SOB O ESPECTRO DE UMA NOVA CRISE FINANCEIRA
Altas expressivas nas ações e imóveis, em meio a estagnaçãoeconômica, sugerem: desigualdade é inédita; excesso de dinheiroem poucas mãos está gerando “bolhas” insustentáveis
Por Jerome Roos, no Roarmag - por E-mail | Tradução Mauricio Ayer
Se há uma lição a se tirar da história de obsessões, pânicos e
quebras no setor financeiro é que os banqueiros nunca resolvem suas próprias
crises: eles apenas giram em círculo, sempre passando a batata quente da
catástrofe iminente para os outros e transferindo sistematicamente o fardo do
ajuste para os membros mais fracos da sociedade. O resultado é que a maneira
com que uma crise em particular é “solucionada” inevitavelmente acaba lançando
as sementes da próxima. Desta vez não está sendo diferente.
Nos
últimos meses, em meio a um crescente entusiasmo sobre uma incipiente
recuperação econômica global, alguns investidores e reguladores começaram a
expressar sua preocupação com o crescimento de um conjunto de grandes bolhas de
ativos espalhadas pela economia mundial. Seja pela disparada dos preços dos
imóveis em Londres, pela alta recorde no mercado de ações de Wall Street ou por
investidores se estapeando para emprestar para governos europeus altamente
endividados ou disputando ações de empresas recém-lançadas (start-ups) de energia e
tecnologia nos Estados Unidos, uma coisa é clara: estamos em meio a um novo
frenesi especulativo de grandes proporções.
Essa
observação pode parecer estranha para alguns. Não era para estarmos ainda nos
estágios finais da última crise? Por que alguém ia querer apostar seu capital
se as oportunidades de investimentos lucrativos são ainda tão poucas e
distantes entre si? Bem, este é precisamente o problema: os preços dos ativos
agora se desvincularam completamente dos seus fundamentos da economia. Em anos
recentes, a crise do capitalismo de cassino foi retardada com sucesso por meio
da inflação, induzida pelos bancos centrais, de um conjunto de bolhas monstro
nos imóveis, nas ações e nos títulos. Enquanto as vastas maiorias das sociedades
arrastam-se em uma estagnação que parece interminável, os especuladores estão
tirando vantagens.
Em
outras palavras: as causas profundas da crise financeira de 2008 nunca foram
realmente solucionadas – os formuladores de políticas simplesmente contornaram
alguns dos sintomas (e nem mesmo todos eles!). Os
governos socorreram bancos insolventes com dinheiro de impostos, endividando-se
pesadamente no processo, enquanto os bancos centrais ligaram as impressoras
para injetar trilhões de dólares no sistema financeiro. O resultado, trocando
em miúdos, foi a acumulação de um grande excesso de dinheiro no setor
financeiro e uma aguda escassez em todas as outras áreas.
O
que temos aqui, portanto, é o clássico exemplo do que David Harvey chama de
problema de absorção do excedente de capital: um excesso de capital ocioso
convive com um excesso de força de trabalho – e de algum modo o
sistema não consegue combinar ambos para gerar resultados produtivos. Como
disse um banqueiro para o Financial
Times, “o que de fato está conduzindo toda essa atividade é mais a
disponibilidade de capital do que os fundamentos da economia. Ele apenas chega
às pessoas que precisam dispender capital”.
Os investidores lidaram com esse problema da mesma maneira que
sempre fizeram: varrendo a superfície da Terra em uma busca frenética pelos
rendimentos mais altos possíveis. Enquanto a demanda continua baixa e o
crescimento estagnado, os rendimentos nos chamados investimentos “produtivos”
não serão muito atraentes para o apostador médio. De modo que os investidores
estão retornando ao mesmo tipo de apostas especulativas de alto risco/alto
retorno que causaram o início do derretimento financeiro de 2008.
Os
resultados foram gritantes. Apenas três anos depois de a Grécia concluir a
maior reestruturação de sua dívida soberana na história do capitalismo, os
mercados de títulos globais estão novamente em chamas. Numa enquete no Reino
Unido, quase quatro em cada cinco gestores de fundos das grandes empresas
negociadoras de títulos expressaram uma preocupação de que os títulos estão
hoje “mais sobrevalorizados do que nunca e que os títulos dos governos são a
categoria de ativos mais sobrevalorizada de todas”. John Plender do Financial
Times acusou o Banco Central Europeu de estar alimentando diretamente essa
bolha por meio da chamada “flexibilização quantitativa” — a impressão de
dinheiro, para comprar antecipadamente títulos da dívida pública.
Não são apenas as dívidas dos
governos que estão florescendo. Só no ano passado, empresas estadunidenses
emitiram impressionantes US$ 1,43 trilhão em títulos corporativos; 27% mais que
venderam no pico da última bolha em 2007. De fato, um argumento razoável
poderia ser que a suposta recuperação dos Estados Unidos dos últimos anos tenha
se baseado inteiramente numa bolha do setor energético – que já teria
explodido devido à queda do preço do petróleo – e uma bolha ainda maior do
setor de tecnologia. O investidor bilionário Mark Cuban advertiu recentemente
que a atual é “ainda pior que a bolha de tecnologia de 2000”, e que agora
também está prestes a explodir.
Quando esse superexcitado mercado de
títulos corporativos entrar em colapso, ele vai inevitavelmente derrubar as
bolsas junto. Os preços das ações têm crescido continuamente desde que chegaram
ao fundo do poço, em março de 2009, após a última quebra. O índice S&P 500,
da bolsa de valores de Nova York, disparou surpreendentes 200% desde então, e o
Nasdaq — outro índice, que mede a evolução das ações de empresas de tecnologia
— recentemente ultrapassou os 5 mil pontos pela primeira vez desde o estouro da
bolha das empresas “pontocom”. O fato de esses seis anos de mercado em alta
coincidirem com a mais profunda crise econômica desde a Grande Depressão
deveria ser suficiente para suscitar uma pausa para reflexão.
Por fim, com a memória da crise das
hipotecas subprime ainda fresca, investidores já expressam
medo em relação à geração de uma nova bolha do setor de moradia. O Wall
Street Journal indica que os preços dos imóveis no Reino Unido estão
hoje um terço acima do seu pico pré-crise, e também estão fortemente
sobrevalorizados na Austrália, no Canadá, na Suécia e na Noruega. Cidades como
Nova York, São Francisco, Miami, Londres, Berlim, Paris e Amsterdã estão todas
registrando aumento nos preços do setor imobiliário, sem que isso seja
acompanhado de qualquer melhoria real nos fundamentos econômicos. Mesmo na
Espanha e na Irlanda, os preços dos imóveis parecem estar subindo de novo.
A conclusão é clara: plus ça
change, plus c’est la même chose (quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem as mesmas). Esse tempo todo, os políticos agiram
pelas bordas com medidas tímidas, mas nenhum dos problemas estruturais foi
realmente abordado. Em vez disso, os governos socorreram especuladores enquanto
os bancos centrais inflaram um conjunto de novas bolhas para amortecer suas
quedas, cobrir os escombros e retardar o momento final de acerto de contas. No
mundo real, soprar novas bolhas só pôde nos trazer até este ponto. Apenas sete
anos depois da última crise financeira e os investidores e governantes estão
exatamente no rumo da próxima.
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