OS PARALELOS ENTRE EDUARDO CUNHA E HERRIETTE WILSON, UMA PROSTITUTA DO SÉCULO XIX
Eduardo Cunha e nossa Herriette
Ao
que tudo indica, Eduardo Cunha lançará um livro narrando os bastidores dos
eventos políticos recentes do país. Trata-se de uma espécie de retaliação?
Desejo de ver publicada a sua própria versão da história? Nostalgia?
Não
creio.
Nesse
caso, de que se trata?, o leitor poderia perguntar. E eu citaria um episódio
célebre da história inglesa, que, embora desconhecido pela maioria dos
brasileiros, possui muito em comum com o momento que estamos vivendo.
A
história em questão data do período da Regência inglesa, que teve início em
1811 – ano em que o Príncipe de Gales tornou-se regente devido à insânia de seu
pai, o rei Jorge III – e encerrou-se em 1820, com a ascensão do príncipe, então
Jorge IV, ao trono.
Harriette
Wilson foi a mais notável prostituta da Regência. Durante os seus anos de ouro,
ou seja, entre os quinze e trinta e cinco anos, Harriette viveu como uma
rainha, tendo se envolvido com homens do calibre do próprio príncipe, do Duque
de Wellington, homem que derrotou Napoleão em Waterloo, e de Lorde John
Ponsonby, que segundo a lenda se encontrava na França durante a Revolução e, ao
ser atacado por uma multidão que tinha-o em pouca conta por ser um aristocrata
(e ainda por cima inglês!) foi poupado a pedido das mulheres, que mostraram-se
comovidas por sua beleza sublime.
Mas
cheguemos ao ponto.
Como
Alexandre Dumas Filho notou em A
Dama das Camélias, a primeira morte de uma cortesã consiste em seu
envelhecimento.
Harriette
Wilson não escapou à regra e, ao envelhecer, tornou-se dispensável aos homens
que até então veneravam-na. Eles talvez tenham percebido que, por mais que as
loucuras extravagantes e os caprichos de uma bela mulher na flor de idade sejam
compreensíveis, tornam-se ridículos em uma senhora de quase quarenta anos. Outras
moças caprichosas e consideravelmente mais jovens encontrando-se disponíveis,
Harriette perdeu todos os seus benfeitores.
Abandonada
por aqueles que até então agradaram-na e bajularam-na incansavelmente,
Harriette pagou o preço pela sua vida ostensiva e ficou à mercê de credores e
agiotas. Sua idade não lhe permitia encontrar um novo amante que a livrasse das
dívidas. Que fazer?
Escrever
um livro.
Ao
escrever suas memórias, Harriette Wilson não desejava vingar-se de seus amantes
ou ter um vislumbre de si própria – de sua beleza, de sua personalidade
encantadora, de seu ardil – na época em que esteve perto de enlouquecer o Duque
de Argyll ou o Marquês de Worcester. Ela não desejava alfinetar nem enaltecer
os homens que tinham passado pela sua vida.
Ela
queria dinheiro.
E
qual a melhor maneira de consegui-lo? Os direitos autorais não seriam o
bastante para livrá-la de todas as suas dívidas. Ela se envolvera com homens
influentes. Embaixadores, diplomatas, membros do Parlamento, militares de alto
escalão – muitos destes passaram pela sua vida, e a carreira, a reputação e o
casamento de boa parte deles eram sustentados pela imagem digna que passavam de
si mesmos. E essa imagem poderia ser maculada de maneira indelével por uma das
mulheres com quem se relacionaram no passado.
Harriette
sabia que, acima de qualquer outra coisa, seus antigos amantes temiam ter seus
nomes envolvidos em escândalos de grande proporção. Por isso, abordou a todos e
disse-lhes que, caso lhe pagassem duzentas libras, tiraria seus nomes das
Memórias.
Atualmente,
as duzentas libras daquela época equivalem a cerca de 15 000 libras, uns 60 mil
reais. Tendo em vista que, ao que tudo indica, Harriette recebeu
aproximadamente duzentos homens em seus aposentos pessoais, seu lucro não seria
pequeno.
Não
sabemos quantos homens compraram sua passagem para fora das Memórias, já que
ela manteve sua palavra.
Apesar
de desacreditado, Cunha tem em mãos uma ferramenta de extorsão tão poderosa
quanto a de Wilson. Resta saber o que fará com ela e o que farão os nobres
cidadãos cujos nomes podem figurar nas páginas de seu livro.
Encerro
o meu texto com uma informação interessante. O Duque de Wellington, levando em
consideração o fato de que a reputação do homem que acabara com Napoleão jamais
seria profanada por um mero escândalo sexual, recusou-se a ser explorado. Com o
vigor e a eficiência que lhe eram particulares, Wellington limitou-se a
declarar: “Publique e vá para o inferno”, frase mencionada na vasta maioria dos
livros e documentários do qual é assunto.
Sábio.
Muito sábio.
Por Camila Nogueira, no DCM
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