O RECADO DAS ARMAS - OS MILITARES E A DEMOCRACIA.
Por Mauro Santayana
Segundo declarações dadas em Mimoso, no
Estado do Mato Grosso, divulgadas pelo jornalista Jacques Gosch, do Rdnews, do
mesmo estado, o Comandante do Exército, General Eduardo Dias da Costa Villas
Bôas, declarou, nas comemorações do sesquicentenário do nascimento do Marechal
Cândido Rondon, que os "manifestantes que reivindicam uma intervenção
militar contra a presidente Dilma Rousseff nas ruas ou nas redes sociais estão
completamente fora da realidade".
Segundo o Comandante do Exército, "não é papel das Forças Armadas
fiscalizar o governo, derrubar o governo ou interferir na vida política do
país"..."os manifestantes que pedem intervenção militar precisam
compreender as normas da democracia brasileira antes de propor soluções sem
fundamentação legal."
"Isso absolutamente não procede. Não tem nenhum fundamento. O
Exército é uma força de sustentação do Estado de Direito e deve obediência à
Presidente da República, que é nossa Comandante-em-Chefe."
As declarações do Comandante do Exército são didáticas e esclarecedoras, e
deveriam servir de exemplo para outras áreas da administração pública, no
sentido da orientação da população, muitas vezes manipulada pelos que torcem
pelo "quanto pior melhor", e adoram disseminar boatos e
desinformação, também a propósito das forças armadas, com táticas como a
"invenção" de militares que não existem e o uso não autorizado de
assinaturas de oficiais honrados da ativa e da reserva em manifestos de araque.
Os militares mais inteligentes e esclarecidos, não podem, como membros das
forças armadas, expressar, diretamente, juízo de valor político.
Mas sentem - independentemente de sua posição política particular - que
boa parte da resistência - e problemas - que os governos do PT vêm enfrentando,
a ponto de o Brasil estar sendo reconhecidamente, descaradamente, espionado por
potências estrangeiras, advêm da adoção de posições nacionalistas em áreas como
a economia, as relações externas e a defesa nacional.
Não pode agradar àqueles que se consideram nossos tutores históricos ou
eternos - por suposto destino manifesto - o fato de o Brasil ter passado da
décima-quarta para a sétima economia do mundo, em apenas 12 anos, saindo de 504
bilhões de dólares de PIB em 2002 para 2 trilhões e 300 bilhões de dólares
agora, segundo o Banco Mundial.
Não pode agradar a nossos concorrentes pela liderança continental, ou,
pelo menos, aos seus segmentos mais imperialistas e conservadores, que o Brasil
tenha estendido sua influência do Cone Sul ao Caribe, por meio de instrumentos
como o BNDES, o Mercosul, a CELAC, a UNASUL, e, sobretudo, do Conselho de
Segurança da América do Sul, que tem possibilitado estreita cooperação entre as
forças armadas da região, no sentido da manutenção da paz e da colaboração no
desenvolvimento de meios de defesa contra potências extra regionais, com a
compra de lanchas de patrulha fluvial, pelo Brasil, em países como a Colômbia,
a venda de aviões aqui fabricados para diferentes países latino-americanos; e a
participação de países como a Argentina - antes considerados como nossos
arqui-inimigos - no desenvolvimento de projetos conjuntos como o avião
KC-390, da Embraer.
Não pode agradar a esses mesmos segmentos, que se expressam por meio de
editoriais em jornais conservadores estrangeiros, que o Brasil mantenha uma
postura independente e não alinhada na ONU e em outros fóruns internacionais;
que tenha pago sua dívida com o FMI; que pleiteie mais poder nessa instituição
e no Banco Mundial; que tenha estabelecido uma aliança estratégica com alguns
dos maiores países do mundo, entre eles três potências espaciais e atômicas -
China, Rússia, Índia, para oferecer ao planeta alternativa política e econômica
à tutela dos Estados Unidos e da Europa, neste novo século; assim como nossa
aproximação, também no âmbito do BRICS, com a África do Sul, para o
estabelecimento de um eixo entre as duas maiores potências militares da região,
para fazer frente estratégica e diplomaticamente à expansão da OTAN para o sul
do Atlântico.
Assim como não pode agradar a esses setores conservadores e imperialistas
estrangeiros, que o Brasil tenha voltado a produzir blindados, como os Guarani;
que ele tenha construído uma nova base de submersíveis, que ele tenha montado
uma fábrica própria e esteja construindo um submarino atômico e mais quatro
convencionais. Ou que tenha alcançado a motorização própria de mísseis navais
tipo Exocet; que esteja desenvolvendo mísseis de cruzeiro como o AV-MT 300
Matador, com 300 quilômetros de alcance; ou voltado a fabricar e a exportar
barcos patrulha para países como a Namíbia; ou modernizado e voltado a
exportar sistemas de mísseis como o Astros 2020 da Avibras; ou, com a
participação de outros países, jatos militares cargueiros capazes de
transportar até tanques, como o KC-390; radares como a família SABER da Bradar;
a desenvolver caças de última geração como o Gripen NG-BR, com a Suécia; e
fabricar, pela primeira vez, nossos próprios rifles de assalto, capazes de
disparar até 600 tiros por minuto, como o IA-2, da IMBEL; ou mísseis Ar-Ar
A-Darter como os que estamos desenvolvendo com a África do Sul.
O militar é o cidadão fardado. Ele é pai, ele é filho, ele é irmão. O
militar brasileiro preza o campo de manobras, a bandeira da Pátria desfraldada
ao sol, o avanço dos tanques e da infantaria, a “Selva!”profunda da Amazônia, o
vento que sustenta o corpo do paraquedista em queda livre, que bate no rosto do
marinheiro no convés da embarcação, na pista do porta-aviões ou na torre
do submarino, ainda molhado, que acabou de emergir.
O militar brasileiro honra seu uniforme, tem - desde a escola e a academia
- orgulho de se perfilar e desfilar com seus companheiros de farda, mas não se
sente diferente, nem superior. Ele toma sua cerveja, gosta de assar uma carne,
passeia com a família, frequenta a igreja, o cinema, leva o filho ao futebol e,
quando é o caso de que possa se alistar como eleitor, comparece à sua Seção
Eleitoral, exercendo, como qualquer brasileiro – seu pai, seu irmão, seu
sobrinho, seu avô - o direito que tem de influenciar e decidir, pelo voto
secreto e universal, o destino de sua cidade, de seu estado e de seu país.
O militar brasileiro preza o bom combate. A disputa limpa, homem contra
homem, guerreiro armado contra seu oponente, o calor da luta, a vitória
honrada, fruto da estratégia, do esmerado preparo, da determinação. Ele tem
orgulho de defender, contra o eventual inimigo estrangeiro, as cores da Nação.
Os heróis do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, são aqueles, que, hoje,
em tempos de paz, estão participando, direta e indiretamente, do
desenvolvimento de nossas novas armas, e da proteção do país, assim como heróis
das nossas três forças, são os que pereceram na defesa das costas brasileiras e
na Campanha da Itália, que deram sua vida pela liberdade e a democracia, nas
águas do Atlântico e na montanha, em lugares como Monte Castello, Castelnuovo,
Montese, Collechio, Fornovodi Taro - onde o Brasil fez quase 15.000
prisioneiros em uma única batalha , obtendo a rendição incondicional do General
OtttoFretter Pico, comandante da 148 Divisão Wermacht, e do General Mario
Carloni, comandante da Divisão BersaglieriItalia, evitando que essa importante
força escapasse para a Alemanha, e capturando centenas de caminhões e veículos
militares .
Os brasileiros que caíram em nossa mais gloriosa guerra, o fizeram porque
estavam combatendo o nazismo. Um regime em que não havia voto e a tortura e o
assassinato eram moeda corrente. Os nossos pracinhas – cuja memória nunca é
demais reverenciar – lutaram para que os brasileiros pudessem, um dia, votar
diretamente em seu Presidente e livremente expressar suas ideias.
Aos macarthistas de plantão é preciso lembrar que o confronto entre as
nações, agora, se dá muito mais no campo geopolítico do que no ideológico.
À China, não interessa expandir o seu bem-sucedido modelo de "um
país, dois sistemas", que introduziu as modernas técnicas de produção
capitalista em um país comunista com uma economia amplamente, em mais de 80%,
estatizada, para outras nações, até para não arranjar concorrentes, como a
maior base industrial do mundo.
Assim como não interessa a Cuba - que acaba de reatar relações
diplomáticas com os EUA - exportar sua "revolução" a não ser que
sejam seus “revolucionários” modelos de medicina tropical, de combate ao
analfabetismo e de fomento ao esporte, de que são testemunhas os mais de 3
milhões de turistas estrangeiros que recebe todos os anos.
E, muito menos interessa meter a mão em cumbuca à Coreia do Norte,
totalmente isolada, que está muito mais para mentecaptomunista do que para
comunista, se formos considerar e dar ouvidos às notícias - algumas
absolutamente incríveis - que nos chegam pela imprensa "ocidental"
como a de que o Baby Doc às avessas que governa aquele país teria mandado
executar um general, o seu Ministro da Defesa, por ter adormecido durante um
desfile.
O discurso anticomunista, hoje, serve ao que quase sempre serviu no
passado. Manter o status quo daqueles que não desejam perder seus privilégios,
dentro de cada país, e atacar e enfraquecer os governos, nações, alianças e
regiões que se oponham ao status quo consolidado, nos últimos 200 anos, pela
dominação dos Estados Unidos da América do Norte, e, secundariamente, da
Europa, sobre o resto do mundo, incluído o Brasil, mesmo que muitos brasileiros
adorem emular os EUA e ajam como se já fôssemos de fato, e há tempos, uma
colônia norte-americana.
Uma das principais razões para o Brasil estar sendo atacado, nesse
contexto, é ter facilitado a aproximação, depois do balão de ensaio do IBAS (a
aliança estratégica que nos une à Índia e à África do Sul) de potências que os
conservadores norte-americanos - que usam o discurso anticomunista como meio de
defender seus interesses - gostariam de manter afastadas e divididas, como a
Índia, a China e a Rússia.
Não fazendo fronteira com nenhuma dessas nações, nem estando situado em
sua região de influência, o Brasil - até mesmo por não ter ambições
territoriais - tem atuado, desde o início da criação do BRICS, como um algodão
entre cristais, facilitando a relação e ajudando a dirimir problemas no âmbito
do grupo, e a viabilizar uma aliança contra a qual o "ocidente"
sempre torceu, a ponto da imprensa ocidental tentar desancá-la, sabotá-la e
desacreditá-la a todo momento, sempre que tem uma oportunidade.
O BRICS é perigoso para a hegemonia cultural, política, econômica e
militar anglo-saxã, não apenas como exemplo, mas, principalmente, porque seus
membros têm cacife para criar alternativas viáveis para o desenvolvimento
econômico e social dos países mais pobres.
Alternativas que não passam por instituições sob o controle dos EUA e da
Europa, como o FMI e o Banco Mundial, onde o poder e as cotas decisórias há
muito não correspondem à importância do Brasil, China, Rússia e Índia no mundo
atual.
Esta é a razão que está por trás da criação do Banco do BRICS e do fundo
de reservas de seus países membros, para auxílio recíproco, aprovados pela
Comissão de Relações Externas da Câmara dos Deputados esta semana.
A China é, hoje, o maior credor dos Estados Unidos. Pequim tem quase 4
trilhões de dólares em reservas internacionais. Nova Deli e Moscou têm mais de
350 bilhões de dólares cada, e o Brasil, com 373 bilhões de dólares (mais do
que a Rússia ou a Índia, neste momento) acaba de voltar à condição de,
isoladamente, terceiro maior credor externo dos Estados Unidos, segundo a
página oficial do próprio tesouro norte-americano:
http://www.treasury.gov/ticdata/Publish/mfh.txt
Se enganam, portanto, aqueles, que, na internet, ou nas ruas, acham que
aos militares brasileiros, como cidadãos, interessa voltar ao tempo em que o
Ministro das Relações Exteriores do Brasil tirava os sapatos no aeroporto, nos
Estados Unidos, para deixar ser revistado; ou que devíamos 40 bilhões de
dólares ao FMI; ou assinávamos voluntariamente tratados que nos impediam de
pesquisar ou desenvolver armamento atômico.
O nacionalismo e o desenvolvimentismo, foram o esteio de governos
militares como os do general Ernesto Geisel, que enfrentou os radicais das
forças armadas e peitou os Estados Unidos, em episódios como o da assinatura do
acordo nuclear Brasil-Alemanha.
Só o nacionalismo - que pode se projetar para um regionalismo
integrativo e pragmático na América do Sul - e o desenvolvimentismo podem
conduzir o Brasil ao lugar que merece, como o quinto maior país em território e
população e a sétima economia do mundo; e os adversários do PT deveriam estar
preocupados em criar projeto nesse sentido que corrigisse os eventuais erros e
omissões do atual governo, no lugar de querer se contrapor a esse objetivo,
patriótico, permanente, nacional, com a defesa do neoliberalismo, da
desnacionalização do patrimônio público, da entrega das reservas do présal -
cuja lei de royalties deveria ser modificada para incluir também parte dos
gastos com defesa - e o desmonte do BNDES, que tem sido essencial para a
evolução da indústria bélica nacional.
Ao falar como falou - mesmo que o tenha feito fortuitamente, respondendo a
indagação eventual do repórter que o entrevistava - o Comandante do Exército,
General Eduardo Villas Bôas passou clara, serena e inequívoca mensagem.
As armas não têm coloração política. Não são socialistas, nem
anticomunistas, nem "capitalistas", nem fascistas, nem conservadoras.
Elas servem aos interesses permanentes da nacionalidade, que são o
engrandecimento e o fortalecimento da Pátria, e o fazem sob o mandato do Povo
Brasileiro, consubstanciado no Artigo Primeiro do texto constitucional, que
reza: "todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido" por
representantes eleitos, começando por aquele que tenha sido contemplado pela
maioria dos votos como candidato à Presidente da República, a quem cabe, entre
outras atribuições, a de Comandante Supremo das Forças Armadas.
Esse foi o recado das armas. Em defesa da Lei, da Constituição e da
Democracia.
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