AÉCIO E FHC CHAFURDAM NA LAMA DA VALE
Pó-pilo e seu guru
Por
Altamiro Borges
O
cambaleante Aécio Neves não tem senso de ridículo - nem diante dos bafômetros
da polícia carioca e nem diante dos holofotes da mídia. Nesta segunda-feira
(16), o grão-tucano utilizou o seu palanque eleitoral na Folha para falar sobre
a tragédia de Marina. Não citou uma única vez o nome da empresa Vale,
privatizada criminosamente no reinado de FHC. Também não falou nada sobre a
generosidade dos governos do PSDB de Minas Gerais com a poderosa corporação
privada. No seu rancor doentio, ele preferiu atacar a presidenta Dilma - o que
reforça a ideia, inclusive de alguns bicudos do ninho, de que o senador precisa
urgentemente ser internado para curar da overdose... de rancor!
Para o
playboy mineiro-carioca, que nunca foi muito chegado ao povo, Dilma errou ao não
visitar de imediato as vítimas da tragédia. Frequentador assíduo das noitadas
cariocas - inclusive com o uso de recursos públicos em suas viagens aéreas -,
ele afirma que a presidenta esqueceu "o simbolismo do cargo que
ocupa". Haja cinismo! Aliado dos ruralistas e das mineradoras, que tanto
aportaram grana em sua campanha, ele garante que o crime em Mariana decorreu
dos problemas ambientais e posa de candidato: "A questão ambiental, com
toda a sua complexidade, precisa tornar-se protagonista na agenda pública. Agir
no presente significa escolher o futuro". Pura bravata demagógica!
O
ex-governador de Minas Gerais e atual presidente do PSDB nem cita o sagrado
nome da Vale, que detém 50% da criminosa mineradora Samarco - a outra metade é
da multinacional anglo-australiana BHP Billiton. A generosidade da empresa, que
"investiu" R$ 22,65 milhões nas campanhas eleitorais do ano passado,
talvez explique esta curiosa lacuna. Aécio Neves também evitar falar sobre a
sinistra privatização da estatal, imposta por seu guru FHC. Em artigo postado
no site Carta Maior, o jornalista Saul Leblon ajuda a refrescar a memória dos
que já se esqueceram da tragédia da privataria:
*****
Referência de sucesso da
privatização tucana, recordista em distribuir dividendos a seus acionistas, a
Vale durante anos só deixou 1% do lucro obtido na mineração de Mariana/MG ao
município. Em compensação, despejou agora 60 bilhões de litros de lama tóxica
no seu entorno, uma lava que viaja pelo Rio Doce para compartilhar com o
Espírito Santo a maior catástrofe ambiental da história brasileira. A
devastação está apenas no começo. A convalescença pode demorar séculos. Esse é
o tempo - advertem geólogos - para que a lama cuspida pela incúria gananciosa
se transforme em solo fértil outra vez. A Vale não vai cuidar do interesse
público nessa longa mutação.
(...)
Numa entrevista famosa em
2009, ao portal da revista Veja, FHC justificou a venda da Vale do Rio Doce -
que tinha em Serra o defensor mais entusiasmado, entregou o ex-presidente -
entre outras razões, ao fato de a segunda maior empresa de minério do mundo ter
se reduzido - na sua douta avaliação - a um cabide empregos estatal, "que
não pagava imposto, nem investia". Filho dileto do ciclo tucano das
grandes alienações públicas, Roger Agnelli - presidente da Vale de 2001 a 2011
- foi durante anos reportado ao país como a personificação da eficiência
privada reconhecida nessa transação. Com ele, graças a ele, e em decorrência da
privatização-símbolo que ele encarnou, a Vale tornou-se uma campeã na
distribuição de lucros a acionistas.
Vedete das Bolsas, com
faturamento turbinado pela demanda chinesa por minério bruto, que o Brasil
depois reimportava, na forma de trilhos, por exemplo, - a única laminação para
esse fim foi desativada pelo governo FHC - a Vale tornou-se o paradigma de
desempenho corporativo aos olhos dos mercados. Um banho de loja assegurado pelo
colunismo econômico, ocultava a face de um negócio rudimentar, um raspa-tacho
do patrimônio mineral alçado à condição de referência exemplar da narrativa
privatista. Agora se vê o mar de lama acumulado por debaixo do veludo. A
'eficiência à la Agnelli' lambuzou o noticiário pró-mercadista durante uma
década de fastígio. Da cobertura econômica à eleitoral, era o argumento vivo a
exorcizar ameaças à hegemonia dos 'livres mercados' pelo lulopopulismo.
Projetos soberanos de
desenvolvimento, como o da área de petróleo, eram fuzilados com a munição
generosa da menina dos olhos do neoliberalismo: a Vale de balancetes nas
nuvens. A política agressiva de distribuição de lucros aos acionistas - na
verdade um rentismo ostensivo, apoiado na lixiviação de recursos existentes,
sem agregar capacidade produtiva ao sistema econômico - punha na Petrobrás o
cabresto do mau exemplo. Era a resiliência estatista nacionalisteira,
evidenciada em planos de investimento encharcados de preocupação
industrializante e 'onerosas' regras de conteúdo local.
A teia de acionistas da Vale,
formada por carteiras gordas de endinheirados, bancos e fundos, com notável
capilaridade midiática, nunca sonegou gratidão . Enquanto o mundo mastigava
avidamente o minério de teor de ferro mais elevado do planeta, a Vale era
incensada a cada balanço, seguido de robustas rodadas de distribuição de lucros
e champanhe. No primeiro soluço da crise mundial, em 2008, a empresa
administrada pela lógica pró-cíclica dos rentistas reagiu como tal e inverteu o
bote: foi a primeira grande empresa a cortar 1.300 trabalhadores em dezembro
daquele ano, exatamente quando o governo Lula tomava medidas contracíclicas na
frente do crédito, do consumo e do investimento.
A Petrobrás não demitiu;
reafirmou seus investimentos no pré-sal, da ordem de US$ 200 bilhões até 2014.
Se a dirigisse um herói dos acionistas, teria rifado o pré-sal na mesma roleta
da Vale: predação imediatista, fastígio dos acionistas e prejuízos para o país.
Em seu último ano na empresa, Agnelli -apoiador confesso da candidatura
derrotada de Serra contra Dilma, em 2010 - distribuiu US$ 4 bi aos acionistas.
Saiu carregado nos ombros da república dos dividendos. Indiferente aos apelos
de Lula, manteve-se até o fim fiel à lógica que o ungiu: recusou-se a investir
US$ 1,5 bi numa laminadora de trilhos que agregasse valor a um naco das quase
300 milhões de toneladas de minério bruto exportadas anualmente pela empresa.
Com a derrota de Serra, o
conselho da Vale destituiu o camafeu ostensivo da coalizão tucanorentista, em
abril de 2011. Agora se sabe que o centurião de alardeada proficiência
administrativa, além de recolher apenas 2% de royalties ao país, nunca
conseguiu reunir recursos para instalar uma simples buzina, que poderia ter
salvo vidas levadas pelo mar de lama que legou ao país, enquanto brindava os
acionistas com bilhões. Estamos diante de um exemplo em ponto pequeno da
desordem global, que à falta de melhor conceito, pode ser batizada de barbárie
de mercado. É rudimentar conceito. Porém é mais encorajador do que dizer apenas
e tristemente ‘somos todos idiotas’.
*****
O texto
de Saul Leblon serve, com perfeição, para desmontar as bravatas de Aécio Neves
na Folha. O tucano, com sua visão privatista e na sua cavalgada golpista, deve
pensar que "somos todos idiotas". Na prática, o cambaleante chafurda
na lama da Vale - a lucrativa e ambiciosa empresa privada que desrespeita a legislação,
matou mais uma dezena de pessoas, contaminou rios e devastou a natureza.
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