AO ACUSAR DILMA DE EXTORSÃO, AÉCIO EXTRAPOLA
Aécio mira em Dilma e esquece da sua verdadeira "guerra" (Montagem Bastidores)
Por Paulo Moreira Leite no 247
Num país que enfrenta as dificuldades que todos enxergam, a melhor
idéia de Aécio Neves para ganhar as manchetes do dia foi ir até a Procuradoria
Geral da República apresentar uma representação contra a presidenta Dilma
Rousseff e contra o ministro Edinho Silva, da SECOM em função da delação
premiada do empreiteiro Ricardo Pessoa.
O
argumento de Aécio para bater à porta da PGR é pesado. Diz que na delação de
Pessoa “há uma clara chantagem. Ou ele aumentava as doações ao Partido dos
Trabalhadores e à campanha da presidente da República ou ele não continuava com
suas obras na Petrobras”. Segundo Aécio, apenas a presidente “teria condições
de efetivar essa chantagem.”
Não
custa observar que até agora o senador não se dispôs a esclarecer as doações
feitas pelo empresário-delator à campanha de Aloysio Nunes Ferreira, em 2010,
quando ele concorreu ao senado. Na época, Pessoa havia acabado de comprar
Constran, empreiteira que tem um imenso canteiro de obras milionárias
justamente em São Paulo, estado que é o berço político de seu candidato a vice
em 2014.
Aécio
também poderia olhar para o próprio cofre já que, no ano passado, Pessoa lhe
deu R$ 1,2 milhão a mais do que para Dilma. Eis aí um fato bom de esclarecer.
A experiência ensina que
doações de empresas privadas sempre são difíceis de entender e desagradáveis de
explicar, o que faz o autor dessas linhas estar 100% convencido de que nosso
sistema político andará muito melhor quando acabar com elas. No fundo, ninguém
consegue ficar bem na foto com esse sistema, que admite, essencialmente, dois
caminhos.
Se o candidato faz força para
receber, pode ser acusado de chantagem, como VEJA diz que Pessoa disse na
delação premiada.
Mas: e se o candidato não faz
nada, e mesmo assim o dinheiro entra numa boa, na conta, só com uma piscadinha
de ôlho. Como se justifica isso? São amiguinhos? É bom para o país? Um
candidato que recebeu 15% a mais do que a rival, como Aécio, é melhor ou pior
do ponto de vista do cidadão comum?
Qual o lado em que Aécio prefere estar?
Há outras dificuldades. A
delação de Ricardo Pessoa não foi liberada pela Justiça e permanecerá em
segredo, muito provavelmente, até o momento em que a denúncia for apresentada.
Hoje, ninguém sabe — e se sabe
não pode provar que sabe — qual seu conteúdo integral. Até haver uma
autorização da Justiça, quem divulgar a delação, pode ser enquadrado em crime.
Caso Aécio tenha apresentado
uma denúncia cujo teor real desconhece, apenas com base em informações de
terceiros, pode ser enquadrado no “delito de denunciação caluniosa,” que pune a
pessoa que tenta abrir inquérito a partir de uma denúncia sabidamente falsa. A
pena prevista, no caso, é de 2 a 8 anos de prisão, mais multa.
Em qualquer caso, ninguém pode
sair ganhando com uma denúncia cujo teor integral desconhece ou, na melhor das
hipóteses, não pode revelar. Não custa lembrar que o ex-ministro Cid Gomes foi
capa de revista em função de um suposto envolvimento na Lava Jato — até que se
descobriu que a historia não tinha fundamento. Outro episódio entrou para os
anais da Lava Jato como o “caso Bosta Seca”, envolvendo o conflito de versões
entre o doleiro Alberto Yousseff e o delator Paulo Roberto Costa em torno de
uma remessa de R$ 1 milhão que teria sido enviada — ou não — para Antônio
Palocci.
Isso acontece porque a delação
premiada, base da representação de Aécio a PGR, pertence aquele universo de
sombra entre a verdade e a mentira, como explica o criminalista Antonio Claudio
Mariz de Oliveira, em artigo publicado na edição de hoje do 247: “O
encarcerado, com apoio na verdade ou falseando¬-a, passa a acusar companheiros
de empreitada criminosa e a narrar situações ilícitas até então desconhecidas.
É óbvio que a sua conduta não é inspirada por motivos ligados ao civismo, à
cidadania, ao interesse público ou a quaisquer outros nobres sentimentos. Seu
interesse imediato é alcançar a liberdade, bem como benefícios outros que vão
desde o perdão judicial até a diminuição da pena e o menor rigor em seu
cumprimento.”
Em função disso, diz o
advogado, “a primeira objeção a ser posta diante do instituto da delação
premiada se refere à insegurança jurídica que é por ele gerada.”
Pode-se acrescentar que, num
país onde a legislação exige que a delação seja inteiramente “voluntária,” é
duvidoso imaginar que o relator da Lava Jato, ministro Teori Zavaski, irá
referendar denúncias obtidas num regime “medievalesco,” palavra que empregou
para abrir os cárceres de Curitiba para nove executivos e empresários
aprisionados por mais de cinco meses. Isso explica porque um criminalista
experimentado como Mariz alerta para a “insegurança jurídica” que a delação
pode gerar.
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