Para defender o Brasil - A ofensiva conservadora e as crises, por Samuel Pinheiro Guimarães
O
diplomata brasileiro, Samuel Pinheiro Guimarães, em artigo especial para o
Brasil de Fato, faz uma análise da crise no Brasil, o avanço de setores
conservadores e o papel do governo federal; bem como aponta as saídas e
desafios das forças progressistas.
por
Samuel Pinheiro Guimarães*
1.
A sociedade brasileira está diante de uma ofensiva conservadora que se
aproveita de entrelaçadas crises na economia, na política, nas instituições do
Estado, na imprensa e nos meios sociais para fazer avançar seus objetivos;
2.
A suposta crise econômica ofereceu pretexto para implantar um programa
neoliberal de acordo com o Consenso de Washington: privatização, abertura
comercial e financeira, ajuste orçamentário, flexibilização do mercado de
trabalho, redução do Estado, tudo com a aprovação do sistema financeiro
nacional, por um Governo eleito pela esquerda;
3.
A crise da corrupção, cujo maior evento é a Operação Lava Jato, mas também a
Operação Zelotes, esta inclusive de maior dimensão, está servindo para destruir
a engenharia de construção, onde se encontra o capital nacional de forma
importante, com atuação internacional, e para preparar a destruição de
organismos do Estado tais como a Petrobras, o BNDES, a Caixa Econômica, a
Eletrobrás etc. a pretexto de que os eventos de corrupção neles investigados
seriam apenas o resultado de serem estas entidades estatais;
4.
Sua privatização, que corresponderia a sua desestatização/desnacionalização,
eliminaria, segundo eles, a possibilidade de corrupção;
5.
A crise do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal se desenvolve
em várias esferas;
6.
O Supremo Tribunal Federal tolera que um de seus membros interrompa, há mais de
um ano, sob o pretexto de vista, uma ação, cujo resultado já está definido por
6 votos a 1, sobre a ilegalidade do financiamento privado de campanhas,
fenômeno que está na origem da corrupção do sistema eleitoral em todos os
Partidos e veículo para o exercício da influência corruptora do poder econômico
na política e na Administração;
7.
O objetivo deste juiz é aguardar até que o Congresso aprove emenda
constitucional, já em tramitação por obra do Presidente da Câmara, que torna
legal o financiamento privado de campanhas;
8.
A teoria do domínio do fato, uma aberração jurídica, acolhida pelo STF, reverte
o ônus da prova e, mais, torna qualquer indivíduo responsável pelos atos de
outrem sob suas ordens sem que o acusador ou o juiz tenha necessidade de provar
que o acusado conhecia tais fatos;
9.
O sistema do Ministério Público permite a qualquer Procurador individual
desencadear processos com base até em notícias de jornal contra qualquer
indivíduo, vazar de forma seletiva estas acusações para a imprensa, que as
reproduz, sem nenhum respeito pelos direitos dos supostos culpados e sem
nenhuma perspectiva de reparação do dano causado pelas denúncias do Procurador
nem pela imprensa que as divulgou, caso se verifique a improcedência das
acusações;
10.
A Polícia Federal exerce suas funções com extrema parcialidade, de forma
midiática, criando, na sociedade a presunção de alta periculosidade de
indivíduos que prende para investigação e se arvorando em poder independente do
Estado;
11.
Segundo depoimento do Presidente das entidades da Polícia Federal na Câmara dos
Deputados, a Polícia Federal recebe recursos regularmente da CIA, do FBI e da
DEA, no montante de USD 10 milhões anuais, depositados diretamente em contas
individuais de policiais federais;
12.
A crise política decorre da decepção e do inconformismo do PSDB e de seus
aliados com a derrota nas urnas em 2014 o que o leva a procurar, por todos os
meios, erodir a credibilidade e a legitimidade do Governo Dilma Rousseff e, por
via transversa, do Governo Lula e assim minar as possibilidades de vitória de
uma eventual candidatura de Lula em 2018;
13.
Contam os partidos e políticos conservadores com a campanha sistemática da
televisão, jornais e revistas, com base em denúncias vazadas, com a campanha de
intimidação na Internet, com as manifestações populares, com o desemprego
crescente causado pela política de corte de investimentos e de elevação
estratosférica de juros, os maiores do mundo, para fazer baixar os índices de
aprovação do Governo e da Presidenta e poder argumentar com a legitimidade e a
necessidade de depô-la pelo impeachment;
14.
A crise na imprensa e nos meios de comunicação se desenvolve em um ambiente em
que as televisões, rádios, jornais e revistas recebem paradoxalmente enormes
recursos do Governo para a ele fazer oposição sistemática, erodir a confiança
da população no sistema político e nos partidos, em especial nos partidos
progressistas, de esquerda, poupando os partidos conservadores tais como o
PSDB, que recebeu tantas doações para sua campanha de 2014 quanto o PT e das
mesmas empresas ora acusadas pelo juiz Moro;
15.
A crise social se desenvolve na Internet, onde circula todo tipo de ofensa
racista, homofóbica, antifeminina, antiprogressista e fascista, contra os
políticos e partidos de esquerda, gerando um clima de hostilidade e ódio e
estimulando a agressão física
16.
No Congresso, os setores mais conservadores elegeram grande número de deputados
e, tendo conquistado a Presidência da Câmara dos Deputados, fazem avançar, a
toque de caixa, sem nenhuma atenção à necessidade de debate pelos parlamentares
e pela sociedade, uma ampla pauta de projetos conservadores que inclui, entre
os principais, a redução da maioridade penal, a ampliação do uso de armas, o
financiamento privado das campanhas;
17.
O objetivo máximo desta grande ofensiva política e econômica conservadora é a
tomada do poder através do impeachment da Presidenta Dilma e/ou a
desmoralização do PT que leve a sua derrota fragorosa nas eleições de 2016, a
qual preparará sua derrota final e “desaparecimento” nas eleições de 2018;
18.
O processo político do impeachment da Presidenta Dilma não avança por estarem o
PSDB e PMDB divididos quanto a sua conveniência no atual momento do calendário
político e econômico;
19.
Os três possíveis candidatos do PSDB à Presidência da República, quais sejam,
Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra tem opiniões diferentes sobre sua
conveniência;
20.
A Aécio Neves interessa o impeachment de Dilma Rousseff e de Michel Temer por
crime eleitoral, declarado pelo TSE, logo que possível pois isto levaria a uma
eleição em 90 dias onde espera que, como presidente nacional do PSDB e
candidato que teria perdido a eleição devido a “fraude”, agora se beneficiaria
devido a sua campanha persistente pela ilegitimidade dos resultados eleitorais
de 2014, o que o faria o candidato do PSDB com melhor perspectiva de vitória;
21.
A Geraldo Alckmim interessa que o processo político, econômico e social
desgaste longa e duradouramente o Governo Dilma e o PT até que as eleições municipais
se realizem em 2016, com fragorosa derrota do PT e do PMDB e que tenha tempo de
construir sua candidatura, com base no Governo de São Paulo, enquanto a
candidatura de Aécio se enfraqueceria com o tempo como resultado de eventuais
denúncias;
22.
A José Serra interessa também que o impeachment não ocorra agora, que o Governo
se desgaste para que tenha tempo de reconstruir sua imagem e eventualmente
possa se candidatar pelo PSDB em 2018 ou até mesmo pelo PMDB, que insiste em
ter candidato próprio mas sem nome hoje viável. Afinal, Serra foi fundador do
PMDB e voltaria a sua casa, construindo sua candidatura junto à classe média
nacional, através de sua atuação no Senado, com toda cobertura favorável da
imprensa;
23.
Para o PMDB, o impeachment da Presidenta representa o fim de um Governo onde
ocupa a Vice-Presidência e ao qual dá apoio enquanto que um longo processo de
desgaste da Presidenta, do Governo e do PT também o atingiria como partido
aliado, enquanto a imprensa desgasta sua imagem na opinião pública como partido
oportunista e corrupto;
24.
Os interesses de Michel Temer, de Renan Calheiros e de Eduardo Cunha são
divergentes. Cunha acredita poder ser o candidato do PMDB à Presidência,
assumindo a liderança da ofensiva conservadora no Congresso e o papel de
defensor do Congresso, mas enfrenta o desgaste das denúncias de corrupção.
Michel Temer sabe que a condenação por crime eleitoral de Dilma Rousseff pelo
TSE também o arrastaria enquanto que a condenação de Dilma pela rejeição das
contas de 2014 pelo TCU e pelo Congresso o levariam à Presidência. Renan
disputa com Temer influência no PMDB e imagina poder ser candidato em 2018 com
o enfraquecimento dos demais;
25.
No PT, a situação é talvez ainda mais grave;
26.
O programa econômico conservador, ao cortar investimentos públicos e as
despesas de custeio do Governo, aumenta o desemprego e afeta a demanda o que
reduz as perspectivas de lucro, contrai os investimentos privados, estabelece a
desconfiança nos “mercados” e reduz as receitas normais tributárias, aumentando
o déficit público;
27.
Ao aumentar a taxa de juros, o Governo (Banco Central) aumenta as despesas do
Governo e a relação dívida/PIB, reduz a atividade econômica e as perspectivas
de lucro e provoca a queda da arrecadação. Ao não conseguir o aumento de
receitas normais pela dificuldade em elevar tributos, passa a apelar para a
venda de ativos o que é uma forma disfarçada de privatização, com resultados
apenas temporários;
28.
Ao provocar o desemprego, ao apoiar medidas desfavoráveis aos trabalhadores
como alterações no seguro desemprego, no abono salarial e outras, e ao provocar
a redução do crescimento o Governo mina a sua base de apoio social e político e
as bases sociais e políticas do PT;
29.
A retração da demanda, o aumento das taxas de juros, a contração das atividades
do BNDES, a redução das oportunidades de investimento, a perspectiva de aumento
de tributos afetam os interesses dos empresários e aumenta o seu
descontentamento com o Governo e sua política;
30.
Não há liderança no PT além de Lula que, por seu lado, não vê como abandonar o
programa econômico do Governo Dilma sem acelerar sua queda, mas reclama da
incapacidade da Presidenta para o exercício da política;
31.
As pesquisas de opinião podem vir a revelar níveis de rejeição muito superiores
aos que ocorreram na véspera do impeachment de Collor. Caso os níveis de
aprovação caiam abaixo de 5%, o desânimo e a desmobilização dos movimentos
sociais e dos sindicatos, a perplexidade dos congressistas, a posição dos candidatos
a prefeito em 2016, as contínuas denúncias do Ministério Público (na realidade
de procuradores individuais) contra políticos vinculados ao PT e contra o
próprio Lula, a agressividade social e intimidatória conservadora podem gerar
situação de gravíssimo perigo político para sobrevivência da democracia;
32.
O Governo, apático, atordoado e intimidado, parece acreditar em sua pureza que
fará que, ao final, sobreviva, único puro, à tempestade de denúncias que
atingem políticos e partidos sem compreender que o objetivo da ofensiva
conservadora não é lutar contra a corrupção e moralizar o país mas sim
derrubá-lo e recuperar a hegemonia completa na sociedade e no Estado;
33.
O Governo se retrai, não age politicamente nem mobiliza os movimentos sociais e
os setores que poderiam apoiá-lo no enfrentamento a esta ofensiva conservadora
que fará o Brasil recuar anos em sua trajetória de luta contra as desigualdades
e suas vulnerabilidades, e de construção de um país mais justo, menos desigual,
mais democrático, mais próspero e mais soberano;
34.
É urgente a mobilização de todas as forças sociais progressistas para combater
o desemprego causado pelo programa de ajuste, que está, isto sim, gerando
imensa crise econômica e social, para defender a democracia e seus
representantes legítimos, para defender as conquistas dos trabalhadores, para
defender a empresa nacional, para defender o desenvolvimento do país, para
defender a soberania nacional e a capacidade de autodeterminação da sociedade
brasileira;
35.
Para defender o Brasil.
*Diplomata
brasileiro, foi secretário-geral das Relações Exteriores do Ministério das
Relações Exteriores e ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República do Governo Lula.
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