O ENIGMA CHAMADO LULA
Por Emir Sader
Lula é um enigma, que não é fácil de ser decifrado. Os
que não conseguem fazê-lo, são devorados por ele. Foi o que aconteceu com a
direita e com a ultra esquerda brasileiras.
Mais além
das sua extraordinária biografia – com que nos acostumamos, mas que associa um
caráter épico de sobrevivência das famílias pobres do Brasil, com a
combatividade do Lula para se projetar como líder politico incomparável -, ele
soube, como ninguém, intuitivamente, decifrar as condições contraditórias que
ele herdava da era neoliberal e construir um modelo econômico e político que
tornou possível a maior transformação social do pais que era o mais desigual, do
continente mais desigual.
Mas que
enigma é esse? É o da capacidade de construir alternativa ao neoliberalismo em
tempos de absoluta hegemonia neoliberal, em escala mundial, regional e local.
Lula soube traduzir a posição histórica do PT – a prioridade do social -, em
políticas concretas, para o que teve que construir o esquema político que
viabilizasse um governo com essa prioridade, em condições em que não tinha
maioria no Congresso e a esquerda não era maioria no país. Soube construir uma
aliança com setores do empresariado, para possibilitar a superação da longa e
profunda recessão herdada do governo de FHC.
Lula
soube localizar, antes de tudo, as dificuldades deixadas pelo neoliberalismo.
Não apenas a recessão econômica, a desarticulação do Estado, a abertura da
economia, a desindustrialização, o peso do agronegócio, a precarização das
relações de trabalho, uma política externa de subordinação absoluta aos EUA.
Mas também que haveriam de ser mantidos, como o controle da inflação.
Por isso
Lula combinou um ajuste das contas publicas com a promoção das políticas
sociais como a centralidade da ação do seu governo. Os que só olharam para o
primeiro aspecto, ficaram na denúncia da “traição” de Lula – a ultra esquerda –
ou de seu fracasso – a direita.
Lula
articulou um ajuste com a promoção das politicas sociais – de combate à fome na
sua primeira fase. Quando a direita e a ultra esquerda se uniram numa campanha
de denuncias na mídia com acusações no Congresso, acreditavam que tinham
derrotado o Lula – não se atreveram a tentar o impeachment com medo da reação
popular -, mas tentaram sangrar seu governo até derrota-lo nas eleições de 2006
– os efeitos das políticas sociais começavam a se fazer sentir. Lula os
derrotou e conseguiu sua reeleição, apoiado na prioridade das políticas sociais.
Combinando
a centralidade das politicas sociais, o papel ativo do Estado como indutor do
crescimento econômico e a prioridade dos processos de integracão regional e dos
intercâmbios Sul-Sul, Lula conseguiu reverter o essencial da herança maldita
que ele tinha recebido de 10 anos de neoliberalismo no Brasil: superar a
recessão economica e articular o crescimento economico com a distribuição de
renda.
Essa é a
chave do enigma Lula – a construção de alternativas de saída do modelo
neoliberal, mesmo com a herança recebida, mesmo em um marco internacional com
hegemonia neoliberal. Lula agiu pela ação nos elos de menos resistência da
hegemonia neoliberal. Por isso a direita foi derrotada sucessivamente em quatro
eleições, por isso a ultra esquerda fracassou sem construir uma alternativa
própria, a opção contra os governos iniciados por Lula seguem – no Brasil, como
nos outros países com governos progressistas – na direita.
Por isso
também Lula mencionou recentemente sua disposição de lutar por um novo mandato
presidencial em 2018. Mas desta vez não bastará a menção dos inquestionáveis
sucessos das políticas dos governos desde 2003, será necessário propor um novo
programa ao país, com o Brasil que queremos, em todos os planos, e construir as
alianças políticas, sociais e econômicas que viabilizem esse novo projeto.
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