MORO, SOBRE VAZAMENTOS SELETIVOS: PROVOCA "LESÃO INDEVIDA À HONRA DO INVESTIGADO OU ACUSADO", MAS É APENAS UM DANO COLATERAL MENOR.
O juiz Sergio Moro inspirou-se na Operação Mãos Limpas, da Itália, para comandar a Lava Jato
O
vazamento torrencial de depoimentos, a marcação cerrada sobre Lula, o pacto
incondicional com os grupos de mídia, a prisão de suspeitos até que aceitem a
delação premiada, essas e demais práticas adotadas pela Operação Lava Jato
estavam previstas em artigo de 2004 do juiz Sérgio Moro, analisando o sucesso
da Operação Mãos Limpas (ou mani pulite) na Itália.
O paper Considerações sobre a operação
Mani Pulite, de autoria de Moro é o melhor preâmbulo até agora escrito para
a Operação Lava Jato. E serviu de base para a estratégia montada.
Em
sete páginas, Moro analisa a operação Mãos Limpas na Itália e, a partir dai,
escreve um verdadeiro manual de como montar operação similar no Brasil,
valendo-se da experiência acumulada pelos juízes italianos.
As
metas perseguidas
Na abertura, entusiasma-se com os números grandiosos da Mãos
Limpas: "Dois anos após, 2.993 mandados de prisão haviam sido expedidos;
6.059 pessoas estavam sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978
administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido
primeiros-ministros".
Admite os efeitos colaterais: dez suicídios de suspeitos,
vários assassinatos de reputação cometidos na pressa em divulgar as informações
e, principalmente, a ascensão de Silvio Berlusconi ao poder.
Mas mostra as vantagens, no súbito barateamento das obras
públicas italianas depois da Operação. Principalmente, chama sua atenção as
possibilidades e limites da ação judiciária frente à corrupção nas democracias
contemporâneas.
A lógica política da Mãos Limpas
A lição extraída por Moro é que existe um sistema de poder a
ser combatido, que é a política tradicional, com todos seus vícios e
influências sobre o sistema judicial, especialmente sobre os tribunais
superiores.
O sistema impede a punição dos políticos e dos agentes
públicos corruptos, devido aos obstáculos políticos e “à carga de prova exigida
para alcançar a condenação em processo criminal”.
O caminho então é o que ele chama de democracia – que ele
entende como uma espécie de linha direta com a “opinião pública esclarecida”,
ou seja, a opinião difundida pelos grandes veículos de imprensa, dando um
by-pass nos sistemas formais.
“É a opinião pública esclarecida que pode, pelos meios
institucionais próprios, atacar as causas estruturais da corrupção. Ademais, a
punição judicial de agentes públicos corruptos é sempre difícil (...). Nessa
perspectiva, a opinião pública pode constituir um salutar substitutivo, tendo
condições melhores de impor alguma espécie de punição a agentes públicos
corruptos, condenando-os ao ostracismo".
O
jogo consiste, então, em trazer a disputa judicial para o campo da mídia.
Análise de situação
Em
sua opinião, os fatores que tornaram possível a Operação, alguns deles
presentes no Brasil.
1.
Uma conjuntura econômica difícil, aliada aos custos crescentes com a corrupção.
2.
A abertura da economia italiana, com a integração europeia, que abriu o mercado
a empresas estrangeiras.
3.
A perda de legitimidade da classe política com o início das prisões e a
divulgação dos casos de corrupção. Antes disso, a queda do “socialismo real”,
“que levou à deslegitimação de um sistema político corrupto, fundado na
oposição entre regimes democráticos e comunistas”.
4.
A maior legitimação da magistratura graças a um tipo diferente de juiz que
entrou nas décadas de 70 e 80, os “juízes de ataque”, nascido dos ciclos de
protesto.
O uso da mídia
Um dos pontos centrais da estratégia, segundo Moro, consiste
em tirar a legitimidade e a autoridade dos chefes políticos – no caso da “Mãos
Limpas”, Arnaldo Forlani e Bettino Craxi, líderes do DC e do PSI – e dos
centros de poder, “cortando sua capacidade de punir aqueles que quebravam o
pacto do silêncio”. Segundo Moro, o processo de deslegitimação foi essencial
para a própria continuidade da operação mani pulite”
A arma para tal é o
uso da mídia, através da ampla publicidade das ações. Segundo Moro, na Itália
teve “o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento
da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões
e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações
judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o
trabalho dos magistrados”.
Moro admite que a divulgação
indiscriminada de fatos traz o risco de “lesão indevida à honra do investigado
ou acusado”. Mas é apenas um dano colateral menor.
Recomenda cuidado na divulgação dos
fatos, mas “não a proibição abstrata de divulgação, pois a publicidade tem
objetivos legítimos e que não podem ser alcançados por outros meios".
Segundo Moro, “para o desgosto dos
líderes do PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a
investigação da “mani pulite” vazava como uma peneira. Tão logo alguém era
preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no “L’Expresso”, no “La
Republica” e outros jornais e revistas simpatizantes”.
Para ele, apesar da Mãos Limpas não
sugerir aos procuradores que deliberadamente alimentassem a imprensa, “os
vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações
manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva.
Craxi, especialmente, não estava acostumado a ficar na posição humilhante de
ter constantemente de responder às acusações e de ter sua agenda política
definida por outros”.
A delação premiada
Segundo Moro, a estratégia consiste em
manter o suspeito na prisão, espalhar a suspeita de que outros já confessaram e
“levantar a perspectiva de permanência na prisão pelo menos pelo período da
custódia preventiva no caso da manutenção do silêncio ou, vice-versa, de
soltura imediata no caso de uma confissão (uma situação análoga do arquétipo do
famoso “dilema do prisioneiro”)”.
Ou seja, a prisão – e a perspectiva de
liberdade – é peça central para induzir os prisioneiros à delação. Mas há que
se revestir a estratégia de todos os requisitos legais, para "tentar-se
obter do investigado ou do acusado uma confissão ou delação premiada,
evidentemente sem a utilização de qualquer método interrogatório repudiado pelo
Direito. O próprio isolamento do investigado faz-se apenas na medida em que
permitido pela lei”.
Moro deixa claro que o isolamento na
prisão “era necessário para prevenir que suspeitos soubessem da confissão de
outros: dessa forma, acordos da espécie “eu não vou falar se você também não”,
não eram mais uma possibilidade.
O caso Lava Jato
Assim como nas Mãos Limpas, a Lava Jato
procura definir a montagem de um novo centro de poder.
Em sua opinião, o inimigo a ser
combatido é o sistema político tradicional, composto por partidos que estão no
poder, o esquema empresarial que os suporta e o sistema jurídico convencional,
suscetível de pressões.
O novo poder será decorrente da
parceria entre jovens juízes, procuradores, delegados – ou seja, eles próprios
- com o que Moro define como “opinião pública esclarecida” – que vem a ser os
grupos tradicionais de mídia.
Nesse jogo, assim como no xadrez, a
figura a ser tombada é a do Rei adversário. Enquanto o Rei estiver de pé será
difícil romper a coesão do seu grupo, os laços de lealdade, ampliando as
delações premiadas.
Fica claro, para o Grupo de Trabalho da
Lava Jato, que o Bettino Craxi a se mirar, o Rei a ser derrubado, é o
ex-presidente Lula. O vazamento sistemático de informações, sem nenhum filtro,
é peça central dessa estratégia.
No caso da Operação Lava Jato, o alvo maior seria o ex-presidente Lula
Para a operação de guerra da Lava Jato
funcionar, sem nenhum deslize legal – que possa servir de pretexto para sua
anulação - há a necessidade da adesão total do grupo de trabalho e dos aliados
da mídia às teses de Moro.
A
homogeneidade do GT só foi possível graças à atuação do Procurador Geral da
República Rodrigo Janot, que selecionou um a um os procuradores da força
tarefa; e da liberdade conferida à Polícia Federal do Paraná para constituir
seu grupo. O fato de procuradores paranaenses e delegados já orbitarem em torno
do ex-senador Flávio Arns certamente favoreceu a homogeneização. E, obviamente,
a ausencia de José Eduardo Cardozo no Ministério da Justiça.
Para
ganhar a adesão dos grupos de mídia, o pacto tácito incluiu a blindagem dos
políticos aliados. Explica-se por aí a decisão de Janot de isentar Aécio Neves
das denúncias do doleiro Alberto Yousseff, sem que houvesse reclamações do
Grupo de Trabalho.
A
falta de cuidados com o desmonte da cadeia do petróleo também se explica por
aí. Na opinião de Moro e da Lava Jato a corrupção nas obras públicas decorre de
uma economia fechada, preocupada em privilegiar as empresas nacionais. É o que
está por trás das constantes tentativas de avançar sobre o BNDES (Banco
Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) – o similar italiano do BNDES
foi um dos alvos preferenciais da Mãos Limpas.
Croxi e Berlusconi, rei morto e rei posto
No
fundo, o arcabouço institucional brasileiro está sendo redesenhado por um
autêntico Tratado de Yalta, em torno do novo poder que se apresenta: juízes,
procuradores da República e delegados federais associados aos grupos de mídia.
A
grande contribuição à força Lava Jato foi certamente a enorme extensão da
corrupção desvendada. sem paralelo na história recente do país e sem a sutileza
dos movimentos de privatização e dos mercados de juros e câmbio.
A
única coisa que Moro não entendeu – ou talvez tenha entendido – é que a
ascensão de Silvio Berlusconi não foi um acidente de percurso. Foi o rei posto
– a mídia nada virtuosa – sobre os escombros do rei morto – um sistema político
corrupto.
A
ideia de que a mídia é um território neutro, onde se disputam espaços e ideias
é pensamento muito ingênuo para estrategistas tão refinados.
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