Randolfe Rodrigues: Cadeia para o quadrilheiro Marin, o algoz de Vladimir Herzog
Marin, o algoz de Herzog, enfim na cadeia
Randolfe Rodrigues*
Copa de Ouro da CONCACAF, 10 de fevereiro
de 1998. A maioria da população, no Brasil e nos Estados Unidos, sequer via TV
quando a Seleção Brasileira perdeu por 1 a 0 para a equipe norte-americana em
um campo improvisado de Los Angeles, na Califórnia.
Foi
a única derrota do Brasil em 18 jogos.
Isso
até a goleada desta quarta-feira, 27 de maio de 2015, dia em que a Justiça dos
Estados Unidos desmascarou uma das maiores quadrilhas do mundo, a Gang da FIFA,
chefiada dentre outros por um dos vice-presidentes da CBF (Confederação
Brasileira de Futebol), o notório José Maria Marin, também vice-presidente da
FIFA.
Tomamos
uma goleada, porque convivemos há décadas — inertes, omissos — com essa
quadrilha verde-amarela. Eles mandam e desmandam em nossas federações estaduais
e na confederação nacional.
Organizam
todos os grandes campeonatos nacionais e internacionais de que participamos e
acompanhamos pela TV.
Foram
os gestores sem controle dos bastidores ainda mal contados e mal contabilizados
da Copa do Mundo que aconteceu no Brasil em 2014.
E,
para decepção da torcida brasileira, acabaram sendo flagrados e presos não pela
Polícia Federal brasileira, mas pelos agentes do FBI e da Justiça dos Estados
Unidos.
Uma
das acusações que pesa sobre o quadrilheiro José Maria Marin é a de receber
propina na venda dos direitos de transmissão da Copa do Brasil.
Não
a Copa do Mundo, mas a nossa doméstica Copa do Brasil, uma competição nacional,
realizada em solo brasileiro, disputada por 86 equipes brasileiras,
televisionada para todo o País e retransmitida para o território
norte-americano.
A
prisão de 7 altos executivos da FIFA, incluindo o notório José Maria Marin, nos
remete à vergonha dos 7 a 1 que sofremos na Copa do Mundo.
Nosso
consolo é que, agora, a prisão dos que roubam a alegria e a inocência do
futebol faz a alegria dessa paciente e maltratada torcida brasileira.
José
Maria Marin é um fiapo da ditadura militar brasileira. É produto da pior fase
de nossa história, foi um gestor público afinado com torturadores e com a ala
dura do regime que torturou e assassinou toda uma geração.
José
Maria Marin resume, como ninguém, os caminhos cruzados que fazem do futebol e
da política um campo aberto onde se confundem os oportunistas, os canalhas e os
corruptos. No campo do futebol, como na política, Marin sempre jogou na direita.
Foi
ponta-direita medíocre de times do interior paulista, no início da década de
1950, atuando por times como o São Bento e o Jabaquara.
Chegou
a enganar num time grande, o São Paulo, onde disputou apenas dois jogos
oficiais e fez um único gol.
Esperto,
Marin decidiu trocar de campo para enganar na política.
Elegeu-se
vereador na capital paulista por uma sigla ideologicamente adequada ao
ex-ponta-direita: o PRP, fundado pelo líder integralista Plínio Salgado, guru
da extrema-direita brasileira que se inspirava no III Reich de Adolf Hitler.
Quando
veio o golpe de 1964, Marin trocou de camiseta, sem mudar de time: filiou-se à
ARENA, o partido da ditadura militar.
Em
9 de outubro de 1975, no auge da violência do Governo Médici, o deputado
estadual da ARENA José Maria Marin subiu à tribuna para denunciar a existência
de comunistas na TV Cultura de São Paulo.
Duas
semanas depois, o jornalista Vladimir Herzog, chefe de jornalismo da TV, foi
encaminhado à sede do DOI-CODI, na sinistra rua Tutóia, o endereço mais
sangrento da rede de tortura e barbárie da ditadura.
Herzog
chegou lá na manhã do dia 25 de outubro, 15 dias após o discurso furioso de
Marin. No início da tarde daquele dia, Herzog estava morto.
Esta
criminosa conexão foi revelada em 2012 pelo jornalista Juca Kfouri, ao afirmar
que Marin é “fartamente” responsável pela prisão que resultou no assassinato de
Herzog.
Marin
é um fóssil da ditadura, uma carcaça do entulho autoritário legado ao País por
21 anos de regime arbitrário.
É
uma pena que Marin tinha passado impune por tudo isso, imune às investigações
da Comissão Nacional da Verdade, ignorado pela polícia e fora de alcance da
Justiça brasileira.
É
uma vergonha para todos nós que, depois dos anos de chumbo e de sua gestão
corrupta nas federações e na CBF, Marin só tenha sido preso por ação de órgãos
investigativos e policiais dos Estados Unidos, e não do Brasil.
Escapou
da Polícia Federal, mas não conseguiu escapulir do FBI. A torcida sempre
aplaude um gol de placa. Assim, palmas para o FBI!
Mas,
não nos enganemos: Marin nunca andou só. Como cabe a todo quadrilheiro, ele
tinha comparsas no crime.
Foi
ungido presidente na CBF por Ricardo Teixeira, seu antecessor, e sagrou o seu
sucessor, o atual mandatário, Marco Polo del Nero.
Ambos
agora sob investigação pelo FBI e pela Justiça dos Estados Unidos. Ainda
veremos outros gols de placa, espero!
Conseguiremos
nós, brasileiros, dar conta da quadrilha instalada em nossos clubes e estádios?
Temos
duas oportunidades de faxina, nesse momento. A primeira missão é investigar
esse esquema nacional e internacional em todas as frentes, inclusive a
parlamentar.
O
senador Romário acaba de aprovar em tempo recorde no Senado Federal, com 54
assinaturas, uma CPI para investigar Marin e seus comparsas.
A
corrupção no futebol é um moto contínuo, que não afeta uma única competição
nacional ou internacional.
É
preciso desmascarar os corruptos, punir os envolvidos e garantir o ressarcimento
dos valores pagos como propina para os cofres das entidades. Mas, isso só não
basta.
É
fundamental uma segunda medida: aproveitar esse momento ímpar da história para
reformar a estrutura decadente do futebol brasileiro. A Medida Provisória 671,
que tramita no Congresso, é um gol de placa de um governo que anda meio ruim
das pernas.
É
preciso garantir, como prevê o texto original da MP, que órgãos como a CBF
funcionem de maneira democrática, com participação efetiva dos jogadores, com
direito a voz e a voto nas assembleias, e estabelecendo limite à reeleição dos
dirigentes.
Isso
evitaria a apropriação da CBF e federações por clãs e gangues que se perpetuam
e se acumpliciam.
Tanto
quanto de clubes e entidades, é necessário transparência na gestão de recursos,
com a divulgação de balanços financeiros e o fim dos sigilos contratuais por
onde se infiltra a corrupção.
Muito
mais do que um negócio, o futebol é um patrimônio cultural do povo brasileiro.
Quem
administra o esporte não deve atuar como empresário de um negócio oculto.
Ele
deve ter a consciência de um gestor de patrimônio público, um bem valioso e
caro às emoções de milhões de brasileiros.
No
campo sagrado e vitorioso do futebol, não existe espaço para gente da laia de
José Maria Marin.
*
Randolfe Rodrigues é senador pelo
PSOL do Amapá
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