BRIGA DE MATILHAS ENTRE JUDICIÁRIO E LEGISLATIVO - MOTIVO: INTERESSES CORPORATIVOS
Vaidade, soberba, insensibilidade, avareza... Mau caráter
A seguir, texto de Tereza Cruvinel no 247
A grande trombada entre os poderes,
com potencial para uma ruptura institucional, deu mais um passo. O
Congresso fez da pior forma o que poderia até ser bem compreendido pela
população se feito de outro modo, com debate e transparência. A coalizão
Judiciário/Ministério Público/Lava Jato também reagiu da pior forma,
com ameaças chantagiosas, às mudanças no pacote anti-corrução, que
incluíram a aprovação de emenda sobre abuso de autoridade. O procurador
Deltan Dallagnol apelidou-a de “Lei da Intimidação do Judiciário e do
Ministério Público”. Num repto a
Michel Temer, os procuradores ameaçaram renunciar à Lava Jato caso a
proposta seja aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente da
República. Só se esquecem de uma coisa: vetos podem ser derrubados pelo
Congresso e isso costuma acontecer quando o assunto é dar o troco. Ainda
há ingredientes explosivos para serem colocados nesta crise mas em
algum momento ela vai bater no muro.
No ponto crítico a que ela chegou
hoje, a presidente do STF, Carmem Lucia, disparou contra o Congresso
emitindo sinal verde para que os outros subissem o tom. Janot falou
grosso, os da Lava Jato dispararam e do outro lado coube a Renan
Calheiros, como não poderia deixar de ser, responder em nome do
Congresso que preside: as dez medidas propostas pelo Ministério Público
só poderiam ser aprovadas no fascismo, disse ele, acrescentando que o
Congresso não pode deliberar por pressão externa. Renan, Justiça seja
feita, é quem tem defendido
publicamente, com palavras francas, a necessidade de reequilibrar a
balança entre os poderes que, ao longo dos meses e numa sequência de
episódios, pendeu para o Judiciário, naturalizando uma supremacia que
fere o princípio do equilíbrio e da equipotência entre os poderes.
Tipificar o abuso de autoridade e estabelecer que magistrados e
procuradores também respondam por crimes de responsabilidade funcionais
só viraram anátema por conta da supremacia judiciária que foi se
estabelecendo.
Já os deputados fizeram tudo do pior
modo para eles mesmos. Inicialmente, aprovaram na íntegra as dez
medidas do Ministério Público. Deram a impressão de engolir propostas
que Renan associou ao fascismo, como a flexibilização do habeas corpus e
a criação da figura do reportante do bem, medida que estimulará o
dedurismo recompensado, adubando a semente do estado policial. Ou o
confisco alargado dos bens de um investigado, mesmo não estando provado a
conexão com um crime de corrupção. Foi ingenuidade dos procuradores
acreditar que o Congresso iria permitir a criminalização dos partidos
políticos e a perda de registro por envolvimento de seus dirigentes em
delitos. Os partidos não são indivíduos, pelo contrário, representam
uma massa de filiados e eleitores que não podem responder por atos dos
dirigentes. Eles que sejam punidos. A criminalização do caixa dois, por
exemplo, foi aprovada, e em lugar da anistia, os deputados optaram por
aprovar a emenda sobre abuso de autoridades de magistrados e
procuradores. A população talvez compreendesse a impertinência de
algumas das medidas derrubadas se a Câmara tivesse optado por um debate
mais prolongado, expondo os inconvenientes que representam não para
eles, unicamente, mas para toda a sociedade. O
reportante-dedo-duro-premiado, por exemplo, pode germinar perigosamente
na atual cultura envenenada pela cruzada moralista. A Câmara, ao invés
de sustentar este debate, foi pelo atalho. Votou o pacote, fingiu que o
engoliu e quando a noite ia alta começou a aprovar emendas. Mas no final
do dia estava claro que isso iria acontecer. Ou pelo menos que o abuso
de autoridade passaria. No cafezinho do plenário, o que mais havia eram
deputados engasgados com o pacote.
O Senado acaba de rejeitar o pedido
de urgência para a votação do pacote recebido da Câmara. Mais que
derrota de Renan, sinal de que os senadores viraram bombeiros, querem
baixar a temperatura. Mesmo com o recuo, não creio que o Senado aceitará
o emparedamento que o Ministério Público tentou impor à Câmara e
acabou perdendo. Os procuradores demonstraram, neste processo, não
compreender nada do processo legislativo. Ali nada é aprovado tal como
proposto, nem por governos nem pelos próprios parlamentares. Não seria o
Ministério Público, nas atuais condições, que arrancaria de uma Câmara
em estado de pânico com a iminência das delações sobre caixa dois, de
origem legal ou ilícita, que arrancaria do plenário a chancela integral
de sua proposta, por mais assinaturas de apoio que tenha tido.
Os senadores recuam por temer o
agravamento, a crise institucional propriamente dita, mas também por
saberem que, nesta guerra, a força está com a coalizão
Judiciário/Ministério Público/Polícia Federal. O lado podre da corda
está com o Congresso, onde Renan responde a uma dezena de processos e
mais de uma centena de parlamentares podem aparecer na lista da
Odebrecht. Já vazou delação da Odebrecht contra Jucá, que teria
centralizado o recebimento de R$ 22 milhões para ele, Renan e companhias
peemedebistas. Os procuradores não brincam em serviço.
Este confronto, agora em seu pico,
já estava há muito anunciado. O Supremo, a Lava Jato e Moro já
atravessaram muitas vezes a linha do limite e o Congresso não reagiu.
Lula e Dilma foram ilegalmente gravados e as conversas ilegalmente
divulgadas. O STF, guardião da Constituição, lavou as mãos. Como a
vítima era o PT, o Congresso não tossiu. Delcídio do Amaral foi preso no
exercício do mandato e sem flagrante. O Senado mugiu mas, acuado pela
mídia diante do vazamento das conversas estarrecedoras do então senador
petista, homologou a prisão autorizada pelo ministro Teori. Em Curitiba
acontecem desatinos em série contra as garantias individuais mas o STF
não enfrenta Moro. Lula precisou ir à ONU porque não encontrou aqui
respaldo a suas denúncias sobre a parcialidade e a perseguição movidas
por Moro.
E o STF, para completar, continua
legislando. Se “a turma do deixa disso” não entrar em campo, na semana
que vem a Câmara pode revidar com mais um tiro: a aprovação, pela
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), de projeto que tipifica como
crime de usurpação de competências de um poder por outro.
– Estou sendo muito cobrado a
colocar meu parecer em votação mas achei que este não era o melhor
momento. Vou deixar estas dez medidas serem votadas primeiro. Mas a
pressão aumentou com esta notícia de que o Supremo mais uma vez
legislou, aprovando o aborto até os três meses de gravidez – dizia o
deputado Marcos Rogério (DEM-RO), que é o relator do projeto na CCJ,
durante a votação das medidas, mas antes da aprovação das emendas.
Agora, temos dois poderes na
trincheira e no meio, um Temer desafiado. Aguardemos os próximos tiros,
torcendo para que não sobrem para a democracia, este lírio açoitado.
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