Metri: Retórica da crise na Petrobras serve aos “traidores do povo”
O petróleo,
a Petrobras e a geopolítica: Entrevista com Paulo Metri
O ano de
2014 foi marcado por dois acontecimentos que afetam frontalmente a Petrobras,
maior e mais importante estatal brasileira. Foram estes a enorme queda no preço
do petróleo e a vinda à tona do já antigo cartel e propinoduto que azeitava
executivos de empreiteiras, altos funcionários e partidos políticos.
Chamado de
“petrolão” por razões puramente propagandísticas, o que vimos foi o uso
indiscriminado deste esquema para explicar todo e qualquer fato negativo que
envolvesse a Petrobras. Bastante clara também foi a tentativa de emplacar no
atual governo federal toda a culpa por esse esquema atuante desde no mínimo a
década de 90.
A fim de
trazer uma informação contextualizada e menos influenciada por interesses
escusos, entrevistei o conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do
Correio da Cidadania, Paulo Metri. Atento a toda a movimentação nacional e
internacional do setor, Metri enxerga uma estratégia geopolítica em torno da baixa
no preço do barril, considera que o risco de sanções judiciais influencia nas
ações da estatal e diz ainda que os últimos governos – tanto tucanos quanto
petistas – erraram em fazer tantos leilões de áreas de reservas petrolíferas e
de gás natural.
Confira:
Este ano
ocorreu uma queda substancial no preço do barril de petróleo. Como explicar
este fato?
Metri:
Trata-se de uma manobra de países grandes exportadores de petróleo para forçar
uma baixa no preço do barril. A pergunta que todos fazem no momento é: “Por que
os grandes exportadores estão inundando o mercado mundial de petróleo?”
Não se
trata da entrada de um novo país exportador querendo colocar seu produto e,
assim, induzindo a baixa. Também, petróleo não é um produto com alto grau de
elasticidade que, com o barateamento do preço do barril, seu consumo passa a
ser maior e, desta forma, os países exportadores não sofrem grande perda nas
suas receitas.
Por outro
lado, a OPEP existe desde os anos 1960 e é um cartel dos grandes exportadores
atuando às claras. Ela sabe atuar para segurar o preço do barril a um nível
escolhido. Fizeram isto muito bem em 1973 e 1979.
Então,
restam, como explicações plausíveis para o aumento da oferta mundial de
petróleo, que resultou na queda do preço do barril, duas hipóteses: (1)
“dumping” promovido para matar a concorrência do óleo e gás de xisto e (2)
jogada estratégica para criar grande dificuldade econômica a países com forte
concentração da receita do petróleo no total das exportações.
Que países
sentem os efeitos dessa baixa?
Metri:
Sentem, como efeito positivo, todos os grandes importadores de petróleo do
mundo. Por exemplo: Estados Unidos, China, Alemanha, Japão, Índia e França.
Inclusive, esta queda no preço do barril deverá ajudar a recuperação da
economia mundial.
Sentem,
como efeito negativo, como já foi dito no item anterior, os exportadores nos
quais a receita do petróleo é preponderante no total das exportações. Como
exemplo, creio que todos que compõem a OPEP: Angola, Argélia, Líbia, Nigéria,
Venezuela, Equador, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Iraque, Kuwait
e Catar. Além destes, a Rússia, que não é membro da OPEP.
Porque a
OPEP está mantendo a superprodução? Que países a bancam? Quem são os
beneficiados dessa medida?
Metri:
Houve uma reunião recente da OPEP, na qual foi decidido, por maioria, que os
países continuariam com as cotas de exportação que levaram à queda do preço do
barril. Existia, nesta reunião, uma proposta da Venezuela para reduzir estas
cotas de forma a segurar o preço do barril em torno de US$ 100. Ela foi
derrotada.
A
informação de quais países da OPEP bancaram esta decisão não é conhecida. Mas,
fala-se que foram principalmente os países do Oriente Médio, sob a liderança da
Arábia Saudita.
Quanto aos
beneficiários desta medida, já foi respondido na pergunta anterior.
Uma
pergunta que pode ser feita é: “Se os países-membros da OPEP, do Oriente Médio,
saem prejudicados também, com menores receitas de exportação, porque eles
forçaram a queda do preço do barril?” A única resposta plausível é que se trata
de uma jogada geopolítica, envolvendo potências mundiais para aumentar seus
poderios a nível internacional. E os países do Oriente Médio teriam
compensações. Eventualmente, as compensações seriam dadas somente às
oligarquias dominantes destes países.
Assim, os
países alvo, que sairão muito prejudicados desta possível articulação, são
Rússia, Irã e Venezuela, “casualmente” países desafetos dos Estados Unidos.
Em relação
ao fracking. O petróleo de xisto tem potencial de fazer frente ao tradicional?
Que efeitos geopolíticos são esperados com a massificação dessa prática?
Metri: No
artigo de André Garcez Ghirardi, intitulado “Petróleo: a virada nos mercados
globais e o pré-sal”, é dito que, tomando um preço médio do barril de US$ 85
nos próximos quatro anos, “estima-se que ainda permanecem claramente viáveis os
melhores empreendimentos petroleiros fora da OPEP – a exemplo do Golfo do Texas
nos EUA – assim como a produção brasileira na Bacia de Campos e no pré-sal de
Santos, e ainda as áreas não convencionais (xisto) mais produtivas dos EUA, a
exemplo da bacia de Bakken”.
Ele
continua dizendo: “Mas o preço de 85 dólares seria insuficiente para viabilizar
a produção de petróleos mais caros como o não convencional (xisto) de áreas
menos produtivas dos EUA (Woodford no Oklahoma) ou o pré-sal de Angola, ou as
areias betuminosas canadenses, ou mesmo o petróleo ultra-pesado da Faixa do
Orinoco na Venezuela.”
Uma das
conclusões destas afirmações é que cada reserva é um caso específico, que deve
ser analisada isoladamente. Grandes generalizações não são recomendáveis.
Como ficam
a Petrobras e o Pré-Sal neste quadro? A exploração do Pré-Sal permanecerá
viável?
Metri: É
preciso fazer análises também para valores menores que US$ 85/barril. Fala-se
até que o barril pode se estabilizar em US$ 60.
A
Petrobras, por razões empresariais, não divulga o custo do barril do Pré-Sal.
Entretanto, conhece-se como custo médio o valor de US$ 45. Além das condições
de cada reservatório, os tributos (royalties, participação especial,
contribuição para o Fundo Social e outros), dependem se a área foi concedida,
cedida onerosamente ou entregue através de contratos de partilha. Então, estes
US$ 45 podem variar muito. Mas, mesmo para o pior caso, o barril não deve
ultrapassar US$ 60.
Quanto aos
campos da bacia de Campos, o custo médio do barril está em US$ 15 e, assim, não
há a mínima preocupação.
Como e em
que medida os escândalos da Lava-Jato contribuem com a desvalorização da
Petrobras?
Metri: A
desvalorização das ações da Petrobras é, no meu entendimento, relacionada com a
possibilidade dela ter que pagar altas indenizações da Justiça, a dúvida se o
governo brasileiro conseguirá sustar a avalanche de roubos (que a nova
diretoria de Governança não vai sustar) e, também, a manipulação de grandes
investidores.
Um destes
investidores, quando compra uma ação da Petrobras, é porque a perspectiva de
lucros futuros e de crescimento do patrimônio justificará a permanência do
dinheiro nela aplicado. E ela, ainda hoje, se sai muito bem nesta avaliação.
Os grandes
investidores sabem que, quando as massas, sem fazer esta análise, em movimento
emocional, passam a vender, é o momento de comprar.
Quanto ao
caixa da empresa. É verdade que a Petrobras está numa situação financeira
dificultosa?
Metri:
Está, sim, em uma situação financeira apertada porque os governos FHC, Lula e
Dilma já colocaram mais de 1.000 áreas do território nacional, propícias a
terem reservas de petróleo e gás, em leilão através de 12 rodadas da ANP, e
graças a um esforço gigantesco da Petrobras, para não deixar nosso petróleo ser
usufruído por petrolíferas estrangeiras, ela arrematou muitas destas áreas.
A
Petrobras, com as reservas conhecidas até 2007 (ano da descoberta do Pré-Sal),
abastece o Brasil durante 17 anos. Com as reservas do Pré-Sal pertencentes à
Petrobras, o país estará abastecido por mais de 50 anos. Então, não havia
necessidade de tantos leilões.
O país
poderia, através da Petrobras, produzir petróleo para exportação. Mas, a
exportação só deveria acontecer se o fluxo de caixa da empresa gerasse os
recursos necessários para a implantação dos novos campos de exportação.
Ou seja, a
velocidade de leilões e da implantação de campos requerida pela ANP devia se
adequar à disponibilidade financeira da Petrobras. Implícito está que fazer
leilão para entregar o petróleo para empresas estrangeiras que irão exportá-lo
é o pior dos mundos.
Finalmente,
registre-se, por tudo que foi explicado, que a corrupção não é a causa
principal para a Petrobras estar com dificuldade financeira de curto prazo.
Porque a
retórica da crise na nossa mais importante estatal é tão explorada? A que
interesses ela serve?
Metri: Ao
capital internacional, principalmente às petrolíferas estrangeiras, e aos seus aliados
no país, verdadeiros traidores do povo brasileiro.
Serve,
também, para a direita conseguir ludibriar incautos para, eventualmente, passar
a deter o poder político do país.
A grande
mídia reverbera a propaganda privatista? Porque?
Metri: A
grande mídia é parte integrante do grande capital, principalmente daquele
internacional.
O setor
privado é menos corrupto que o público?
Metri: O
corruptor, em todas as denúncias que nos chegam, é sempre um ente privado.
Nunca vi um corruptor estatal. O corruptor (o agente ativo da corrupção) é tão
corrupto quanto o agente passivo da corrupção, que é um funcionário do Estado.
No entanto,
há roubos também dentro de empresas privadas. Quantas vezes ouve-se dizer que
um sócio roubou o outro sócio? E o contador que rouba a empresa? O caso mais
didático de roubo dentro de empresas privadas, que conheço, foi o dos CEO de
empresas americanas, durante a crise de 2008, que deixaram suas empresas à
beira da falência, mas eles tiveram excelentes remunerações.
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