SATIAGRAHA E LAVA-JATO: DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS
Na
noite de domingo (18/10), após postar aqui no blog a matéria “Lava Jato: o
polêmico organograma“, um antigo amigo, que conhece os meandros da
Polícia Federal como poucos, mas que prefere ficar no anonimato, comentou:
“Na
época do delegado Paulo Lacerda, que você citou na reportagem, havia um outro
diferencial: o ministro Marcio Thomas Bastos. O Cardozo (referência ao ministro
José Eduardo Cardozo) parece não ter aptidão para liderar. No mais, suas
pertinentes matérias embaraçam os colegas da PF, que não conseguem ou não
querem se explicar. É estranho, dois pesos e duas medidas: no caso Daniel Dantas
a PF provou logo que o delegado Protógenes errou ao vazar dados para a imprensa
e o Cardozo o demitiu”.
A demissão, sobre a qual pouco se
falou, foi publicada no Diário Oficial, na semana passada e é reproduzida no
blog do delegado Protógenes Pinheiro Queiróz como uma espécie de prova, de que
ele foi defenestrado do Departamento de Polícia Federal (DPF) por ter combatido
a corrupção.
Como se sabe, Protógenes ficou
conhecido, a partir de julho de 2008, ao comandar a Operação Satiagraha.
Um trabalho feito em conjunto com o Ministério Público Federal de São Paulo que
culminou com a decretação, pelo juiz Fausto De Sanctis, por duas vezes, da
prisão do banqueiro Daniel Dantas. Em ambas, o poderoso e intocável banqueiro
acabou beneficiado por Habeas Corpus concedido pelo então presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes.
Depois, com o passar do
tempo, toda a Operação foi anulada e acabou resultando na demissão do delegado,
pelo atual ministro, pelo “crime” de vazar informações para a imprensa. No
momento em que ocorre esta punição, torna-se inevitável a comparação com o que
vem ocorrendo na Operação Lava Jato. Não apenas os vazamentos seletivos para a
imprensa ocorrem sem que se levasse a sério qualquer apuração a respeito.
Há ainda, como temos
demonstrado em várias postagens – “Lava
Jato remove lamaçal na PF-PR“; “O grampo da discórdia na Lava Jato“; “Surgem os
áudios da cela de Youssef: são mais de 100 Hs”
– uma série de outras querelas dentro da Superintendência da Polícia
Federal no Paraná que vêem sendo questionadas, internamente e em público, sem
que o DPF ou mesmo o ministro da Justiça, tome alguma providência efetiva. Uma
investigação em torno do grampo na cela do doleiro há muito já deveria ser finalizada,
mas oficialmente a instituição diz que nada pode falar por conta do sigilo.
A Satiagraha foi anulada sem
que houvesse, por exemplo, grampo sem autorização judicial, como tem sido
denunciado no caso da Lava Jato. Tampouco houve acusações a “dissidentes”
dentro da instituição. O que ocorreu sim foi uma perseguição política ao
delegado e sua equipe, inclusive por parte da mídia.
Não se quer que o atual
ministro venha a público fazer promessas vagas ou pronunciamentos vazios, mas,
como disse meu antigo amigo, que ele exerça a liderança iminente ao cargo. Na
época de Marcio Thomaz Bastos, isso nem era preciso, pois ele colocou à frente
do DPF o delegado Paulo Lacerda, que muitos criticam, mas que foi, sem a menor
dúvida, quem fez a Polícia Federal ser o que é hoje. Ou melhor, ser superior à
atual, pois alguns dos seus sucessores entraram ali para modificá-la. Basta
circular entre procuradores da República e os próprios policiais federais que
se constatará a diferença de comportamento da instituição. “A PF acabou”,
desabafou um antigo agente, em uma mensagem.
Cabe lembrar que a primeira
operação policial feita pela equipe de Paulo Lacerda – que contava com um
excelente diretor executivo, o delegado Zulmar Pimentel – ocorreu justamente em
Foz do Iguaçu (PR). Foi a Operação Sucuri. Nela, se desbaratou um esquema de
contrabando na fronteira envolvendo 22 policiais federais, quatro agentes da
Receita, dois patrulheiros da Polícia Rodoviária Federal e 10 outras pessoas.
Foi sintomático. A primeira grande operação era antes de mais nada, um recado
da nova administração do DPF para, principalmente, seu público interno: vai se
cortar na própria carne.
Não se está aqui pedindo
cabeça de ninguém, mas um trabalho sério e isento, dentro das normas legais e
éticas, transparente, sem subterfúgio, na defesa dos resultados da própria
operação policial, seja ela qual for. Engana-se quem pensa que noticiar os
fatos que estão ocorrendo, e tentam ocultar, é que causará a anulação da
Operação, o que ninguém quer que ocorra.
Não se pode esquecer que
a Lava Jato, assim como a Satiagraha mexe com gente poderosa, empresários
com entrada junto ao Poder e aos políticos e, principalmente, pessoas
acostumadas a resolverem seus problemas na base do toma lá dá cá. Por isto,
mais do que nunca, o exemplo daquela operação deve ser visto hoje para se
evitar o mesmo final melancólico de um passado recente.
Que não se use dois
pesos e duas medidas, algo também destacado em um brilhante artigo do colega
Rubens Valente, autor do livro “Operação
Banqueiro“, um minucioso relato da Operação Satiagraha. Mas
que também se evite cometer erros, ou, abafá-los, para não se deixar
brechas para futuros pedidos de anulação do que foi feito, jogando por água
abaixo um trabalho que hoje merece reconhecimento internacional.
Como na Satiagraha, a
Lava Jato envolve gente poderosa, por isso, vale ressaltar o que Valente diz no
seu texto:
“Como sabemos, em 2008,
em decorrência de uma série de decisões do STF e do STJ, o delegado não
conseguiu concluir sua investigação, o juiz De Sanctis não conseguiu julgar o
processo e o Ministério Público Federal não conseguiu terminar sua
investigação. Foram todos impedidos por forças maiores e mais ativas, para
dizer o mínimo. Vejo que agora em 2015, com a saída de Protógenes da PF, quer
se construir a versão de que a Operação Satiagraha não foi levada adiante tão
somente por “problemas” criados pelo próprio “atrapalhado” delegado, que teria
feito “teatrinhos”. Essa teoria simplória configura uma leitura reducionista da
história e uma tentativa de reescrever o passado pelas conveniências do
presente. Como se não houvessem ocorrido dois habeas corpus do STF em tempo
recorde, o factoide de um suposto grampo telefônico que nunca apareceu e as
acusações infundadas e mentirosas sobre o juiz De Sanctis ter mandado
“grampear” o ministro do STF Gilmar Mendes“
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