VI CAPLÍTULO DO CALOTE DA REDE GLOGO - “Abrir empresa em paraíso fiscal faz parte de um velho modus operandi da Globo”
O golpista Roberto Marinho
O deputado estadual Paulo Ramos apresentou na
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, um projeto de lei com chance zero de
aprovação, mas que deveria provocar algum tipo de debate na sociedade. Ele quer
que as empresas de comunicação que recebem verbas públicas, na forma de
publicidade, sejam obrigadas a divulgar no diário oficial do Estado os nomes e
os salários de seus funcionários.
“Saiu no jornal a notícia de que o
William Bonner ganha mais de um milhão de reais por mês. Isso não é salário,
parece lavagem de dinheiro. Onde já se viu um jornalista ganhar tudo isso? De
onde sai recurso para pagar salário nesse patamar? Uma parte a gente sabe, é da
verba de publicidade do governo”, diz. Paulo Ramos sustenta o argumento de que
salários milionários deixam de ser assunto privado quando quem paga essa
quantia é uma empresa que recebe verba pública, e é acusada de sonegar
impostos, como é o caso da Globo.
A origem desses privilégios é anterior
a 1964, quando houve o golpe militar e a hegemonia da rede de televisão se
consolidou. Um dos livros de cabeceira de Ramos é “A História Secreta da
Globo”, do professor Daniel Herz, já falecido. “Abertura de empresa em paraíso
fiscal e sonegação são parte do modus operandi da Globo há muito tempo”, afirma
Ramos.
Herz procurou nos arquivos do
Congresso Nacional as atas de uma CPI de 1965, que investigou a sociedade da
Globo com o Grupo Time Life, dos Estados Unidos, num tempo em que a lei proibia
o investimento estrangeiro nas empresas de comunicação. Encontrou um
interessante depoimento do ex-governador do Rio, Carlos Lacerda, que era dono
de um jornal e se batia contra esse investimento estrangeiro, que colocava a
Globo em condições muito superiores na concorrência com outras emissoras de TV.
Insuspeito no tema, Lacerda mostrou na
CPI um editorial do jornal O Globo, publicado em 7 de janeiro de 1963, que
chamava o presidente João Goulart de estadista. Para Lacerda, um editorial
estranhíssimo, “quando o presidente João Goulart parecia o anticristo” para
Roberto Marinho. Lacerda encontrou na Caixa Econômica Federal a razão do
editorial: um empréstimo milionário, a juros baixos, liberado 24 horas antes.
Logo depois, lembra Lacerda, O Globo
voltou à posição antiga e, denunciando corrupção e um suposto envolvimento do
produtor rural João Goulart com o comunismo soviético, apoiou o Golpe de 64.
Aliados de Roberto Marinho – inclusive o próprio advogado, Luiz Gonzaga do
Nascimento Silva – integraram o ministério do primeiro governo militar.
Em 1968, contra pareceres técnicos e o
relatório da CPI, que recomendava a cassação da Globo, a emissora de Roberto
Marinho recebeu o registro definitivo de sua concessão, que vem sendo renovada
até hoje.
“O que aconteceu no passado é um
alerta para gente do governo Dilma que acha que pode haver algum tipo de
aliança com a TV Globo. João Goulart era estadista um dia, e comunista no
outro”, diz Paulo Ramos.
Na ditadura militar, segundo o livro
de cabeceira de Paulo Ramos, a Globo consolidou seu poder, mas na Nova
República, com Tancredo Neves, Roberto Marinho ampliou seu raio de ação, ao
nomear o próprio ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, decisivo
num episódio de disputa comercial.
Marinho queria o controle da NEC, a
empresa que vendia equipamentos para o sistema de telecomunicações brasileiro,
a antiga Telebrás, mas o dono, um empresário duro na queda, não queria vender.
Por decisão de Antônio Carlos
Magalhães, a Telebrás deixou de comprar equipamentos da NEC e asfixiou a
empresa. Ao mesmo tempo os veículos da Globo – jornal, rádio e TV – moviam uma
campanha de notícias negativas contra o empresário que se opunha a Roberto
Marinho na disputa pelo controle da NEC.
O empresário chegou a ter sua prisão
preventiva decretada antes de receber em sua casa, no bairro do Morumbi, em São
Paulo, um emissário da Globo, para assinar o termo de rendição: o contrato em
que vendia por 1 milhão de dólares o controle da NEC. Pouco tempo depois,
quando, por decisão de Antônio Carlos Magalhães, o governo voltou a comprar
produtos da empresa, a NEC já valia mais de 350 milhões de dólares, em dinheiro
da época.
Dois fatos relevantes: o emissário de
Roberto Marinho nesse encontro no Morumbi era o filho do então ministro do
Exército, Leônidas Pires Gonçalves, funcionário da Globo, e a família de
Antônio Carlos Magalhães recebeu, alguns meses depois, o contrato de afiliada
da rede no Estado da Bahia. O empresário batido no caso da NEC, Mário Garnero,
recuperou poder e prestígio, recolocando o grupo Brasilinvest num patamar de
destaque, mas amigos dizem que ele ainda tem a Globo entalada na garganta.
Hoje com 70 anos de idade e filiado ao
PSOL, Paulo Ramos não esquece a cena. Era 1981. Alguns jornalistas que ele
conhecia no jornal O Globo conseguiram marcar uma audiência com Roberto
Marinho. Paulo Ramos chegou no horário, mas teve de esperar na antessala muito
tempo – ele não se lembra quanto, mas sabe que foi muito.
Depois do chá de cadeira, Roberto
Marinho o recebeu. De pé. Perguntou o que ele queria. Paulo Ramos disse que um
amigo era vítima de uma campanha que ele considerava caluniosa promovida pelos
veículos das Organizações Globo e ele queria o direito de resposta. “Roberto
Marinho me ouviu, não disse nada e quando perguntei se ele teria a oportunidade
de dar entrevista, afirmou: ‘O senhor verá a minha resposta pelo jornal’”.
O massacre continuou e o amigo,
acusado de ser mandante de um crime, não teve o direito de resposta. Acabou
condenado a 21 anos de prisão. “Foi uma injustiça, um linchamento”, diz Paulo
Ramos, que era major da Polícia Militar e tinha trabalhado no setor de relações
públicas da corporação.
O prédio à esquerda é onde ficava a cobertura de Roberto Marinho
Embora vestisse farda numa época de ditadura
militar, era um peixe fora d’água. Presidente do Clube dos Oficiais, liderava
campanhas por melhores salários do funcionalismo e, politicamente, era alinhado
ao grupo dos chamados autênticos do PMDB. Cinco anos depois se elegeu deputado
federal e recebeu nota 10 do DIAP, órgão do Dieese, por sua defesa dos direitos
dos trabalhadores.
Na Câmara dos Deputados, Paulo Ramos
se tornou também uma pedra no caminho da Globo, o que lhe valeu a aproximação
com o governador Leonel Brizola. Conseguiu aprovar duas CPIs – uma da NEC e
outra da Fundação Roberto Marinho – e usou a tribuna para denunciar o que ele
considera crimes da Globo, incluindo remessa ilegal de dólares ao exterior,
sonegação fiscal, empréstimo de bancos públicos a juros irrisórios e
construções ilegais.
Nunca teve espaço na imprensa, mas ainda
assim continuou se reelegendo. Seu sonho é que o amigo condenado seja
reabilitado. Trata-se do capitão Levy de Araújo Rocha, que foi comandante de
uma companhia da PM em Petrópolis e lá combateu o tráfico de drogas. Deixou uma
boa impressão e foi transferido para Copacabana.
Lá, em dezembro de 1980, um ex-cabo do
Exército, Júlio, foi assassinado. Os homens que cometeram o crime acusaram Levy
de ser o mandante, mas Paulo Ramos, que conhecia o capitão, nunca acreditou.
Duas semanas depois, um amigo do cabo Júlio, que estava com ele no momento do
crime e conseguiu fugir, foi sequestrado na praia de Piratininga, em Niterói.
Ironia do destino, esse amigo do cabo
Júlio estava na companhia do filho do jornalista Luiz Jatobá, famoso por ser um
dos primeiros locutores do Repórter Esso. O amigo do cabo Júlio e o filho do
jornalista estão desaparecidos até hoje, e os corpos nunca foram encontrados,
mas não há mais dúvida sobre o mandante do sequestro: o bicheiro Aniz Davi
Abrão, o Anísio de Nilópolis, dono da escola de samba Beija-Flor.
Se mandou sequestrar a testemunha do
assassinato, não teria Anísio sido também o mandante do crime em Copacabana?
Faz sentido. Nesse caso, a condenação do capitão amigo do deputado Paulo Ramos
teria sido uma injustiça, resultado de uma campanha difamatória dos veículos da
Globo.
Nas voltas que o mundo dá, Aniz Abrão
foi preso em 2007, quando estava em sua cobertura tríplex no edifício de número
2.072 da avenida Atlântica, por envolvimento em vários crimes, mas não pelo
assassinato, nunca mais investigado. A prisão dele tem a ver com jogo do bicho,
contrabando e lavagem de dinheiro. A televisão mostrou a operação
policial para prender Anísio. São impressionantes as imagens de policiais
descendo de helicóptero na cobertura do bicheiro, exibida pela televisão.
A Rede Globo fez a reportagem, mas
nada disse sobre o antigo proprietário do apartamento, Roberto Marinho. Antes
da venda do imóvel para Anísio, com escritura pública, Roberto Marinho
costumava reunir ali a alta sociedade carioca para festas de Reveillon.
Neste prédio, mora ainda a autora de
novela Glória Perez e o apartamento do primeiro andar estava em nome de Elisa,
ex-mulher de Anísio, também assassinada, depois de escrever uma carta em que
acusava o ex-marido de ter sequestrado Misaque e o filho do jornalista Jatobá.
Com 9 milhões de habitantes, o
Rio de Janeiro é a segunda maior cidade do Brasil e uma das maiores do mundo.
Mas, vizinho ao prédio onde Roberto Marinho dava sua festa de fim de ano e
Anísio da Beija Flor viria a comprar, se localiza o apartamento onde mora
Cristina Maris Meinick Ribeiro, a funcionária da Receita Federal que, em
janeiro de 2007, veio a retirar o processo em que a Globo era acusada de
sonegação milionária na aquisição dos direitos de transmissão da Copa do Mundo
de 2002, utilizando um esquema que envolve uma empresa no paraíso fiscal das
Ilhas Virgens Britânicas.
Mundo pequeno.
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