As mil faces de Marina Silva
Se eleita, a candidata do PSB se aliará aos
interesses dos bancos, do mercado financeiro e de parcelas do empresariado,
enquanto que, no Congresso Nacional, se verá obrigada a amarrar uma aliança que
conte ao menos com o PSDB e o PMDB para lhe garantir governabilidade.
Por Guilherme Santos Mello*
Em política, uma imagem
vale mais que mil palavras. A construção da imagem política é um processo
lento, que exige a repetição contínua de alguns mantras e a obstinação de seus
seguidores.
Uma
vez construída, a desestruturação da imagem de um partido ou candidato pode se
provar dificil de se consumar, mesmo com bons argumentos para isso.
No
caso do PT, por exemplo, ao longo de sua história constituíram-se duas fortes
imagens vinculadas ao partido: a de guardião da ética na política e a de
defensor dos mais pobres e trabalhadores.
A
primeira imagem, formada enquanto o PT se encontrava na oposição, foi
fortemente abalada por alguns escândalos de corrupção ocorridos nas gestões petistas.
Mesmo
assim, até hoje o PT não representa, no imaginário da maior parte da população
(excluíndo-se aí parcelas tipicamente anti-petistas), um partido corrupto,
apesar do bombardeio midiático incessante contra a agremiação partidária.
Por
outro lado, a imagem de partido defensor dos interesses dos pobres e
trabalhadores apenas se reforçou com os quase doze anos de governo progressista
à frente da presidência da República.
Projeto próprio
No
caso de Marina Silva, a construção de sua imagem é mais recente. Após cumprir
mandato no Senado pelo PT e ser ministra do Meio Ambiente de Lula, Marina
abandonou o partido em busca da construção de um projeto político próprio.
Sua
histórica ligação com as causas ambientais iniciaram a construção da imagem de uma
militante verde, que apenas se reforçou com seu ingresso e candidatura federal
pelo Partido Verde.
No
entanto, a causa ambiental, apesar de possuir forte apelo em parcelas da
juventude, é insuficiente para construir uma imagem política forte para gabaritar
alguém à assumir o cargo máximo da república.
Novidade política?
Sendo
assim, outro fator teve que ser agregado à imagem de Marina ao longo dos
últimos anos: a de novidade política que propõe uma ruptura com o sistema
político atual.
Com
essas duas imagens construídas, Marina Silva parece conquistar parte
significava da juventude de classe média alta das grandes cidades, que se
preocupam com a questão ambiental e gostariam de ver uma nova ordem política no
país.
Neste
momento em que Marina mais uma vez se lança a presidência da república, nos
cabe perguntar: qual o conteúdo por trás de sua imagem?
De galho em galho
Pois
vejamos: do ponto de vista político, Marina é uma ex-petista que, após sua
saída do PT, passou pelo PV, do qual fez uso como plataforma para organizar sua
campanha.
Após
desavenças no PV, tentou fundar um novo partido a tempo de servir como
plataforma eleitoral para seu renovado projeto eleitoral. Não tendo êxito nesta
empreitada, aceitou aderir ao PSB para ser capaz de manter seu projeto de poder
vivo.
O
projeto político de Marina Silva parece ser a ascensão ao poder de Marina
Silva, independente de por qual partido isso ocorra.
Nada
mais tradicional no jogo de poder da política brasileira do que políticos com
projetos pessoais de poder, independente de partidos e base social, como o caso
aqui descrito.
Além
disso, Marina é incapaz de explicar como irá governar sem o apoio dos
principais partidos políticos constituídos, se valendo de frases de efeito como
“governar com os melhores”, que não possuem aderência à realidade do modelo
político brasileiro.
Discurso frágil
O fato
de sua campanha ser liderada pela família Bornhausen em Santa Catarina e por
Heráclito Fortes no Piauí, ambos conservadores políticos tradicionais
ex-integrandes do DEM , demonstra a fragilidade do discurso marinista.
Do
ponto de vista econômico, Marina Silva não representa nenhuma novidade no
debate público. Suas posições sobre o tema, até o momento, são repetições do
discurso liberal de Eduardo Giannetti, seu assessor econômico ligado
historicamente ao PSDB.
Em
recentes declarações, Gianetti tem repetido para quem quiser ouvir que o
projeto econômico de Marina é basicamente o mesmo que o projeto de Aécio Neves,
o que ao contrário de representar uma novidade, parece apontar para um retorno
ao modelo econômico do governo FHC.
A
defesa da redução do papel do Estado, do corte de gastos (inclusive de gastos
sociais) e do controle radical da inflação, mesmo que as custas de maior
desemprego e de uma recessão, foram plenamente incorporadas no discurso de
Marina.
Dúbia e conservadora
Por
fim, do ponto de vista dos valores, Marina representa o completo oposto da
renovação, possuindo opiniões bastante conservadoras sob qualquer prisma que se
analise.
Sua
postura sobre aborto, combate às drogas, criminalização da homofobia dentre
outros tópicos polêmicos a tornam a candidata mais conservadora do pleito atual
no que diz respeito ao debate sobre costumes.
Sua
formação evangélica, que lhe serve como base de sustentação política, permite
que mantenha em público um discurso dúbio sobre temas polêmicos (como sua
proposta de realizar um plebiscito para discutir a questão do aborto), mantendo
assim seu eleitorado evangélico ao mesmo tempo em que sinaliza alguma esperança
aos eleitores mais progressistas.
Imagem e semelhança
Ao
final, o que sobra de novidade em Marina? Apesar de incorporar ao seu discurso
a temática ambiental, em todas as outras áreas Marina se parece muito com um
político tradicional.
Politicamente,
muda de partido com o objetivo de viabilizar seu projeto pessoal de poder.
Economicamente, se alinha ao discurso liberal do PSDB, se valendo de ex-tucanos
como seus principais assessores.
No
quesito dos valores, adota posturas conservadoras e as minimiza posteriormente
para agradar algumas parcelas da juventude mais progressista.
Em
caso de vitória eleitoral, um possível governo Marina Silva se veria diante do
seguinte dilema: garantir governabilidade se apoiando em setores políticos
tradicionais dentro e fora do Congresso, o que equivaleria a uma traição aos
eleitores que apostaram na ideia de que é possível fazer política de uma forma
“nova”; ou honrar seus compromissos com o eleitorado e não ter força política
para governar, caindo no risco de paralisia governamental ou mesmo
instabilidade institucional.
Caso
resolva construir uma aliança com os setores tradicionais,suas recentes
declarações e seus apoiadores atuais nos fazem crer que seu governo se aliará
aos interesses dos bancos, do mercado financeiro e de parcelas do empresariado,
enquanto no Congresso Nacional se verá obrigada a amarrar uma aliança que conte
ao menos com o PSDB e o PMDB para lhe garantir governabilidade. O que há de
“novo” nessas alianças de poder?
Não
seria esse arco de sustentação o retorno à velha coalizão liberal de FHC?
Talvez isso explique o recente abandono do ex-presidente ao candidato de seu
partido e suas declarações de apoio velado à Marina Silva.
Além
de haver pouco tempo de campanha eleitoral, a candidata dificilmente irá
assumir posturas muito claras na maior parte do debate, mantendo-se como um
“espectro” inatacável. Caso se mantenha bem posicionada nas pesquisas,
dificilmente tal espectro irá se materializar em verdadeiros compromissos
políticos, seja com os eleitores, seja com outros partidos políticos.
Caso,
no entanto, a população passe a duvidar da imagem de Marina, ela terá que se
materializar, sair do campo das ideias dúbias e assumir algumas posições
concretas. Se isto ocorrer, o “mito” Marina Silva estará seriamente ameaçado,
pois suas contradições podem vir à tona e torná-la apenas mais uma dessas boas
ideais que se desmancham no ar.
*Guilherme Santos Mello é
economista com doutorado pela Unicamp, pesquisador do Cecon-IE/Unicamp e
professor da Facamp.
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