Aonde Eles Pretendem Chegar?
Ri do quê? Este ministro nos deixa intranquilos.
Foto:
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Mala tempora
currunt, costumava dizer meu pai quando a situação política azedava. Maus
tempos chegaram, em tradução livre. Ele usava relógio de bolso de ouro de
celebérrima marca suíça, presente de meu avô materno, Luigi, munido de tampa
sobre a qual se lia, gravado em latim, o seguinte dizer: nada aconteça que você
não queira lembrar. Nem sempre, contudo, a vida sorri. Falo de cátedra, porque,
quando meu pai morreu, herdei o relógio na qualidade de filho primogênito. Não
o uso, mas o guardo com carinho e neste momento vejo meu pai a erguer a tampa
com um leve toque de ponta de indicador e pronunciar, entre a solenidade e a
pompa, mala tempora currunt.
Há qualquer coisa no ar que me excita negativamente e me
induz a pensamentos sombrios, algo a recordar tempos turvos, idos e vividos. É
a lembrança de toda uma década, espraiada malignamente entre o suicídio de
Getúlio Vargas e o golpe de 1964, aquele executado pelos gendarmes da
casa-grande, e exército de ocupação. Dez anos a fio, a mídia nativa vociferou
contra líderes democraticamente eleitos e se expandiu em retórica golpista logo
após a renúncia de Jânio Quadros.
Muita água passou debaixo das pontes, embora algumas
delas levem o nome de ditadores e até de torturadores, mas o tom atual
desfraldado à larga pelos barões midiáticos e seus sabujos não deixa de evocar
um passado que preferiria ver enterrado. Talvez esteja, de alguma forma, mesmo
porque as personagens têm outra dimensão. Os propósitos são, porém,
semelhantes, segundo meus intrigados botões. Acabava de lhes perguntar: qual
será o propósito destes comunicadores, tão compactamente unidos no ataque
concentrado ao PT no governo? Qual é o alvo derradeiro?
A memória traz à tona Jango Goulart e Leonel Brizola, a
possibilidade de uma mudança, por mais remota, e os alertas uivantes quanto ao
avanço da marcha da subversão. Os temas agora são outros, igual é o timbre.
Além disso, na comparação, mudança houve, a despeito de todas as cautelas e do
engajamento tucano, com a eleição de Lula e Dilma Rousseff. Progressos sociais
e econômicos aconteceram. O ex-presidente tornou-se o “cara” do povo brasileiro
e do mundo, a presidenta, se as eleições presidenciais se dessem hoje, ganharia
com 70% dos votos.
Percebe-se, também, a ausência de Carlos Lacerda. Ao
menos, o torquemada de Getúlio e Jânio lidava melhor com o vernáculo do que os
medíocres inquisidores de hoje. Medíocres? Toscos, primários, sempre certos da
audiência dos titulares e dos aspirantes do privilégio, em perfeita sintonia
com sua própria ignorância. Contamos, isto sim, com o Instituto Millenium. Há
quem enxergue na misteriosa entidade, apoiada inclusive com empresários tidos
como próximos do governo, uma exumação do Ibad e do Ipes, usinas da ideologia fascistoide que foi plataforma de lançamento do golpe de 64.
Até onde vai a parvoíce e onde começa o fingimento? É
possível que graúdos representantes do poder econômico não se apercebam das
responsabilidades e alcances da sua adesão ao insondável Millenium? Ou estariam
eles incluídos na derradeira prece de Cristo na cruz: perdoe-os, Pai, eles não
sabem o que fazem? Que o golpismo da mídia da casa-grande seja irreversível é
do conhecimento do mundo mineral. Causa espécie o envolvimento de
personalidades aparentemente voltadas aos interesses do País em lugar daqueles
da minoria.
Causa espécie, em grau ainda maior, a falta de reação
adequada por parte do governo, inerte diante da ofensiva da autêntica oposição,
o partido midiático. Não basta dizer, como o ministro Gilberto Carvalho, que o
povo está satisfeito com o bom governo de Lula e Dilma, enquanto a própria
liderança do PT recomenda ao relator da CPI do Cachoeira, o intimorato Odair
Cunha, que retire os halfos para o morrinho e Policarpo Jr. do rol dos
passíveis de indiciamento.
E aí se apresenta o ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, empenhado no esforço de demonstrar que não foi ignorado pela Polícia
Federal no episódio destinado a exibir as mazelas do terceiro escalão
governista. Notável protagonista, altamente representativo. Precioso aliado do
banqueiro Daniel Dantas em determinadas ocasiões, como, de resto, muitos outros
“esquerdistas” brasileiros. Ah, sim, Cardozo acha que Lula provou sua inocência
no caso da secretária Rose e de suas consequências. Acha? Ainda bem. Soletra ele, diante das câmeras da tevê: “Imaginar que o ex-presidente
estivesse envolvido por trás disso, está, a meu ver, desmentido”. A meu ver?
Estivesse eu no lugar de Lula e de Dilma, viveria apavorado ao perceber este
gênero de comandantes à frente do meu efetivo.
E à presidenta, que CartaCapital apoiou e apoia,
recomendamos a leitura de um dos mais qualificados arautos da direita golpista.
Merval Pereira não se confunde com Carlos Lacerda, mas na semana passada avisou
não ser o caso de isentar Dilma das denúncias de corrupção, presentes e passadas. Está clara a intenção de aplicar à presidenta
a tese do domínio do fato.
Por Mino Carta, na Carta Capital
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