O STF PARTICIPOU ATIVAMENTE DO GOLPE DE 2016 AO PERMITIR QUE SENADORES CRIMINOSOS DESSEM PROSSEGUIMENTO À FARSA - MINISTRO FACHIN QUER REVER ESSE CRIME
Romero Jucá - codinome Cajú - senador criminoso citado em diversas delações da Lava Jato, emparedou o STF que se acovardou e permitiu a destituição da digna presidenta legitimamente eleita.
A seguir, texto de Paulo Moreira Leite no Brasil 247
A noção de que nunca é tarde demais para se fazer justiça faz todo
sentido diante da decisão de Edson Fachin em reabrir investigação sobre
Renan Calheiros, Romero Jucá e José Sarney, com base nas escandalosas
conversas gravadas pelo ex-senador Sérgio Machado entre janeiro e
fevereiro de 2016. Elemento essencial para se compreender o que se
passou no país em tempos recentes, o caso ficou adormecido por um ano em
Brasília. Vou aos debates quando já não podia atrapalhar o golpe contra
Dilma Rouseff.
Divulgados pela Folha de S. Paulo na última semana de maio de 2016,
num conjunto de reportagens de Rubens Valente de valor histórico, os
depoimentos constituem a primeira e mais vigorosa denúncia sobre a
fraude que levou ao afastamento de Dilma Rousseff.
Recheadas de fatos chocantes, as gravações permitem entender um
ponto essencial. Se o golpe contra Dilma foi alimentado por interesses
econômicos e políticos de vulto, como está comprovado pelo criminoso
projeto de regressão social e entrega das riquezas do país a interesses
estrangeiros encaminhado pelo governo Michel Temer, o golpe parlamentar
foi favorecido por uma articulação destinada a salvar a pele de grandes
raposas do Congresso ameaçadas pela Lava Jata. Muito além das
"pedaladas fiscais" que serviram de pretexto inicial , havia uma
tentativa de "estancar a sangria", como admitiu Romero Jucá.
Num despacho de 14 de junho de 2016, o próprio ministro Teori
Zavaski, responsável pela Operação Lava Jato no STF, deixou claro que
acreditava que as gravações apontavam para um "dos mais graves atentados
institucionais" de nossa história.
Na letra fria da lei, os fatos apontam para dois crimes, conforme
esclareceu o constitucionalista Pedro Serrano, em entrevista ao 247. "O
primeiro, neste caso o menos grave, é obstrução da Justiça. O segundo,
mais grave: desvio de finalidade."
A gravidade deste crime, que assume um caráter absurdo quando se
recorda que estava em jogo a democracia do país, consiste em usar os
poderes públicos -- a queda de uma presidente -- para obter um benefício
privado, que foi escapar de investigações que batiam à porta dos
interessados.
Nove meses depois da publicação das reportagens de Rubens Valente, é
impossível deixar de reconhecer que as revelações contidas nas
gravações poderiam ter sido de utilidade extrema para se apurar os
bastidores daquele processo que Joaquim Barbosa definiu como "encenação"
do Congresso.
A primeira reportagem chegou às bancas em 23 de maio de 2016, duas
semanas depois da Câmara aprovar o afastamento de Dilma. Embora o
processo estivesse em fase avançada, havia prazo suficiente para o
esclarecimento dos fatos antes da decisão fatídica, em 31 de agosto,
quase três meses depois.
Mesmo evitando qualquer especulação sobre o que poderia ter
acontecido, é obrigatório registrar algumas considerações. Caso se
tivesse resolvido apurar aquilo que as gravações mostravam, o calendário
original do impeachment seria outro, obrigatoriamente mais alargado.
Maestro da votação no Senado, Renan estaria na condição de suspeito e
mesmo acusado, enfraquecido demais para exibir o desembaraço apresentado
desde o início dos trabalhos. Não há dúvida, ainda, que uma
investigação sobre o papel de Jucá, Sarney e Renan no "atentado
institucional" de que falou Teori mudaria a relação de forças no
Congresso, complicando o discurso moralizador de uma oposição que desde a
derrota nas urnas procurava um atalho para afastar Dilma e manter o
governo sob silêncio forçado.
O impacto brutal das gravações pode ser medido pelo destino de um
personagem, Romero Jucá. Autor do depoimento mais comprometedor, ele
sobreviveu apenas 12 dias no cargo como ministro de Temer -- pois era
óbvio que sua permanência, numa situação tão explosiva, seria um
obstáculo pesado a transformação do então presidente interino em titular
efetivo.
A decisão de Edson Fachin abre uma oportunidade bem vinda mas a
herança deixada até agora não é animadora, como mostra um retrospecto do
que se fez e do que não se fez para apurar os fatos já conhecidos. .
Em fevereiro e março de 2016, em busca de um acordo de delação
premiada para escapar de acusações que envolviam sua gestão na
Transpetro, uma das empresas da Petrobras, Sérgio Machado gravou 7 horas
de conversas com o trio Jucá-Renan-Sarney, em encontros individuais e,
num ocasião, numa rodada a quatro vozes. Os diálogos poderiam ter sido
um bom início de investigação mas nem a Polícia Federal nem o Ministério
Público nem o STF mostraram o mesmo empenho exibido em situações
anteriores.
Em novembro de 2015, três meses antes das primeiras gravações de
Sérgio Machado, o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) foi preso como alvo
da Lava Jato. Com auxílio dos investigadores, um dos filhos de Nestor
Cerveró, diretor da Petrobras que cumpria regime de prisão preventiva em
Curitiba, gravou um diálogo com o próprio Delcídio, registrando
palavras e promessas comprometedoras. A conversa, que incluiu afirmações
levianas sobre os ministros do STF, acabou servindo de principal prova
para o pedido de prisão, autorizada pelo Supremo, ainda que não fosse um
caso de flagrante, como exige a lei. Mesmo com essa experiência fresca
na memória, as gravações de Sérgio Machado não receberam a mesma
atenção.
Os diálogos não foram suplementados por gravações oficiais,
controladas, de valor jurídico fora de dúvidas, e que poderiam detalhar e
esclarecer os motivos daquela conspiração -- como se fez com Delcídio,
num processo iniciado por uma prisão preventiva de três meses, que
incluiu um prolongado isolamento numa cela da Polícia Federal em
Brasília.
Uma boa síntese do comportamento sobre Jucá-Sarney-Renan encontra-se
num despacho de 14 de junho, quarenta e cinco dias antes da votação
final contra Dilma. Ali, Teori Zavaski responde a vários pedidos
enviados por Rodrigo Janot para prosseguir na apuração. Logo de cara,
na página 4, Teori faz aquela informação definitiva sobre as gravações.
Diz que "as conversas gravadas demonstram que eram fundados todos os
temores de que uma parcela relevante da classe política estivesse
construindo um amplo acordo não só para paralisar a Lava Jato mas também
para impedir outras iniciativas do sistema de justiça criminal." Fala
de iniciativas de caráter "tático", que seriam referentes a Sérgio
Machado e seus interlocutores, que envolveriam a atuação de advogados --
são citados Eduardo Ferrão e Cesar Asfor Rocha, este ministro
aposentado do Superior Tribunal de Justiça -- com "acesso privilegiado"
ou mesmo "verdadeira ascendência" junto ao próprio Teori para obter
favores na "moeda de troca da prestação jurisdicional."
O despacho também se refere a uma "vertente estratégica", de vulto
maior, "num dos mais graves atentados institucionais" de que se tem
notícia. Sua finalidade seria "cortar asas" da Justiça e do Ministério
Público.
No mesmo despacho, contudo, Zavaski não faz referência a qualquer
possível pedido de autorização para grampear os telefones das
autoridades sob suspeita -- providência banal em situações desse tipo
--, lacuna que permite interpretar que a solicitação sequer tenha sido
enviada ao STF.
Na página 12, o ministro responde a solicitação para autorizar uma
ação de busca e apreensão na residência e nos escritórios dos senadores,
numa colheita básica de informações em investigações dessa natureza. A
resposta foi negativa. A explicação é que o pedido do Ministério Público
se baseava "exclusivamente no conteúdo das conversas gravadas" por
Sérgio Machado. Mas não vinha acompanhado de "diligências
complementares" que poderiam dar maior fundamentação ao pedido. Conforme
Teori, o pedido não se "desincumbiu do ônus de demonstrar a
imprescindibilidade da medida."
Uma leitura distanciada destas afirmações inspira muitas dúvidas e
uma grande certeza. Considerando a importância inequívoca dos diálogos
gravados em fevereiro e março de 2016, a questão é saber por que a
investigação não foi adiante. Faltou empenho por parte do Ministério
Público, que poderia ter insistido mais em seus pedidos ao STF?
Havia má vontade de Teori Zavaski, o ministro que só autorizou uma
investigação sobre outro personagem notório, o presidente da Câmara
Eduardo Cunha, depois que este encaminhou o pedido de impeachment de
Dilma?
A constatação obrigatória é que, mais uma vez, comprovou-se o caráter
seletivo das investigações sobre corrupção no país -- que andam mais
rápido, e atingem alvos mais importantes, quando envolvem lideranças
ligadas ao Partido dos Trabalhadores, aos governos Lula e Dilma e
empresas que participaram de um modelo de desenvolvimento econômico
voltado para a construção de um mercado interno de massas.
O saldo está aí, à vista de todos. Se os fatos são graves, por si, o
escândalo é ainda mais preocupante quando se recorda que, mesmo depois
que a trama se tornou conhecida, nada se fez para combater um dos "mais
graves atentados institucionais" de nossa história. O governo Dilma foi
substituído por um conjunto de personagens suspeitos, que em poucos
meses se tornaram uma fonte permanente de instabilidade e conflito
institucional que só poderá ser superado através de eleições diretas,
que permitam o retorno a democracia e o respeito a soberania popular.
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