As Ondas Vermelha e Verde Podem se dar as Mãos

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O segundo turno oferece a oportunidade para o encontro entre a esquerda histórica e uma nova cultura política. Um gesto simbólico de Lula e Dilma poderia abrir caminho para tanto.
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A “onda vermelha” aparece em todas as eleições, desde que Luva as vem disputando. Nesta última veio antes da verde, cronologicamente. Atingiu seu ápice em meados de setembro, recuando em parte nas três semanas anteriores às urnas. Entusiasmadas pelo inédito  movimento de redistribuição de riqueza ensaiado no governo Lula, as maiorias questionaram o poder dos ainda existentes coronéis (locais e regionais); a ditadura da mídia piramidal  que vai da platinada TV Globo à abominável Veja; a influência dos “formadores de opinião” da classe média conservadora; a força dos velhos preconceitos econômicos, segundo os quais investimento público é sinônimo de “gastança” desenfreada.
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Os efeitos deste grande movimento são generalizados. Na disputa presidencial, a diferença entre PT e PSDB – os partidos que expressam, no imaginário popular, democratização e elitismo – alargou-se de 7 pontos percentuais, no primeiro turno de 2006, para 14,3 agora. No plano estadual, o PT obteve vitórias emblemáticas no Rio Grande do Sul e, quase certamente, Distrito Federal. Tanto no Senado quanto na Câmara os partidos que compõem a base de Dilma ultrapassaram os 60% necessários para mudanças constitucionais.
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No Senado, aliás, o DEM, melhor expressão da rabugenta direita, viu sua bancada reduzir-se de 14 integrantes para apenas dois, confirmando seu possível fim, como sugerira o presidente Lula durante a campanha; enquanto a do PSDB encolheu de 8 para 5. PSOL e PCdoB, que não haviam elegido senadores em 2002, têm agora, respectivamente, dois e um representantes. A casa ficou livre, além disso, de alguns ícones sagrados do conservadorismo, como Tasso Jereissati (PSDB-CE), Arthur Virgílio (PSDB-AM), Marco Maciel (DEM-PE) e Heráclito Fortes (DEM-PI). Na Câmara dos Deputados também houve guinada à esquerda, embora menos pronunciada. Enquanto outras figuras como Fernando Collor (o caçador de marajás, fujão) em Alagoas, Angela Amin em Santa Catarina, Yeda Crucius no Rio Grande do Sul, Cesar Maia no Rio de Janeiro e Jarbas Vasconcelos em Pernambuco, que acabou por amargar a maior derrota que um político já sofreu em solo pernambucano.
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Já a “onda verde”, desconhecida até então, formou-se na reta final da campanha. Em menos de vinte dias, Marina Silva ( ex PT) passou de cerca de 12% das intenções de voto para 19,3%, no cômputo final. É o triplo do percentual  de 6,85% alcançado por Heloísa Helena no primeiro turno de 2006, quando a então candidata do PSOL também representou uma espécie de terceira força. Mas a evolução qualitativa é ainda mais importante que a numérica. Heloísa expressava essencialmente uma frustração e um protesto – contra Lula e o PT. Setores da esquerda e  - principalmente - da classe média, que idealizavam um governo mais radical - ou mais puro - que o real, descarregaram sua decepção na figura da senadora, amarga e embrabecida.
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Marina é o passo adiante. Ela emociona-se ao descrever a angústia que sentiu, ao separar-se do PT. Reconhece os grandes avanços sociais dos últimos oito anos e o papel democratizador desempenhado pela esquerda histórica. Mas pensar isso não basta. Embora a enxurrada de votos que recebeu nos últimos dias tenha origens diversas e até contraditórias, o sentido político e simbólico que deu à sua candidatura é inconteste. Ela sugere que não basta integrar as maiorias nos padrões de produção e consumo do capitalismo, livrando-as da “exclusão”. É possível discutir os sentidos do desenvolvimento.
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Afinal, que projetamos, como futuro coletivo? O “direito” dos pobres a seguir a classe média e mofar horas enjaulados em seus automóveis, todos os dias? O aumento indefinido da produção de energia, para que o consumo de latinhas de alumínio continue se expandindo? Casas para todos, mesmo que em regiões remotas das metrópoles, onde a natureza foi agredida e a mobilidade é quase nula? O título de maiores exportadores mundiais de alimentos, às custas de nossas florestas e preservando os latifúndios?
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Marina não recebeu, é claro, apenas os votos de quem faz estes questionamentos. Ela foi beneficiada pelos eleitores que a mídia brasileira, - causando estupor no meio midiático internacional - após uma campanha abjeta e recheada de calúnias, conseguiu tirar de Dilma – mas não foi capaz de transferir a Serra. Em seu colo caíram, também, as adesões por preconceito: gente amedrontada, nos grotões, por ouvir dizer que a candidata de Lula promove o aborto, é ateia, flerta com seitas satânicas.
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A emergência tão abrupta da figura política de Marina é mais um sinal de que o Brasil está mudando. Mas ao mesmo tempo em que confirma a potência das políticas de Lula, este fenômeno convida a atualizá-las, para que não se tornem repetitivas e obsoletas. A inclusão social, a criação da “nova classe média”, a “emergência das classes C e D” são reais e benvindas, mas já não bastam.
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Superada a “exclusão”, conquistado um lugar ao sol no pátio do capitalismo, uma nova questão se apresenta. Como continuar reinventando a vida? Certas análises muito recentes, sobre o primeiro turno brasileiro de 2010, tendem a diagnosticar a tendência de parte dos “incluídos” ao conservadorismo. Vencida a condição de miserável, uma parcela se tornaria refratária às propostas que sugerem novas mudanças: ou por temer regressar à condição anterior ou por querer diferenciar-se da massa dos pobres, que votam à esquerda. Esta seria a razão para Dilma ter obtido, no Nordeste e Norte – as regiões mais beneficiadas pelos programas sociais – dianteira inferior à que se previa.
Marina seduziu, provavelmente, uma parte importante (talvez majoritária…) deste eleitorado. Ele não se confunde com a ultra-esquerda clássica. Por isso, não optou pelo PSOL (embora tenha, certamente, admirado a participação irreverente e pedagógica de Plínio Sampaio nos debates). Nem presta atenção ao fato de a candidata do PV ter como vice um empresário cotado na lista Forbes dos bilionários globais; de voar a bordo do jatinho mais luxuoso da campanha; de ter, como assessor econômico, alguém mais neoliberal que o próprio Serra; de ter se filiado a um partido cujo passado é marcado pelo fisiologismo. Muito além da causa ambientalista, este eleitorado vê, no Verde de Marina, o símbolo de uma ideia-base: não basta matar a fome, nem incluir a todos na ordem atual; temos um mundo e um país a inventar.

O importante, no momento, é perceber que Marina ajudou a expressar um fenômeno que Lula, Dilma e a esquerda que os apoia deveriam festejar, em vez de lamentar. Este setor, que se ampliará cada vez mais à medida em que ficar para trás a fase da mera “inclusão”, será contraponto aos “novos conservadores” e a seu peso imobilizante.
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Promover o encontro entre o Vermelho e o Verde – ou seja, entre a esquerda histórica e os desejos de pós-capitalismo que emergem – é algo cuja importância vai muito além das eleições. Desta sintonia, difícil e delicada, porém necessária, dependerá a possibilidade de o Brasil continuar a ser, nas próximas décadas, um símbolo de criação política – muito mais que de “inclusão”.
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Será excelente se surgirem, já na caminhada para o segundo turno, sinais de que tal confluência é possível. Eles terão de vir na forma de acenos de Lula, Dilma e partidos aliados a Marina e seu eleitorado. Cabe a quem exerce o governo sinalizar que pretende fazê-lo incorporando novas agendas, projetos e métodos – ou seja, revendo parte de sua prática. Lula conhece como poucos a importância e a força dos atos simbólicos. Terá diversas oportunidades para promovê-los.
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É um exemplo, entre tantos outros possíveis. Em gestos singelos como este pode estar a chave para que o Vermelho e o Verde estabeleçam, no Brasil, uma sintonia estratégica que, além de mudar a face do país, teria imensa repercussão mundial.

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