VIROU ZONA! - SEM CREDIBILIDADE, GOVERNO VIVE GUERRA INTERNA ENTRE FACÇÕES
O país
assiste a uma guerra - talvez de vida ou morte - entre personagens
falantes que mantém fatias do Estado sob seu controle.
Texto de Paulo Moreira Leite no Brasil 24/7
Que o país enfrenta a pior crise política em 30 anos é uma constatação até óbvia.
A novidade das últimas semanas é que ela deixou de ser uma crise do
governo, como tantas que o país já enfrentou, para chegar às fronteiras
de uma crise de Estado, muito mais grave, de solução delicada e difícil.
O Brasil de hoje se encontra numa situação em que separação entre
poderes, cláusula pétrea das constituições democráticas, se encontra em
risco. Ninguém fala por ninguém. A máquina pública não sabe a quem
obedecer em meio a uma disputa de facções que assume a feição de uma
guerra entre franco-atiradores. Não são guerrilheiros, nem invasores
estrangeiros, nem mesmo delinquentes comuns. Muitos menos se pode falar
em clãs de natureza política, desses que existem em todo governo, que
servem para definir alinhamentos políticos, mais à direita, mais à
esquerda, como acontece em qualquer governo.
Estamos falando de autoridades públicas que se revezam e se enfrentam
em movimentos selvagens, em busca de objetivos particulares, num
confronto caótico típico de um quadro de desagregação e falta de rumo.
O fato da Polícia Federal ter invadido o Congresso, o que não ocorreu
sequer sob a ditadura militar, para prender policiais legislativos,
acusados de fazer uma varredura em residência de quatro senadores,
autoridades eleitas, já seria em si um episódio gravíssimo, acima de
toda formalidade jurídica que possa lhe servir de cobertura. Mas não é
um caso isolado. Também ocorrem disputas que ao longo da história humana
se resolviam à bala, mas que hoje se travam através da mídia, que poupa
vidas mas elimina reputações na mesma velocidade.
O caso mais recente -- e civilizado -- tem sido protagonizado por
Gilmar Mendes e Sérgio Moro. O ministro do STF e o juiz da Lava jato
entraram no país pós-impeachment como líderes e herdeiros da nova
situação política, cada qual em sua esfera e área de intervenção,
influentes num Judiciário cada vez mais musculoso e atuante. Nem se
passaram dois meses, contudo, para se verificar que romperam a postura
de não agressão para promover um confronto público, ainda que a
legislação brasileira diga que juízes, em qualquer instância, devam
limitar-se a fazer pronunciamentos através dos autos.
Num sinal -- as pesquisas sempre servem para alguma coisa -- de que a
popularidade sem manchas de outrora começa a enfrentar questionamentos e
arranhões, Moro tem aproveitado cada oportunidade, cada ato público,
para mostrar que não irá recuar um milímetro no esforço de
"deslegitimar" a classe política, mesmo que o preço seja seguir no
desmonte da economia de um país já em depressão aguda, como forma de
perseguir a corrupção.
Depois de mandar prender Eduardo Cunha, o que pode ser interpretado
como uma resposta às críticas já frequentes de parcialidade na Lava
Jato, o alvo atual de Moro é combater uma lei contra abusos de
autoridade que, sem nenhuma medida particularmente drástica, pode impor
limites a um ambiente jurídico que lembra o velho esporte de tiro ao
pombo.
Um dos inspiradores da mesma lei, Gilmar Mendes é forçado a levantar a
voz num momento em que tanto o Japonês como o Lenhador se aproximam do
PMDB e especialmente dos caciques do PSDB paulista, responsáveis por sua
promoção e abrigo desde os anos Fernando Henrique Cardoso. Gilmar hoje
se bate pelos direitos e garantias individuais, uma causa correta, mas
que poderia ter sido assumida com antecedência.
Solidário com Moro, o procurador Carlos Fernando Lima, com uma
influência política reconhecida na força-tarefa, ameaça abandonar os
trabalhos na Lava Jato caso a lei que Gilmar defende venha a ser
aprovada.
O motivo aparente desse confronto encontra-se na corrosão acelerada
do governo Michel Temer, de sobrevivência duvidosa, ainda mais depois da
prisão de Eduardo Cunha ("Michel é Cunha", disse Romero Jucá).
Com a saída de Dilma Rousseff, num ambiente de questionamentos,
denúncias e trapaças, o Estado brasileiro ficou sem uma autoridade
legítima para conduzir o país até 2018. Numa democracia, a legitimidade
produz ordem e define hierarquias. Todos aceitam porque envolve
referências comuns. Em sua ausência, cria-se o salve-se quem puder.
Este é o buraco negro, que tudo atrai, onde tudo desaparece. O país
assiste a uma guerra -- talvez de vida ou morte -- entre personagens
falantes que mantém fatias do Estado sob seu controle. Possuem aliados
na mídia e até podem mobilizar cidadãos indignados. Não possuem, porém, o
essencial para um país atravessar uma crise -- a confirmação pelo voto
popular. Não há uma base política, capaz de dar sentido a um condomínio
montado para dar as costas ao país, derrubar uma presidente eleita e
entregar o destino a seus patrocinadores, locais e/ou externos.
Não se trata de lamentar a saída de Dilma nem de execrar sua memória
mas reconhecer um dado inegável: a situação de crise tornou-se muito
pior em sua ausência.
A fraqueza congênita de Temer limita seus passos no Executivo e deixa
seu governo exposto a dificuldades permanentes de sobrevivência.
O espetáculo das vitórias no Congresso é precário e de curta duração.
Não encontra a menor ressonância junto a população, que não quer ouvir
falar de reforma da Previdência e já começa a encontrar o caminho da
resistência a PEC 241 antes mesmo dela começar a mostrar seus frutos na
vida cotidiana, quando ficará claro que aquilo que hoje está ruim vai
ficar ainda pior.
O destino incerto de Temer se manifesta, ainda, no debate --forçado
pelos interesses políticos envolvidos, mas surrealista como matéria
jurídica -- sobre a preservação de seu mandato de vice caso a titular
Dilma companheira de chapa, seja condenada por crime eleitoral, medida
que pode servir para que seja cassada e excluída fora da vida pública.
Apenas dois meses depois que Temer recebeu o Planalto por uma razão
única e exclusiva -- era o número 2 na chapa -- o ministro Luiz Fux
admite uma cirurgia de separação de corpos que é difícil deixar de
classificar como escândalo e casuísmo.
Combinado com a devastação da Lava Jato, o afastamento de Cunha
privou Temer do principal aliado na Câmara, desmontando uma articulação
política que, cabe reconhecer, em outras circunstâncias poderia gerar
tumultos muito menores do que no período Dilma.
Ao acreditar que poderia assegurar a sobrevivência na ruptura com a
então presidente, o presidente do Senado Renan Calheiros perdeu o pé.
Vê-se diante da necessidade de se mexer -- num combate solitário -- para
defender-se de forças cada vez mais hostis.
O Supremo também se apequenou, na razão direta do papel menor que
optou por assumir diante de uma decisão que envolvia a grandeza da
soberania popular como principal substância de nossa Republica, o que
limita sua capacidade de intervenção política.
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