DCM EXCLUSIVO: DOCUMENTO LIGA GOVERNO DE AÉCIO NEVES EM MG A ESQUEMA DE PROPINAS DA SAMARCO
Esta é a nona reportagem da série sobre a Lista de Furnas. O projeto foi patrocinado pelos leitores através da ferramenta de crowdfunding Catarse.
O
lobista Nílton Monteiro pronúncia “craro” quando quer dizer “claro” e sua
imagem é a de uma pessoa de quem não se compraria um carro. O delegado de
polícia Márcio Nabak, por sua vez, tem a imagem de um burocrata bem sucedido e
em fotos da internet aparece sempre alinhado.
O caminho dos dois se cruzou no escândalo da Lista de
Furnas e aí as imagens se invertem. Com seu jeito desalinhado e vocabulário
simples, Nílton prova o que diz. Já o homem da lei Nabak diz – e até prende com
base no que diz -, mas não conseguiu provar suas acusações.
Em 2005, a Samarco Mineradora S.A., uma das empresas que
aparecem como doadoras de recursos ilícitos para campanhas de políticos do PSDB
e de seus aliados, acusou Nílton Monteiro de falsificar documentos que a
incriminavam. Eram casos de corrupção, todos no Espírito Santo, mas a empresa
formalizou a acusação em Belo Horizonte, onde fica sua sede da Samarco.
Em resumo, Nílton teria inventado contratos para cobrar
indevidamente comissão pela venda de créditos de ICMS da Samarco para a empresa
de energia do Espírito Santo (Escelsa). Segundo a acusação, teria também
forjado recibos para comprovar que seu antigo advogado, Joaquim Engler Filho,
havia se vendido para a Samarco.
O inquérito até hoje não terminou. Mas em 2010, cinco anos
depois da acusação da Samarco, o delegado João Octacílio Silva Neto, que
assumiu o inquérito no curso da investigação, descobriu, com base em perícias,
que as provas de Nílton não eram falsas.
O delegado chamou Joaquim Engler para depor e este, que já
respondia a uma acusação no Tribunal de Ética da OAB, confessou que recebeu R$
1,1 milhão da Samarco para prejudicar o cliente e repassar propina para
diretores da Samarco, um juiz de direito da comarca de Anchieta, no Espírito
Santo, um ministro do STJ e um desembargador do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, todos que haviam decidido favoravelmente à empresa.
Joaquim Engler confirma que gravou conversas com
autoridades de Minas Gerais, na época do governo Aécio Neves, e cita algumas
das descobertas, como uma conta do senador Zezé Perrella no exterior, com um
secretário de Aécio Neves.
Esse depoimento daria um novo rumo às investigações, mas,
no dia seguinte, quando o advogado pediu numa cópia da íntegra de seu
interrogatório, a Polícia Civil transferiu o delegado João Octacílio para um
município do interior do Estado, e nomeou para seu posto, na chefia de um
departamento policial, Márcio Nabak.
Depois disso, o inquérito desapareceu e o cerco a Nílton
Monteiro se fechou. Ele acabou preso e hoje acusa a equipe de Márcio Nabak de
tê-lo torturado. O advogado Joaquim Engler cedeu partes do inquérito que tinha
com ele, para remontagem do processo, mas nesse conjunto não estão as páginas
de seu depoimento.
Márcio Nabak indiciou Nílton por falsificação, mas Nílton
não foi condenado, por falta de provas. A acusação foi parar na imprensa e
Nílton, apresentado como falsário que negociava até títulos falsos da dívida
pública. Também não houve comprovação.
Não escaparam do cerco policial o advogado de Nílton, Dino
Miraglia, que teve a casa invadida, o dono do site que divulgava as denúncias
de Nílton foi preso e o jornalista que editava as reportagem, Geraldo Elísio,
teve o mesmo destino do advogado: a polícia revirou sua casa.
O depoimento bombástico do advogado Joaquim Engler
reapareceu de forma oficial há cerca de um mês, quando, por decisão judicial, o
delegado João Octacílio prestou depoimento e confirmou que ouviu o advogado
formalmente, como parte do inquérito.
Procurei
o advogado Joaquim Engler. Ele diz que o depoimento atribuído a ele é falso.
Teria sido forjado pelo escrivão Nélson Silva. Mas, se era falso, por que o
inquérito parou depois que desapareceu? Se esse depoimento é falso, cadê o
verdadeiro?
Ao ser ouvido por carta precatória há cerca de um mês, o
delegado João Octacílio afirmou também que, além de ouvir Joaquim Engler, tinha
lembrança de que, embora Nílton Monteiro fosse acusado de falsificação, ele
“sempre colaborava com as investigações apresentando documentos e provas das
alegações”. A íntegra do depoimento do delegado também acompanha esta
reportagem.
Tanto o depoimento de João Octacílio como o antigo
depoimento do advogado foram juntados num processo judicial em que o advogado
Dino Miraglia se defende da acusação de ter sido cúmplice de Nílton Monteiro no
crime de falsificação de documentos. Pelo que se está demonstrando, nem houve
falsificação. Se não houve, haveria cumplicidade?
Lendo o inquérito que agora ressurge na íntegra, tem-se a
imagem do desastre de Mariana. Num primeiro momento, a lama fica contida, mas,
depois, por uma falha da segurança, a barreira se rompe e a lama escorre além
das divisas de Minas Gerais.
O inquérito começa como uma tentativa de isolar o lobista
Nílton (segurar a lama), que havia provocado um estrago enorme na política do
Espírito Santo, com as denúncias de corrupção na venda dos créditos a Escelsa.
Mas, por razões ainda não muito claras, o advogado que o
acusava de falsificação mudou de lado (outra vez), assumiu crimes e fez outras
acusações. A lama se espalhou, mas evitou-se o desastre (político) com a troca
do delegado que poderia seguir o rastro da sujeira e a prisão do lobista, do
empresário, do jornalista e do advogado.
Numa das muitas manifestações judiciais que fez contra o
abuso de poder da polícia civil no governo de Aécio Neves/Antônio Anastasia, o
advogado Dino Miraglia usou uma frase de Martin Luther King, líder do movimento
negro pelos direitos civis nos Estados Unidos, na década de 60: “Devemos
construir diques da coragem para conter a correnteza do medo.”
Em Minas Gerais, alguma coisa mudou. Márcio Nabak deixou
postos de comando na Polícia Civil, e o inquérito em que a Samarco passou de
acusadora a acusada pode, enfim, ser retomado, com a recuperação do depoimento
do advogado Joaquim Engler Filho. Quem acredita? No caso no caso da Lista de
Furnas e do mensalão mineiro, as provas gritam, mas as autoridades silenciam.
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