Como entender Marina?
Vale confiar em uma candidata que atribui a sua chance à Providência Divina?
Editorial da "Carta Capital"
A candidata do PSB, sem ser socialista, é um poço de confusão e contradições
Volto de viagem ao exterior e retomo meu
espaço habitual. Em Roma, li uma análise a respeito da candidatura de Marina
Silva que coincide com a avaliação de CartaCapital.
No jornalLa Repubblica, dos três de circulação realmente nacional, o de
maior tiragem juntamente com o Corriere
della Sera, e, na minha opinião, o melhor de todos.
Diz o
diário que Marina Silva tem um passado honroso e nem por isso as qualidades
necessárias ao exercício da Presidência de um país do tamanho e da importância
do Brasil. Sua formação política é precária e suas ideias, quando manifestadas
com um mínimo de clareza semântica, são confusas e contraditórias, de sorte a
ressaltar a dramática incógnita que a candidata representaria se eleita.
O texto do La
Repubblica confirma as nossas
previsões, feitas nesta página no momento em que ficou assentada a substituição
de Eduardo Campos por Marina Silva. Ou seja: ela seria tragada pelo apoio da
mídia nativa, autêntico partido de oposição, porta-voz da casa-grande, e por
esta arrastada inexoravelmente para a direita mais retrógrada.
E aí
começam a confusão e a contradição da candidata do PSB sem ser socialista. Ela
passou a ocupar a cena política brasileira como inimiga do latifúndio e da
devastação ambiental, o que implica uma postura oposta àquela dos seus atuais
arautos e conselheiros, adeptos, além de tudo, da involução globalizada, dita
neoliberalismo, a desencadear a crise mundial. Eis perfilada a ameaça: o
retorno à política econômica do governo de Fernando Henrique Cardoso, quando,
em nome da estabilidade, o Brasil quebrou impavidamente três vezes e foi
entregue ao presidente Lula com as burras à míngua.
Uma
ação leva a outra, e haveria a se temer também pela renúncia a uma política
exterior que, depois de FHC, desatrelou o Brasil dos interesses de Washington.
Há quem diga que o fenômeno Marina Silva de certa forma repete deploráveis
momentos históricos vividos em 1960 com Jânio Quadros e em 1989 com Fernando
Collor. Com o endosso maciço da mídia, o homem da vassourinha e o caçador de
marajás foram eleitos. A Presidência de ambos redundou em desastre.
CartaCapital acredita
que nas mãos da ex-seringueira o destino do Brasil não seria promissor. Mas
acredita também que desta feita o País saberá evitar o risco, e não receia
abalar-se a um vaticínio que muitos reputarão prematuro. Nadar contra a
corrente estimula quem dá a braçada honesta.
Vale
registrar, de todo modo, que esta nossa ribalta se oferece a personagens
singulares, ou, se quiserem, peculiares, prontamente engolfados pela direitona
sempre disposta a agarrar em fio desencapado. Não me permito incluir no rol de
alternativas desesperadas o já citado Fernando Henrique, habilitado a tornar-se
paladino de quaisquer ideias e tendências ao sabor do que entende como
conveniência pessoal.
Nunca
esquecerei aquela noite em Rafard, interior de São Paulo, na campanha para a
primeira eleição a governador do estado em 1982. O príncipe dos sociólogos
concedia sua arenga aos boias-frias da área enquanto a brisa noturna sussurrava
nos canaviais, e Mario Covas sentou-se ao meu lado na amurada da boleia de um
caminhão transformada em palanque. Meneava a cabeça, a significar: “Quantas
besteiras...”
O
mesmo Covas que ameaçou largar o PSDB caso FHC aceitasse o convite de Collor
para ser seu chanceler. E não é que o homem quase embarcou na canoa furada?
Sobra minha surpresa ao constatar que dentro do próprio ninho tucano o
candidato Aécio, que me mereceu simpatia desde o tempo em que carregava a pasta
do avô Tancredo, confia no ex-presidente. Tancredo, aliás, dizia do sociólogo:
“É o maior goela da política brasileira”.
Ao
cabo, pergunto aos meus botões se vale confiar, em contrapartida, em uma
candidata que, ao se apresentar como tal, atribui a sua chance à Providência
Divina. Teríamos de entender que a mesma manifestação do Altíssimo determinou a
morte trágica de Eduardo Campos? Os botões, como Mario Covas, exprimem o
oximoro do espanto resignado.
P.S.:
O governador do Ceará, Cid Gomes, um dos melhores do País com 80% de aprovação,
segundo pesquisa Datafolha de agosto passado, move ação por calúnia contra a
semanal IstoÉ, que o acusa de envolvimento no Caso Petrobras. É o recurso
recomendável contra quem carece de provas, como é da tradição dos porta-vozes
da casa-grande. Não precisava, contudo, pedir a apreensão da revista. Isto
equivale a oferecer aos caluniadores munição de graça..
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