A PRISÃO DE CUNHA
Cunha, assustado com a força da nossa democracia.
Lavagem de dinheiro, definiu o STF, é crime
permanente. Eis uma razão para encarcerá-lo.
Por Walter
Maierovitch
Pouca gente sabe,
mas existe uma Escola de Cidadania na esquecida e populosa zona leste da
capital de São Paulo: 3,3 milhões de indivíduos. Está instalada no bairro de
Ermelino Matarazzo, funciona na Igreja de São Francisco e depende do trabalho
do seu fundador, Antonio Luiz Marchione, o popular Padre Ticão.
Neste mês de dezembro participei, com o
arquiteto Ruy Ohtake e a deputada Luíza Erundina, de dois colóquios de fim de
ano. Os formandos e a comunidade ouviram considerações sobre a atuação e o
comportamento ético de Eduardo Cunha, presidente da Câmara, e o impeachment.
Este é um instituto para julgamento
político nascido no Parlamento inglês, em 1376, quando reinava Eduardo III e
diante de acusações de incompetência e corrupção dos seus ministros e da
sua amante Alice Perrers: o impeachment restou
incorporado ao sistema da Common Law.
Para defender a urgência na decretação da prisão cautelar de Cunha, lembrei prever o
nosso ordenamento legal a prisão em flagrante delito e estabelecer o
poder-dever das autoridades em dar voz de prisão, diante de situações
estabelecidas na lei processual penal.
Mais,
frisei o fato de poucos saberem que o nosso Código Penal contempla delitos de consumação
instantânea e crimes permanentes: nos permanentes, o momento consumativo
prolonga-se no tempo, como, por exemplo, na extorsão mediante sequestro. Aí
caberá a prisão em flagrante enquanto a vítima for mantida em cativeiro,
sob domínio do sequestrador.
Importante lembrar, ao tempo do
julgamento do “mensalão”, ter o Supremo Tribunal Federal (STF)
decidido, com relação ao crime de lavagem de dinheiro (e Cunha está sendo
acusado de lavagem de dinheiro), tratar-se de crime permanente.
No particular, o STF desprezou o
entendimento de doutrinadores a sustentar a lavagem de capitais como crime instantâneo
de efeito permanente. Pela atual jurisprudência do STF, o crime de lavagem de
dinheiro se protrai, se alonga no tempo, ou seja, é crime permanente.
No caso Cunha, a consumação
delinquencial se alonga, com ocultação permanente de capitais em contas
correntes. Tudo não declarado no Brasil, com evasão de divisas e dinheiro em
odor de corrupção. Trocado em miúdos, pode-se dar voz de prisão em flagrante a
Cunha.
Como reforço, convém
lembrar o caso Delcídio do Amaral, preso preventivamente,
tendo o ministro relator Teori Zavascki sustentado tratar-se o crime de formação de
organização criminosa, de natureza permanente, e que poderia, até, ensejar
prisão em flagrante.
O mesmo raciocínio empregado pelo
ministro Teori poderia ser adotado pelo procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, numa representação de imposição de prisão preventiva de Cunha.
Uma custódia, aliás, mais do que
necessária, como é público e notório, para garantia da ordem estabelecida,
conveniência da instrução criminal e a fim de se assegurar, no caso de
condenação, a aplicação da lei penal.
Não se deve esquecer, ainda, poder
qualquer cidadão representar ao procurador Janot para avaliar e eventualmente
postular no STF a prisão preventiva de Cunha. Não se aconselha, embora legal,
voz de prisão dada por comum mortal, pois a esperteza de Cunha poderia
transformá-lo em vítima de desacato.
Por outro lado, a presidenta Dilma, é
sabido, não está sendo acusada, ao contrário de Cunha, de corrupção e lavagem
de dinheiro, crimes comuns.
Na
denúncia mandada processar por Cunha, imputa-se contra Dilma autoria de crime
de responsabilidade no exercício das funções presidenciais, por infração à lei
em face de: 1. Créditos suplementares não autorizados pelo Congresso. 2.
Irregularidades na Petrobras, com destaque à aquisição de Pasadena. E 3.
Pedaladas fiscais, mediante adiantamentos realizados por bancos públicos.
Em casos de impeachment, o julgamento do mérito das acusações é político e cabe com
exclusividade ao Senado, vencida a fase de admissibilidade da acusação na
Câmara.
A bem da verdade, gasta-se tinta ao
sustentar a falta de fundamento jurídico para o impeachment sem
se bater à porta do Supremo Tribunal Federal. Em uma situação como a atual,
cabe sim ao STF analisar e decidir sobre ilegalidades e inconstitucionalidades.
A Corte, assim, poderá decidir se as
acusações contra Dilma, em tese, se adequam ou não ao crime de
responsabilidade. E o STF poderá declarar ser inadmissível o impeachment por atos ocorridos no primeiro mandato de Dilma, conforme
está claro no artigo 86, parágrafo 4º da Constituição.
É ingenuidade achar que, no Senado,
haverá julgamento à luz de aprofundado exame de questões jurídicas, mais
especificamente sobre a tipicidade e a presença de intenção dolosa. Num
julgamento político, colhido na base do “sim” ou “não”, pode contar o fato de
outros presidentes terem dado pedaladas e não ter havido dolo por parte de
Dilma.
Mas pode contar a oportunidade da
permanência na função e de se considerar Michel Temer como a salvação da
lavoura. Caso a decisão do Senado seja condenatória, o STF, salvo
irregularidades formais e nulidades, jamais cassará decisão de mérito.
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