A DIREITA PEDE A CABEÇA DE LULA E O JUDICIÁRIO ENSAIA O PAPEL DE PÔNCIO PILATOS
Arte: Bastidores
Por Tereza Cruvinel em seu blog
Título original: Lula, a caça que de fato importa
O enredo que vem
sendo rabiscado desde 2003 agora começa a tomar forma. No epílogo desejado por
seus autores, o ex-presidente Lula sai da História, do lugar assegurado por sua
trajetória e por oito anos de governo que mudaram o Brasil, tomba como réu em um
processo desonroso, torna-se inelegível e o povo brasileiro não repete a
ousadia de colocar na Presidência alguém saído de onde ele saiu: da pobreza, do
Nordeste, da classe operária, do compromisso com os mais pobres e com um Brasil
de todos.
Sua vitória em 2002 foi
engolida como sinal de que a democracia brasileira é para valer mas os refluxos
de uma certa elite – uma certa elite não necessariamente econômica, mas
essencialmente ideológica – nunca mais cessaram. Estes segmentos regurgitaram ao
longo de seu governo por qualquer palavra mal posta e por todas as políticas
que, sem tomar nada dos ricos, buscaram promover um pouquinho mais de
igualdade. O Bolsa-Família foi chamado de bolsa-esmola, as cotas raciais foram
esconjuradas, o Pro-Uni acusado de levar despreparados para a Universidade e
por aí afora.
Quando
se viu que apesar do desgaste com o mensalão de 2005 ele se reelegeria, fizeram
o diabo para evitar seu novo mandato. Perderam de novo e o mandato foi exitoso.
O Brasil cresceu para todos e ganhou uma nova projeção internacional. A
inclusão neste período, que hoje se tenta minimizar diante das dificuldades
econômicas do governo Dilma, foi tão importante que ainda faz de Lula a maior
ameaça eleitoral ao bloco conservador em 2018. Sim, houve pesquisa com Aécio na
liderança, mas na conjuntura febril de hoje, em que o próprio Lula se disse
abaixo do volume morto. Até 2018, muitas águas rolarão e ele precisa estar fora
do páreo.
Poucos presidentes puderam, como o pouco letrado e monoglota Lula, promover em
tão pouco tempo tão grande transformação no papel internacional de seu país,
escreveu o jornalista americano David Rothkopf, na The New Foreign Policy
Review, nos idos de 2009. Para isso Lula contou com os bons ventos no cenário
externo, é verdade, com o desempenho formidável de Celso Amorim como chanceler,
articulando os BRICS, o G20 Comercial e outras iniciativas, e com sua
determinação em ser um “mascate do Brasil”. Vender o Brasil significou sempre,
para Lula, fazer diplomacia bilateral, multilateral e também abrir
oportunidades para as empresas e produtos brasileiros no mercado
internacional.
Em 2003, primeiro ano de seu governo,
cobri sua primeira viagem oficial a Cuba, e com ele viajaram dezenas de
empresários do setor sucro-alcooleiro em busca de oportunidades na ilha. A
produção de açúcar declinara, após a perda do grande comprador que era a
extinta URSS. As usinas paradas poderiam ser direcionadas para a produção de
álcool. Foi lobby? Não, foi diplomacia presidencial eficiente. Alguns negócios
surgiram destes primeiros contatos. Na viagem à China, levou 500 empresários. À
Índia, outros tantos. Seus dois ministros do MDIC, Furlan e Miguel Jorge,
também foram “lobistas” das empresas nacionais no exterior.
Fora da Presidência, Lula criou seu instituto, através do qual continua atuando
em favor das agendas novas que criou, como a cooperação com a África e o
combate à fome no mundo. Fez palestras, colecionou honrarias lá fora e
pontificou em favor de empresas brasileiras nos eventos internacionais de que
participou. Num deles, em Lisboa, comentou com o primeiro-ministro Paulo Portas
que a Odebrecht tinha interesse na compra de uma empresa que estava sendo
privatizada. Poderia ter dito isso recentemente em relação ao interesse da Azul
na compra da TAP, que acabou sendo efetivada. Foi crime? Para O Globo, sim. Foi
prova de que fez lobby para a empreiteira. Assim como o fato de ter participado
do evento do BNDES com autoridades africanas, inclusive o embaixador do
Zimbabwe. A forma como O Globo omitiu trechos das explicações dadas pelo
Instituto Lula revela exatamente a ansiedade para concluir o enredo, o “pega
Lula”.
Quando começou o procedimento do Ministério Público sobre suas ações
internacionais, que agora virou inquérito, Lula declarou-me em rápida
entrevista ao 247:
“Tenho orgulho de ter sido o presidente que mais trabalhou para abrir mercados
para as empresas brasileiras no mundo. Quero ser lembrado como o presidente que
mais levou comitivas de empresários, dos mais diversos setores, em suas
viagens. Levei centenas de empresários comigo à China, à Índia, à África, aos
quatro cantos do mundo. Cada empresa brasileira que conquistava mercado lá fora
para nós era uma bandeira do Brasil fincada num outro país. Eu dizia ao Furlan
e ao Miguel Jorge: vocês têm que ser verdadeiros mascates do Brasil. E eles
também saíram pelo mundo fazendo isso.”
Por estas bandeiras fincadas, Lula está sendo investigado. É apontado como
“suspeito” em manchetes que exalam a satisfação dos caçadores com a proximidade
do momento esperado: o de tirar Lula da História, incriminá-lo e suprimi-lo da
disputa presidencial de 2018.
Tirá-lo do páreo significa estancar as mudanças em favor de uma democracia de
fato, de uma democracia de oportunidades, não apenas de voto, através de um
sistema destinado a nada mudar. Tirar Lula do páreo é estratégia para barrar o
assanhamento do povo, que passou a frequentar faculdades, andar de avião e até
infestar o Facebook com suas páginas vulgares. É barrar o impulso por mudanças,
assim como em 1964 foram barradas as reformas de base de Goulart.
A luta social é como a vida, na definição de Guimarães Rosa: “A vida é assim:
esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que
ela quer da gente é coragem.” Neste momento, ela aperta as consciências
democráticas e justas sobre o sentido da caçada a Lula. O PT, se entendeu isso,
ainda não se moveu com a gravidade que a ofensiva exige. E sem Lula, haverá PT?
Mas se “pegarem Lula”, tudo vai se aquietar: a ferocidade de Moro e da Lava
Jato, as denúncias contra outros políticos, a devassa das empreiteiras, as
apostas contra o mandato de Dilma. Tudo isso voltará a ser irrelevante se o
objetivo maior for alcançado.
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