ACOVARDADO, STF PERDEU A CHANCE DE CONSOLIDAR NOSSA DEMOCRACIA
Onze juízes da nossa suprema corte tiveram em suas mãos a oportunidade de evitar mais um golpe na nossa democracia, mas faltou-lhes coragem.
Renato Dias, especial para o Brasil 247
Intelectual refinado, o maior sociólogo do mundo em atividade no século
XXI, Boaventura de Sousa Santos diz, com exclusividade ao Brasil247.com,
que Honduras, em 2009, com Manuel Zelaya, Paraguai, 2012, com a queda
de Fernando Lugo, e Brasil, no turbulento ano de 2016, com a deposição
de Dilma Rousseff, seriam golpes parlamentares de novo tipo.
Sob os olhares de Lucas Ribeiro, ex-presidente da UEE [GO] e da UJS
que monitorou a Coreia do Norte, o país mais fechado do mundo, de
Guilherme Oliveira Brito, jornalista e historiador, além das lentes de
Juliana Dias Diniz, jornalista formada na UFG, MBA em Mídias Digitais
pela Cambury e pós-graduanda em Cinema, na UEG, Boaventura de Sousa
Santos conversou por 45 minutos.
Socialista, o pesquisador da Universidade de Coimbra, Portugal, diz
que a China é uma ditadura. O autor formula críticas a Cuba, antiga
farol das esquerdas revolucionárias dos anos 60 e 70 e que ainda
influencia setores da intelligentsia brasileira. O professor analisa a
crise na Grécia e aponta os limites do Syriza no poder, coligação de
esquerda radical grega.
Leia a íntegra da entrevista:
Golpes pós modernos
Boaventura Sousa Santos - Golpes parlamentares de tipo novo, que
fazem uma interrupção constitucional, democrática, sem nenhuma alteração
na Constituição, de fato. Na aparência de total normalidade
constitucional. A opinião pública - nacional e internacional - viu
claramente que a presidente da República, Dilma Rousseff, não cometeu
nenhum crime de responsabilidade. Em um sistema presidencial em que não
há moção de censura, a única possiblidade de substituição era esperar
até as próximas eleições, em 2018. Mas as forças de direita entenderam
que era demasiado tempo, estavam com pressa e provocaram efetivamente um
golpe com grande apoio das mídias, controladas por sete famílias. Com
uma colaboração passiva e ativa do sistema judiciário. Um golpe
parlamentar-judicial. Judicial por quê? Porque o Supremo Tribunal
Federal tinha meios para impedir que o impeachment avançasse.
O impeachment foi presidido pelo presidente do Supremo Tribunal
Federal, Ricardo Lewandowski. O sistema judiciário brasileiro perdeu uma
oportunidade extraordinária de consolidar a democracia. O sistema
judiciário não tinha de fato nenhuma razão de queixa em relação aos
governos dos últimos 13 anos, porque não só a carreira judiciária, o
sistema judiciário foi muito apoiado institucional e financeiramente
pela União, pelos governos Lula e depois por Dilma Rousseff, com o
fortalecimento da Polícia Federal, que inclusive na investigação
criminal teve um avanço extraordinário durante os últimos 13 anos. O
sistema judiciário não tinha nenhuma razão corporativa, digamos assim,
para avançar contra o governo, como acontece por vezes em países em que o
judiciário aproveita o seu poder para se vingar por sentimento, por
queixa, contra governantes. Ocorreu isso recentemente em Portugal. Não é
o caso, portanto, perdeu-se uma grande oportunidade para o sistema
judicial brasileiro fazer realmente uma faxina de toda a corrupção, de
todos os partidos, obviamente...
Perseguição judicial seletiva
Boaventura de Sousa Santos – A perseguição a Dilma Rousseff e a Luiz
Inácio Lula da Silva foi seletiva, sem dúvidas. Foi seletiva. Até porque
se nós compararmos com situações que ocorreram nos anos em que, por
exemplo, o presidente da República era Fernando Henrique Cardoso, o
contraste é flagrante. Só para lhe dar um exemplo, quanto à questão dos
foros privilegiados, como sabem, quando Dilma Rousseff convidou Lula
para o governo foi um barulho enorme dizendo que ela estava a fazer isso
para ele fugir da justiça. Como sabem, não era para fugir da justiça,
era apenas para ser julgado pelo STF. Fernando Henrique Cardoso fez
exatamente o mesmo com Gilmar Mendes nos anos 1990, quando ele o
Procurador-Geral da União e perante às ações que estavam eventualmente a
ser preparadas por juízes federais contra Gilmar Mendes.
Houve, portanto, um decreto, penso que até foi uma medida provisória,
de Fernando Henrique Cardoso, no sentido de que, entre outros altos
funcionários do Estado, o Procurador-Geral da República, o
Procurador-Geral da União ou Advogado-Geral da União, não sei exatamente
o termo, também tivesse foro privilegiado. Com isso, Gilmar Mendes
fugiu, naturalmente, ao controle da primeira instância, também não fugiu
à justiça, obviamente, mas ficou sob controle. Na altura, isso foi
feito e não houve nenhuma reação. Ninguém disse que Gilmar Mendes iria
fugir da justiça ou o Fernando Henrique estava a obstruir a justiça,
neste caso concreto, como sabe foi isto. Portanto, há dois critérios,
dois pesos, duas medidas.
A Lava-Jato, a meu entender, tem sido, se nós compararmos a Operação
Lava-Jato, sediada em Curitiba e a que está sediada no Rio de Janeiro,
por exemplo, obviamente que a operação sediada em Curitiba tem tido uma
dinâmica muito diferente da do Rio de Janeiro. A do Rio de Janeiro
realmente não é tanto contra gente do PT, mas investiga também outros
partidos, como PSDB e PMDB. Isso dá a entender que, há dois pesos, duas
medidas, uma certa seletividade.
Operação Mãos Limpas
Boaventura de Sousa Santos – A Operação 'Mãos Limpas' teve outra
logica e outra dinâmica. Na Itália não há Procurador- Geral da
Republica. O Ministério Público não tem uma cabeça. Os procuradores são
autônomos. De fato houve uma perseguição da corrupção independente da
orientação politica. É evidente que ela se dirigiu mais aos partidos da
direita, isto é, Democracia Cristã e Partido Socialista, que eram os
únicos que tinham estado no poder. Depois da segunda guerra mundial,
houve um acordo com os aliados de que o Partido Comunista Italiano podia
participar de governos locais, não do nacional. Os comunistas nunca
tinham estado no governo nacional e, portanto, a corrupção atingiu mais
os outros partidos. Haviam três associações de magistrados na Itália:
uma de direita, conservadora; uma comunista e uma socialista. As três
associações estiveram envolvidas nas 'Mãos Limpas'.
As 'Mãos Limpas' tiveram uma outra lógica, houve realmente um levante
do sistema judiciário contra a corrupção que tinha atingido níveis
disfuncionais para a própria economia. Como sabe, na área da corrupção,
as polícias de investigação normalmente não avançam muito na prova
porque é impossível quase se fazer prova. A única possibilidade é a
delação. É a denúncia. Na delação premiada, que é outra coisa, a delação
premiada é obter uma recompensa por isso. No caso da Itália não foi
isso, mas é evidente que foram empresários que tinham que pagar
comissões e estavam a pagar muitas comissões e cada vez mais caras para
obras do estado e começaram a falar e a denunciar. No meu entendimento, a
Operação Mãos Limpas teve uma lógica inicial diferente da Lava-Jato.
Claro que ela teve depois uma dimensão tão grande que acabou por
desestruturar o sistema político italiano, porque realmente os partidos
que tinham estado no poder eram esses. Uma lógica que não tinha
conotação política.
A Lava-Jato têm aspectos que não encontramos nunca nas 'Mãos Limpas',
de ilegalidades. Como por exemplo, um ato de flagrante ilegalidade, que
se o Conselho Nacional de Justiça funcionasse deveria ter sido
imediatamente disciplinado, foi o fato de o juiz federal Sérgio Moro ter
vazado para a imprensa uma conversa telefônica entre Lula e a
presidente da República, Dilma Rousseff, quando isso é proibido na
maneira como ocorreu, porque Dilma Rousseff tinha foro privilegiado.
Isso é uma ilegalidade em qualquer parte do mundo e foi extremamente
prejudicial. Aliás, eu devo dizer que depois desse vazamento para a
imprensa houve de fato um aceleramento da Lava-Jato. Esse vazamento
contribuiu para o avanço da Lava-Jato. Há aqui elementos que nos levam a
fazer crer que há uma conotação política. O juiz federal Sérgio Moro é
extremamente acarinhado pelos americanos e foi considerado uma
personalidade do ano pela revista Time. É convidado correntemente para
os Estados Unidos. Que veem nele um líder do futuro. Politizam de uma
maneira muito grande essa atividade do Sérgio Moro porque ela tem
realmente por objeto um governo que era hostil, que os Estados Unidos
consideravam hostil.
Governos do PT
Boaventura de Sousa Santos - Os governos do PT, fundamentalmente por
duas razões. Não é porque o governo do PT fosse socialista. Nem de
longe, não é? É basicamente por causa dos BRICS, portanto, dessa
articulação entre a Rússia, a China, a Índia, a África do Sul e o Brasil
no sentido de se criar uma aliança comercial entre estes grandes países
de desenvolvimento intermediário que podiam fazer alguma rivalidade ao
dólar. O comércio internacional entre esses países podia ser feito nas
suas moedas nacionais e não em dólar. É uma ameaça total aos Estados
Unidos. Porque, como se sabe, os Estados Unidos acertam basicamente na
credibilidade do dólar internacional. Para um país que tem 20 trilhões
de dólares de dividas, se não houver credibilidade no dólar, cai o país.
Nós temos guerra, e temos intervenção dos Estados Unidos em todos os
países onde haja recursos naturais. A própria Venezuela, onde as
lideranças locais têm cometido muitos erros e cometera muitos erros
durante os últimos anos, particularmente depois da morte do Hugo Chávez.
Venezuela pode cair?
Boaventura de Sousa Santos - Sim, claro. É evidente que existem erros
acumulados pelas lideranças locais, mas não podemos de maneira nenhuma
esquecer a agressão e a intervenção dos Estados Unidos para
desestabilizá-la. Basta essa declaração bombástica e que surpreendeu
muita gente, quando o presidente dos EUA, Barack Obama, fez e que
realmente tem valor legislativo nos Estados Unidos de que a Venezuela
era uma ameaça à segurança interna dos Estados Unidos. São obviamente as
reservas de petróleo que estão muito próximos dos Estados Unidos e que
são uma das maiores do mundo, não é? E, portanto, os Estados Unidos têm
uma voracidade e uma necessidade de controlar os recursos naturais. Não
por os EUA necessitarem deles, mas porque querem isolar a China. Toda a
política dos Estados Unidas nesse momento é para isolar a China. Não têm
medo da Rússia, têm medo, sim, da China. E, portanto, para isso uma
Venezuela amiga dos chineses é uma ameaça à segurança interna dos
Estados Unidos. No caso do Brasil, a ameaça era de outro tipo, a ameaça
era nacionalista, uma vez que o Pré-Sal tinha reservas na participação
da Petrobrás e ao mesmo tempo o seu rendimento estava em parte
consignados nas políticas sociais, na saúde e na educação. Com tudo isso
é uma violação da regra da privatização e do acesso internacional aos
recursos naturais que é realmente a grande receita dos Estados Unidos e
do neoliberalismo global. Portanto, foram estas as razões que levaram os
Estados Unidos a considerar Dilma Rousseff como um governo hostil.
Houve aqui no Brasil e na Venezuela medidas de intervenção entre
desacertos locais e a intervenção dos Estados Unidos, é que no Brasil
obviamente houve uma situação muito diferente. Não houve uma
desestruturação, um caos como está agora instalado na Venezuela, o que
basicamente foi o modelo de desenvolvimento completamente orientado
pelos preços internacionais das comoditties, isto é, dos grãos e dos
minérios e no momento que eles baixam o Estado entra numa certa crise,
porque não pode fazer a distribuição do bolsa-família e de todas as
políticas sociais, para continuar a gastar esse dinheiro tem que se
endividar e ao endividar-se naturalmente cria outros encargos com o
investidores internacionais com capital financeiro e isso criou uma
volatilidade no Estado.
Argentina
Boaventura de Sousa Santos - A Argentina é um caso similar, diferente
obviamente do Brasil, na medida em que Maurício Macri ganhou as
eleições. Não houve golpe. Já as medidas adotadas têm o perfil das que
estão a ser adotadas agora por Michel Temer, isto é, é uma doutrina de
choque. É ideia de que quando estes governos entram, governos de
direita, isso ocorreu também em Honduras e Paraguai. O caso do Brasil é
uma caricatura, nesse momento, a PEC 241, uma caricatura constitucional.
Nunca vi em nenhum país uma emenda constitucional para vigorar durante
20 anos. Merece uma gargalhada... Mas que é cruel, não é? A intenção
desses governos é retirar da deliberação política as politicas sociais. O
que a PEC 241 está a dizer é que vai falar para as classes populares,
as classes médias e as classes baixas do Brasil, que elas não podem
esperar nada do Estado nos próximos 20 anos. Então, se a esquerda vier
propor a essas classes outras coisas não pode, estás a mentir. O que
eles querem dizer é que a esquerda não vai ter nenhuma viabilidade. O
que se passa hoje na Argentina é muito similar ao que se passa no
Brasil. A Argentina nesse momento, o choque já foi absorvido, digamos
assim, estamos nesse momento a assistir já à movimentações sociais
bastante fortes. Os argentinos não estão dispostos a ignorar a
degradação das políticas sociais que eles tinham até agora. É natural
também que haja alguma perturbação, mas o modelo é o mesmo, não é? O
modelo é o modelo de atuação rápida e eficaz. Eficaz no sentido de fazer
esquecer as politicas dos últimos anos.
Cuba
Boaventura de Sousa Santos - Olha como pra efeito para as forças de
esquerda, para os intelectuais, acadêmicos que apoiaram a revolução
cubana e muito de nós apoiamos durante muito tempo, ela trouxe um
problema muito difícil para a esquerda porque a revolução cubana passou
por muitas fases, foi vítima obviamente pelo embargo que condicionou
totalmente o êxito da revolução cubana. A revolução cubana era uma
tentativa de criar uma alternativa ao modelo soviético, como se sabe.
Havia duas tentativas. Uma por via democrática, que foi Salvador
Allende, no Chile, e a revolução cubana. Ocorre que o embargo com os
Estados Unidos rapidamente levou que a revolução cubana caísse nas mãos
da proteção da União Soviética e, para isso, obviamente, fazer algumas
alterações significativas dentro da própria revolução. O caso do Allende
é evidente, foi assassinado, suicidou-se, por uma pressão dos Estados
Unidos, uma intervenção direta dos Estados Unidos, como está hoje
documentado. E, portanto, a revolução cubana a partir daí entrou num
processo de, a meu entender, de descaracterização bastante autoritária e
que a esquerda inteira americana silenciou, isto é, teve sempre medo
que qualquer critica a Cuba fosse considerada um apoio aos
norte-americanos.
Acho que devíamos que ter visto mais cedo que realmente uma coisa é
criticar o embargo obviamente uma intervenção ilegítima dos Estados
Unidos. Outra coisa seria não criticar internamente o que estava a se
passar em Cuba. E, portanto, quando há um aumento de abertura uma
transformação isto vai fundamentalmente com Raúl Castro, nessa altura eu
escrevi o texto que está nesse livro em que diz assim: essa é a grande
oportunidade para que Cuba possa surgir como uma alternativa, digamos,
socialista-democrática. Que pode até, inclusive, aberta também ter
empresas capitalistas, mas que não sejam elas a determinar a lógica de
desenvolvimento cubano. Infelizmente esse artigo, que aliás foi escrito
para Cuba, foi aceito por muitos dos meus colegas, que tenho muitos em
Cuba e amigos nomeadamente pela Casa das Américas que é a grande revista
intelectual de Cuba. Que iriam publicá-lo. Mas o Comitê Central não
quis publicar esse meu texto que sai agora nesse livro porque acharam
que era dissidente que era contrário à política do CC de Cuba. Realmente
veio a se verificar que era isso mesmo, ou seja, o modelo que Cuba
seguiu é um modelo muito similar à toda China, é uma pequena chinesa.
China
Boaventura de Sousa Santos - É uma ditadura. Eu fico surpreso quando
venho aoo Brasil e os jornalistas das grandes mídias me perguntam o que
eu penso do ditador Putin e do ditador Erdogan, da Turquia. Eu digo,
esperem aí, esses homens foram eleitos. Não estou a dizer que sejam
santos, mas vivem em países democráticos. Agora, os príncipes e reis da
Arábia Saudita não foram eleitos. São amigos dos EUA. O presidente da
China, que é hoje o credor principal dos Estados Unidos, também não foi
eleito, que eu saiba. Portanto, obviamente, que há uma ditadura e que
isso é um sistema político comunista do partido único.
Economia chinesa
Boaventura de Sousa Santos – É uma economia capitalista estatal. Um
capitalismo do Estado. Até que muitas das empresas que apareçam como
empresas chinesas a fazer investimento na Europa ou nos Estados Unidos
ou na América Latina são empresas estatais, não são empresas privadas. É
o Estado, só para dar um exemplo: a companhia elétrica e o sistema
elétrico do Brasil vão ser colocados também à privatização, certamente,
porque não sei quem é que vai ganhar esse concurso, mas em Portugal, a
privatização que o partido conservador executou entre 2011 e 2015 vendeu
a eletricidade porque era preciso privatizar porque o Estado não seria
bom administrador. Privatizou-se, mas para entregar a eletricidade
portuguesa a outro Estado, a China. A empresa que comprou as
hidrelétricas é empresa estatal chinesa. É muito curioso que se faça uma
privatização para entregar a um outro Estado. É a lógica do
capitalismo.
Cuba como China
Boaventura de Sousa Santos - Neste momento é para isso que se aponta.
Os Estados Unidos fazem bons negócios com ditadores. Não são realmente
um país que promovam a democracia no mundo temos visto o contrario, até
promovido ditadores. Certamente encontrou uma maneira de convivência com
os negócios que estão aumentando em Cuba. Não sei se isso vai resultar
numa democratização do sistema político ou não. Se a pluralidade de
partidos surgirá ou não. Serão partidos que são diferentes tendências
dentro do Partido Comunista ou serão fora? Nnão sabemos muito bem qual
vai ser o destino da revolução cubana. Mas nesse momento de fato, e eu
penso que Raúl Castro pensa que os dois grandes modelos de transição dos
governos socialistas com êxito depois de 1989 são a China e o Vietnã.
Tem um sistema também semelhante, do governo, obviamente, comunista, de
controle do Partido Comunista, mas uma economia aberta. A nossa roupa, a
roupa hoje que se compra nos Estados Unidos e na Europa, muitas delas
foram feitas no Vietnã.
Vladimir Putin
Boaventura de Sousa Santos – Vladimir Putin foi durante muito tempo
considerado um aliado dos Estados Unidos e da Europa. Visitou Camp
David. Já nessa altura era mesmo o Vladimir Putin. Mas há muito controle
na Rússia...
Rússia, hoje
Boaventura de Sousa Santos - É uma democracia controlada. Com certo
controle ainda das forças que presidiram, digamos assim, a destruição do
próprio regime. Não consideraria a Rússia hoje uma ditadura. Vladimir
Putin que genuinamente não gostaria que ingressássemos em uma nova
guerra fria. Neste momento nós estamos realmente a atravessar à guerra
fria.
Nova guerra fria?
Boaventura de Sousa Santos - Mais uma vez a Europa e os Estados
Unidos estão a provocá-la. Não é, neste momento, a Rússia que está a
provocar. O pretexto é a anexação da Crimeia. A Crimeia é uma zona que
foi tradicionalmente da Rússia. Em 1959, ela foi oferecida, oferecida,
por Nikita Kruschev aos ucranianos, mas dentro do sistema soviético.
Nikita Kruschev
Boaventura de Sousa Santos - Um ucraniano. Por isso que ela passou a
fazer parte da Ucrânia. Há um momento em que a Ucrânia toma posições em
que a Rússia considera inamistosas e há essa anexação. O que os poderes
ocidentais vão fazer é eliminar qualquer gênio político dentro da
Ucrânia que pudesse ser pró-soviético que era, exatamente, o presidente
anterior, e provocaram um golpe. Foi um golpe que fez com que fosse
operado no governo da Ucrânia e que pusesse no poder o presidente
pró-ocidental. Deste então há uma política de reforçar por conta da
OTAN, vocês dizem, de reforçar toda a área militar que faz fronteira com
a Rússia. Está a Romênia, então entra nisso Bulgária, Estônia, Polônia.
Estão a criar uma rede de mísseis virados à Rússia. Se vir mais a gente
conhecer um pouco de história, é um pouco semelhante àquela crise que
pôs os mísseis em Cuba e quase provocou uma guerra nuclear. Agora é
quase o contrário, aqui uma grande aversão e uma provocação. Por quê que
é isto? É fundamentalmente porque os Estados Unidos têm muito medo de
uma aliança da Rússia com a China. Eles não podem atingir a China
diretamente porque a China é credora de uma boa parte dos 20 trilhões de
dívida pública dos Estados Unidos. Eles querem é isolar a parceria da
Rússia e da China. Outro lado, para isso, obviamente, a Rússia que
depende muito do petróleo e que ia fornecer gás natural à Europa, iria
ter com isso uma vantagem grande, porque fornecer petróleo à Europa e o
Estados Unidos não estavam interessados em que a Europa dependesse da
Rússia. E, portanto, criaram um outro obstáculo. E com isso impedir que
esse plano seja criado. Tem a Guerra da Síria, que é para destruir o
Assad, que se opôs ao plano dos EUA. A Rússia decidiu vir em apoio ao
Assad e como veio em apoio ao Assad a luta continua.
Sem democracia
Boaventura de Sousa Santos - A democracia só serve aos EUA se servir
aos seus interesses. Se não servir aos interesses, fazem esses pactos
com ditadores. A situação em Honduras é um caso muito nítido, não é?
Temos presidentes que eram presidentes democráticos e populares. Temos
Manuel Zelaya, que é deposto com uma intervenção muito forte de Hillary
Clinton. Para que? Para impedir praticamente que houvesse um governo de
esquerda ali em Honduras. O primeiro teste desses novos golpes, depois
foi o Paraguai e agora o Brasil. E funcionou, ou seja, hoje não foi
preciso dos militares para fazer uma alteração na política externa que
permita beneficiar os Estados Unidos.
Syriza na Grécia
Boaventura de Sousa Santos - É uma experiência interessante. Um país
que foi humilhado pela União Europeia. O Siryza faz uma inovação
política semelhante, aliás, a outro partido de Portugal, que é o Bloco
de Esquerda ou o Podemos, na Espanha. Mas que será obrigado a conduzir
uma política totalmente contrária ao seu programa. A Alemanha, que
domina a União Europeia, obrigou que a Grécia caísse de joelhos. É um
país onde cresce a extrema-direita. O PS está, obviamente, destroçado. O
Syriza continua no poder, não sei por quanto tempo. Não faz nenhuma
politica de esquerda ou que esteja coerente com o seu partido, com o seu
governo, com seu programa. É uma situação trágica essa do Syriza, na
Grécia.
Portugal, BE, PCP e PS
Boaventura de Sousa Santos - Portugal aprendeu muito com o Syriza. O
Syriza começou com uma política confrontacional e contra a União
Europeia. Não deu resultado. Quiseram humilhar a Grécia. No caso de
Portugal foi diferente. Portugal começou sem hostilizar a União
Europeia, as suas instituições, mas a tentar uma alteração da política
europeia. Utilizando e beneficiando das brechas, das contradições e das
melhorias que se podia fazer à margem, digamos assim. Sem confrontar a
União Europeia. Para isso era preciso uma coligação de esquerda. Ora, em
Portugal, a tradição europeia, desde a guerra, nunca se tinha aliado o
Partido Comunista e o Partido Socialista. Os comunistas nunca quiseram
aliar-se ao Partido Socialista. O que ocorreu e que pode ser uma lição
ao Brasil é que as forças de esquerda que eram socialistas, que se
consideram de esquerda, com um bom líder, que foi um grande prefeito de
Lisboa, Antônio Costa, e os próprios comunistas e o Bloco de Esquerda,
extrema-esquerda radical, acharam que estavam numa situação extremamente
perigosa por uma onda conservadora em Portugal, no poder entre 2011 e
2014. Poderiam destruir todas as políticas que nós tínhamos construídos
depois de 1974. Portanto, houve uma ameaça de uma direita radical que
viera para destruir a democracia portuguesa. As forças de esquerda
uniram-se. É uma coisa nova. Viabilizaram o governo do Partido
Socialista, no parlamento, com os comunistas e o Bloco de Esquerda. É
uma coisa nova, tem funcionado bem, mas está a ser ameaçada pela União
Europeia, não é por outro país. A Comissão Europeia é controlada pelos
neoliberais e eles não querem nenhuma alteração à ortodoxia neoliberal.
Para a comissão europeia ser europeu é ser da direita e quem é de
esquerda não é europeu.
Reinvenção da Esquerda
Boaventura de Sousa Santos – É preciso 'Reinventar as esquerdas', o subtítulo do meu novo livro.
Serviço
Lançamento
Livro: 'A difícil democracia'
Editora: Boitempo
Ano: 2016
Mês: Outubro
Autor: Boaventura de Sousa Santos
Lançamento
Livro: 'A difícil democracia'
Editora: Boitempo
Ano: 2016
Mês: Outubro
Autor: Boaventura de Sousa Santos
Cronologia dos fatos
1914
Primeira guerra mundial
Primeira guerra mundial
1929
Crash da bolsa de New York
Crash da bolsa de New York
1933
Adolf Hitler chega ao poder
Adolf Hitler chega ao poder
1939
Início da segunda guerra mundial
Início da segunda guerra mundial
1945
Fim da segunda guerra mundial
Fim da segunda guerra mundial
1964
Golpe de Estado no Brasil
Golpe de Estado no Brasil
1974
Revolução dos Cravos, Portugal
Revolução dos Cravos, Portugal
2003
Lula assume o poder no Brasil
Lula assume o poder no Brasil
2006
PT obtém a reeleição
PT obtém a reeleição
2010
Dilma Rousseff é eleita
Dilma Rousseff é eleita
2014
Dilma Rousseff é reeleita
Dilma Rousseff é reeleita
2016
Dilma Rousseff sofre um golpe
Dilma Rousseff sofre um golpe
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