DALLARI: TSE NÃO PODE CASSAR MANDATO DE DILMA
Parecer elaborado por Dalmo de Abreu Dallari, um dos maiores juristas do
País, sustenta que o Tribunal Superior Eleitoral não tem competência para
decidir sobre uma eventual cassação do mandato da presidente Dilma Rousseff,
conforme previsto na Constituição; investigação foi aberta ontem pelo TSE,
atendendo a uma ação apresentada pelo PSDB; o jurista também discorre
sobre o fato de um presidente da República não poder ser responsabilizado por
fato cometido no mandato anterior e ressalta ainda que é preciso configurar
um ato concreto contra o chefe do Executivo para enquadramento em crime de
responsabilidade; segundo ele, eventuais omissões, portanto, não são
suficientes para dar sustentação à abertura de um processo de impeachment;
confira a íntegra do documento:
A Constituição Federal
prevê que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não tem competência para decidir
sobre eventual cassação do mandato de um presidente da República, sustenta
Dalmo de Abreu Dallari, um dos maiores juristas do País.
Seu
posicionamento consta em parecer jurídico elaborado a pedido do advogado Flávio
Crocce Caetano, responsável pela defesa da chapa da presidente Dilma Rousseff e
do vice, Michel Temer, na candidatura de 2014.
O
TSE reabriu ontem ação apresentada pelo PSDB que pede a impugnação da chapa de
Dilma e Temer por suspeita de recebimento de recursos provenientes de corrupção
durante a campanha. O tribunal decidiu dar sequência à investigação.
Conforme
aponta Dallari, o artigo 85 da Constituição "dispõe, especificamente,
sobre as hipóteses de cassação do mandato do Presidente da República e ali não
se dá competência ao Tribunal Superior Eleitoral para decidir sobre a
cassação".
Em
outro ponto do documento, o jurista ressalta, com base no artigo 86, parágrafo
4º, da Constituição, que um presidente não pode ser responsabilizado por fatos
ocorridos em outros mandatos, ou seja, não se aplicam atos "que não tenham
sido praticados no exercício do mandato corrente".
Dallari
aponta ainda que, para haver a cassação do mandato de um presidente da República,
é preciso configurar um ato concreto para enquadramento em crime de
responsabilidade. Eventuais omissões, segundo ele, não são suficientes para
configuração de crime e, portanto, dar sustentação constitucional à abertura de
um processo de impeachment.
Leia
abaixo a íntegra do parecer do jurista:
Opinião Jurídica
Tendo
em conta a pretensão de proposição do "impeachment" da Presidente
Dilma Rousseff, manifestada por vários militantes políticos, apoiando-se, em
alguns casos, em pareceres de juristas, foram-me dirigidas perguntas relativas
ao tema, que passo a responder.
Desde
logo, entretanto, ressalto que a matéria é expressamente normatizada no texto
da Constituição brasileira vigente, que, conforme o ensinamento do eminente
mestre José Joaquim Canotilho, é "norma superior e vinculante",
condicionando todas as intepretações e aplicações dos preceitos jurídicos
brasileiros.
1
– Em primeiro lugar, quanto à responsabilidade, pergunta-se qual o alcance do
artigo 86, parágrafo 4o, da Constituição Federal. Indaga-se, especificamente,
se para fins de eventual responsabilização por impedimento, em hipótese, se
reeleição presidencial, pode-se cogitar de continuidade de mandato ou são
mandatos autônomos. Em síntese, a indagação é se pode haver responsabilização
no segundo mandato por conduta eventualmente ocorrida em mandato anterior.
O
artigo 86, parágrafo 4o, da Constituição, tem redação muito clara quando
dispõe: "o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode
ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções". Aí
está mais do óbvio que a intenção do legislador constituinte foi excluir a
hipótese de responsabilização do Presidente por atos que não tenham sido
praticados no exercício do mandato corrente, ou seja, na vigência do mandato
que esteja exercendo. Assim, pois, a eventual circunstância de o Presidente já
ter exercido mandato anterior não tem qualquer relevância para a correta
aplicação do preceito do parágrafo 4o. O que importa, exclusivamente, é que o
ato questionado tenha sido praticado durante a vigência do mandato corrente, ou
seja, como estabelece a Constituição, durante a vigência de seu mandato. Se a
mesma pessoa tiver exercido mandato anteriormente trata-se de outro Presidente
e outro mandato e não do mandato vigente.
Em
conclusão, não pode haver responsabilização no segundo mandato por conduta
eventualmente ocorrida em mandato anterior.
2
– Pergunta-se em seguida se, tendo em conta o disposto no artigo 86,
"caput", da Constituição, poder-se-ia admitir que o plenário da
Câmara dos Deputados, por maioria simples, acolhe-se recurso contra a decisão
de arquivamento de denúncia, do Presidente da Casa. Indaga-se, também, se no
caso de acusação da prática de eventual crime de responsabilidade o Presidente
da República poderá responder tanto por conduta comissiva quanto omissiva e se
o Presidente pode ser responsabilizado apenas por modalidade dolosa ou também
por culposa.
Em
primeiro lugar, quanto à possibilidade de decisão por maioria simples da Câmara
dos Deputados contrário ao arquivamento da denúncia a resposta é que, nos
termos expressos do referido artigo 86, "caput", as decisões
admitindo a acusação devem ser adotadas por dos terços dos membros da Câmara,
devendo, portanto, ser exigido o mesmo quorum qualificado para eventual recurso
contra o arquivamento.
O
segundo ponto é referente à possibilidade de responsabilização do Presidente da
República por modalidade culposa. Isso foi suscitado porque houve quem emitisse
parecer afirmando que a omissão do Presidente também daria base para o
enquadramento por crime de responsabilidade. Para responder a esse ponto basta
a leitura atenta e desapaixonada do artigo 84 da Constituição, no qual está
expresso e claro que são crimes "os atos" do Presidente. Assim, para
que se caracterize o crime é indispensável a intenção, a prática de um ato que
configure um crime. Não havendo esse ato, essa intenção expressamente
manifestada, não se caracteriza o crime.
3
– Por último, pergunta-se se o Presidente da República e seu Vice-Presidente
podem ter o mandato cassado por decisão do Tribunal Superior Eleitoral em ação
de impugnação de mandato eletivo, ao arrepio dos artigos 85 e seguintes da
Constituição.
Na
realidade, a pergunta já contém a resposta, pois o artigo 85 da Constituição
dispõe, especificamente, sobre as hipóteses de cassação do mandato do
Presidente da República e ali não se dá competência ao Tribunal Superior
Eleitoral para decidir sobre a cassação. Além disso, é oportuno lembrar, ainda,
o disposto no parágrafo 4º do artigo 86 da Constituição, que é absolutamente
claro quando dispõe que "O Presidente da República, na vigência de seu
mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas
funções".
Em
complemento a isso, indaga-se também se a ação de investigação judicial
eleitoral e a representação prevista no artigo 30-A da Lei nº 9504/97 podem
ensejar a cassação dos mandatos do Presidente e do Vice-Presidente da
República. A resposta, sem a mínima dúvida, é não. E para eliminar qualquer
tentativa de simulação de fundamentação jurídica basta reproduzir aqui o que
dispõe expressamente o artigo 14, parágrafo 10º, da Constituição: "O
mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de
quinze dias contados da diplomação , instruída a ação com provas de abuso do
poder econômico, corrupção ou fraude".
São
essas, portanto, as respostas às questões formuladas, que tomaram por base,
sobretudo, o que dispõe a Constituição, "norma superior e
vinculante", e que se orientaram por critérios essencialmente jurídicos.
Esse
é o meu parecer.
São
Paulo, 28 de setembro de 2015
Prof.
Dr. Dalmo de Abreu Dallari
Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Advogado
– OAB/SP 12.589
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