O Recife Acordou









Este é um projetinho antigo: fotografar o Recife às primeiras e às últimas horas... Os manguezais, as pontes, os rios... e o que mais estiver "ao redor", pegando carona no título do ótimo filme pernambucano "O Som ao Redor".

Hoje não acordei para iniciar este projeto, mas, como acordo sempre por volta das quatro da manhã, deixei-me comandar, não sei se pela preguiça ao deixar de caminhar, ou se pela necessidade de dar início a esse sonho.

Câmera e tripé na mão, estacionei próximo à Ponte da Capunga (na foto acima), em frente a um dos luxuosos prédios da Beira Rio. Ao desembainhar o tripé, ouvi o comentário do segurança da guarita falando por rádio com um colega: "Tá acontecendo alguma onda aqui na frente!"...

Realmente, um tripé com a câmera acoplada àquelas horas da manhã, sendo movimentada dentro de um carro chegado meio na contramão, poderia ser confundido mesmo com um fuzil ou coisa parecida.

Me aprecei em mostrar os documentos: a câmera e o tripé.

Fiz uma boa série de fotos a partir das calçadas dos dois lados da ponte, e também com o tripé armado bem no meio da rua (ponte), aproveitando o ainda pouco movimento de carros.

Entusiasmado com os resultados apanhei o carro e segui para a Ponte da Torre, que fica próxima. Lá fiz mais um montão de tomadas.

Já retornando para casa, resolvi seguir uma rota diferente e passei embaixo do Viaduto da Torre. As cores daquelas primeiras horas refletindo no rio, o imenso viaduto sobre a cabeça... Parei para mais uma sequência de fotos.

As colunas do viaduto estavam grafitadas, e em uma delas o artista pintou uma casa, com janelas e porta, e ainda lhe deu o nome de um bairro próximo: Casa Forte, imortalizado na letra de Leão do Norte, de Lenine.

Apressadamente já havia feito as primeiras fotos, preocupado com o também apressado raiar do Sol, quando percebi um morador de rua (?) em sono profundo no seu colchão de casal... Sem cobertas, sem travesseiro, sem portas, sem ar condicionado, mergulhara nos braços de Morfeu, em sua "casa forte", aos cuidados da natureza.

Questionei-me por alguns segundos se teria o direito de invadir sua privacidade e fotografá-lo. Mas, qual privacidade? Sua vida não é privada, sua vida é pública. Só seus pensamentos, seus questionamentos e suas conclusões são privadas, e a elas eu não tinha acesso.




Fotografei uma única vez.

Ao procurar um novo ângulo para fotografar um imenso esgoto que escorria preguiçosamente seu líquido de cor indefinida nas águas quase semelhantes do nosso querido Rio Capibaribe, fui sacudido daquela quietude por um grito vindo de um carro da Polícia Militar que ainda estava em movimento, enquanto se aproximava melhor do meio fio para estacionar.

Apanhei a câmera acoplada ao tripé e caminhei os cinquenta metros que nos separavam. Eram três seus ocupantes, que permaneceram no interior do veículo, à minha espera.

"Tem um rapaz dormindo próximo àquela coluna?"

Perguntou-me o que estava no banco de trás.

Respondi que sim, e ele ergueu um saco com três embalagens aluminizadas, ainda quentes, e me disse: "Entregue essa comidinha pra ele". E se foram.

Era o Recife... Acordando...


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