almirante de esquadra
Chester Nimitz, comandante em chefe da frota do Pacífico, falou em
pronunciamento público no Monumento de Washington, dois meses depois do
bombardeio, que “a bomba atômica não teve papel decisivo na derrota do Japão,
de um ponto de vista puramente militar…” O almirante William”Bull” Halsey Jr.,
comandante da Terceira Frota dos EUA, afirmou publicamente, em 1946, que “a
primeira bomba atômica era um experimento desnecessário… Foi um erro tê-la
lançado… [os cientistas] tinham esse brinquedo e queriam testá-lo, então a
jogaram…”
O general Dwight
Eisenhower, por sua vez, declarou em suas memórias que, quando foi notificado
pelo Secretário da Guerra Henry Stimson sobre a decisão de usar armas atômicas,
“expressei a ele minhas graves apreensões, primeiro com base na convicção de
que o Japão já estava derrotado e o lançamento da bomba era completamente
desnecessário, e segundo porque pensei que nosso país devia evitar chocar o a
opinião pública mundial pelo uso de uma arma cujo emprego já não era, pensava
eu, obrigatório como medida para salvar vidas americanas … ” Mais tarde ele
declarou publicamente: ”… não era necessário atingi-los com aquela coisa
horrível.” Mesmo o famoso “falcão” general Curtis Le May, chefe do 21º Comando
de Bombardeiros, foi a público no mês seguinte a Hiroshima e Nagasaki, dizendo
à imprensa que “a bomba atômica não teve absolutamente nada a ver com o fim da
guerra.”
Os registros são bem
claros: da perspectiva de um número esmagador de importantes líderes das forças
armadas dos EUA à época, o lançamento de bombas atômicas sobre Hiroshima e
Nagasaki não era uma questão de necessidade militar. A inteligência
norte-americana já tinha quebrado os códigos japoneses e sabia que o governo
japonês estava tentando negociar a rendição via Moscou. Há muito já havia
aconselhado que a esperada declaração de guerra russa, no início de agosto,
junto com a garantia de que o imperador do Japão seria autorizado a permanecer
como uma figura impotente, traria a rendição muito antes que o primeiro passo
da invasão de novembro dos EUA, três meses mais tarde, pudesse ser dado.
Os historiadores ainda
não têm uma resposta definitiva de por que razão a bomba foi usada. Como a
inteligência norte-americana avaliou que a guerra provavelmente terminaria, se
fossem dadas ao Japão garantias com relação ao imperador – e dado que os
militares norte-americanos sabiam que teriam de manter o imperador para ajudar
a controlar o Japão ocupado, em qualquer circunstância – uma outro fator
parece, claramente, ter sido decisivo.
Sabemos que alguns dos
conselheiros mais próximos do presidente Truman viam a bomba como arma
diplomática, e não simplesmente militar. O secretário de Estado James Byrnes,
por exemplo, acreditava que o uso de armas atômicas ajudaria os Estados Unidos
a dominar mais fortemente a era pós-guerra. De acordo com o cientista do
Projeto Manhattan Leo Szilard, que esteve com ele em 28 de maio de 1945,
“[Byrnes] estava preocupado com o comportamento da Rússia no pós-guerra… [e
pensou] que a Rússia poderia ser mais manejável se fosse impressionada pelo
poderio militar norte-americano, e que uma demonstração da bomba podia impressionar
a Rússia. ”
A História raramente é
simples, e confrontá-la de frente, com honestidade crítica, é frequentemente
muito doloroso. Mitos — não importa o quão simplistas ou flagrantemente falsos
— podem em geral ser adotados com muito mais facilidade que verdades
inquietantes e inconvenientes. Mesmo agora, por exemplo, vemos como é difícil
para o cidadão médio dos EUA chegar a um acordo com o registro brutal da
escravidão e da supremacia branca que jaz sob a história do país. É provável
que refazer o entendimento popular do “bom” ato que encerrou a II Guerra seja
igualmente difícil. Mas, se a bandeira dos confederados pode ser retirada na
Carolina do Sul, talvez os EUA possam um dia começar a se fazer perguntas mais
difíceis sobre a natureza do poder global dos Estados Unidos; e sobre o que é
verdadeiro e o que é falso a respeito do motivo real pelo qual Washington
despejou a bomba atômica sobre o Japão.
Um horror. Que isso não se repita nunca mais. É uma pena a educação do oriente médio não conhecer dessa história, hoje são eles que sofrem do terror, causado pela pura e simples ignorância.
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