Prostituição, direito humano?
Anistia Internacional reacende a polêmica – e mostra por que se transformou numa organização cujo foco vai muito além dos direitos civis
Que atitude deveriam adotar, diante do
trabalho sexual, os que criticam o capitalismo e as relações patriarcais? O
debate, contraditório e às vezes inflamado, voltará com força nos próximos
dias. A Anistia Internacional (AI)
abre em Dublin, neste fim-de-semana, o encontro bianual de seu Conselho. Há um
vasto leque de temas em pauta. Mas os holofotes estarão no decisão a ser
adotada, por cerca de 500 delegados, sobre uma proposta controversa. Ela propõe
que a Anistia engaje-se na luta para descriminalizar a prostituição. Espera-se
um resultado na terça-feira.
A emergência do tema reflete a profunda
transformação por que passaram, nas últimas décadas, tanto Anistia
Internacional quanto a própria noção de Direitos Humanos. Fundada
em 1961, na Grã-Bretanha, a organização esteve focada, até os anos 1990, na
luta pelos chamados direitos
civis. Sua ação mais
conhecida era a “adoção” de prisioneiros de consciência: a Anistia sugeria que
pessoas, em todo o mundo, assumissem a responsabilidade de se informar sobre a
situação de seres humanos privados de liberdade pelo “delito” de defender
ideias “perigosas”. Entre as atitudes esperadas estava manter correspondência
com os prisioneiros. A abordagem da AI era plural mas, num ambiente de Guerra
Fria, a mídia ocidental encarregava-se de destacar a proteção oferecida às
vítimas do sistema autoritário soviético.
O cenário alterou-se, nos últimos 25 anos, graças à
própria popularidade alcançada pelas ações da AI. Aos poucos, os próprios
aderentes anônimos às campanhas da organização passaram a sugerir que ela
ampliasse seu leque de proteções. Se era legítimo proteger um intelectual
romeno que lutava contra a censura, por que não seria igualmente necessário
apoiar um garoto da periferia de La Paz acossado pela polícia? Ou uma
babalorixá de Salvador perseguida pelo fundamentalismo evangélico?
A Anistia mergulhou no conceito ampliado de
Direitos Humanos – também conhecido comoDESC, ou Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, consagrados
pela ONU desde 1966, mas esquecidos no Ocidente, durante os anos da polarização
EUA X URSS. A nova escolha fez da AI alvo de críticas. Mesmo liberais ilustres,
como a revista Economist, prefeririam que ela se limitasse a temas menos
desafiantes ao capital.
Uma rápida visita aos sites da Anistia
Internacional (Mundo | Brasil) basta para perceber que a polêmica atual, sobre
prostituição, não é surpreendente. Com 7 milhões de membros e vasta experiência
e contatos em dezenas de países, a AI tornou-se um ator destacado da sociedade
civil global. Implica-se em temas que vão da luta dos imigrantes que
buscam refúgio nos EUA às campanhas contra a violência policial contra negros no Brasil.
Nesse contexto, a controvérsia sobre
prostituição parece inevitável. Feministas clássicas têm publicado, na imprensa
internacional, artigos contra a possível iniciativa da AI (1 2). Argumentam que legalizar a prostituição seria reconhecer a
comercialização dos afetos. Porém, não é legítimo defender os direitos dos
trabalhadores no sistema financeiro, na construção imobiliária, na indústria
armamentista? E alguém argumentaria que vender um empréstimo bancário, a juros
de 10% ao mês, é mais legítimo que fazer um programa sexual?
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