A oposição brasileira quer colher o que não plantou
Marina é o que há de mais atrasado
no espectro político brasileiro. É atrasada em relação a tudo.
Para o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, o Brasil
investe desde 2007 em infraestrutura e políticas públicas historicamente
vetadas pelas elites. Alguns frutos já colhe. Outros estão por vir.
por Paulo
Donizetti de Souza, da RBA
Quando escreveu a obra Quem vai dar o Golpe no Brasil?, em 1962,
Wanderley Guilherme dos Santos conquistou um respeitável espaço na ciência
política ao antever a tramoia civil-militar detonada dois anos depois, que
interromperia por quase três décadas os avanços sociais, políticos e culturais
do país. Desde então, jamais deixou de investigar as contradições e desafios da
democracia brasileira. Ainda hoje, estuda de seis a oito horas por dia
para quatro pesquisas acadêmicas – sem deixar de desfrutar, “a lazer”, de
livros de arqueologia, romances policiais e séries do Netflix.
Com história acadêmica ligada à Universidade Federal do Rio de
Janeiro, onde graduou-se em Filosofia em 1958, hoje é professor aposentado de
Teoria Política da UFRJ, professor e fundador do Instituto Universitário de
Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj). A completar 79 anos no próximo 13 de
outubro, com 18 obras publicadas, dedica um de seus trabalhos a desconstruir as
contradições entre os liberais contemporâneos e a escola do pensador Adam
Smith, precursor dessas teorias no século 18, mas que mesmo ele ainda
pressupunha ter uma dose razoável de valores morais humanistas e solidários a
sustentar as sociedades que viriam a fundar o capitalismo – “Vivemos o mundo da
antipatia social”, diz.
Para o cientista, poucas vezes o Brasil tentou empreender um ciclo
econômico mais expansivo para o desenvolvimento humano. Teve alguns períodos,
com Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, em que os avanços acabaram sendo
alvos de “vetos das elites”. Segundo Wanderley, as políticas sociais iniciadas
por Lula em 2003, seguidas de investimentos em infraestrutura antes
negligenciados pelos governos de plantão, iniciaram um novo ciclo – mantido e
ampliado por Dilma –, que permitiu ao país trilhar rumos diferentes dos ditados
pelas potências do centro econômico que semearam a crise mundial de 2008. Ele
acredita que o Brasil está pronto para novos saltos de crescimento em seu PIB
nos próximos anos. Está em jogo nestas eleições uma disputa com a
velha oposição despida de projetos, ávida para desfrutar desse legado
e desviar-lhe da rota mais adiante.
Um trabalho seu de
1962, Quem vai dar o golpe no Brasil?, anteviu 1964. E hoje, o
senhor vê algo que permita temer um choque de retrocesso da democracia?
Em absoluto. Em 64 havia uma fragmentação das forças políticas
relevantes, além de a própria sociedade também estar muito fragmentada. Isso
tornava impossível a formação de uma coalizão sustentável de apoio ao governo.
Por outro lado, a oposição também estava de tal modo fragmentada que
não conseguia formar uma coalizão alternativa, só conseguia formar uma coalizão
de veto. E havia uma radicalização ideológica profunda que não permitia uma
composição. Era impossível a negociação política. A proposta hegemônica da
esquerda no período, de pressionar pela aprovação de um projeto consistente de
desenvolvimento, era suicida. Isso hoje não existe.
Em um artigo recente na
revista CartaCapital, o senhor fala da presença, no cenário político, dos
“especuladores da moral”. Qual é a semelhança entre eles e os especuladores do
mercado financeiro?
Os especuladores dos mercados financeiros lucram com expectativas.
Não criam nada, captam recursos e os revendem. O lucro deles não vem da criação
de produto. Vem da diferença obtida com a especulação. A mesma coisa são os
especuladores do mercado político. Eles criam fatos e factoides, podem
eventualmente “lucrar” algo, um acréscimo em termos de aprovação, mas sem a
criação de um projeto. A fama ou o apoio que recebem não decorre de uma
sugestão de valor nacional ou econômico, mas de uma expectativa. É simplesmente
“vamos acabar com a corrupção”, “isso tudo precisa mudar” etc. O sucesso tanto
em um caso, o especulador financeiro, quanto no outro, o especulador moral, não
decorre da criação de nada. Decorre da manipulação de expectativa. É a mesma
coisa.
O mundo ainda sofre
efeitos da crise de 2008, mas os países do centro econômico ainda querem
restaurar os mandamentos que desencadearam a crise. Os mercados podem
determinar as dinâmicas dos governos?
O potencial de novas ondas especulativas escapa da possibilidade
de intervenção de governos como o brasileiro e de outros países emergentes. O
que cabe a países como Brasil, Índia, Argentina, México, é administrar a defesa
dos efeitos negativos desses ciclos. E nesse sentido o desempenho do Brasil tem
sido espetacular. Mas os empresários brasileiros ficam na expectativa das
decisões do FED (o
banco central norte-americano) mais que das decisões do BC.
Isso mostra o caráter subordinado de uma parte da economia brasileira, e
curiosamente a que tem um papel importantíssimo, uma vez que os estímulos para
a expansão e fortalecimento desse segmento industrial têm sido dados
sistematicamente pelo governo, pela defesa do mercado interno justamente quando
acaba o mercado externo. O empresariado pouco moderno não acompanhou a
transformação do país.
Os números do PIB são
confiáveis e essenciais?
O número considerado do PIB é o geral, a média do país. Se
tomarmos por setores, transporte, aeroviário, portuário, seria muito diferente.
O número geral dilui os indicadores e tem servido pouco para medir o que está
se passando no país em termos de transformação. O crescimento do PIB do
Nordeste nos últimos anos é três a quatro pontos percentuais acima do
crescimento nacional. O do Centro-Oeste é PIB chinês. Como o indicador nacional
inclui tudo isso e misturado, fica pequeno. Quando todos os investimentos –
em geração de energia, portos, estradas etc. – que hoje estão sendo feitos
estiverem em condições de operar, o PIB vai ser uma enormidade.
A oposição sabe disso. E se chegasse ao governo se apropriaria.
Diria: “Tá vendo? Como eles não sabiam governar, o PIB agora está crescendo”.
Seria fácil, porque, até apesar dessa oposição, o PIB vai crescer. Houve o
crescimento da renda e do mercado interno, está havendo crescimento da infraestrutura
e descentralização da economia – o que era fundamental. A
oposição quer colher o que não plantou.
A propósito
de oposição, fala-se muito numa suposta necessidade de medidas
impopulares, reduzir salários, promover desemprego para segurar a inflação,
cortar gastos públicos. Precisa?
Do ponto de vista do manual ortodoxo da economia, e daí o meu
espanto com a mediocridade dos nossos economistas de oposição, eles estão
certos. Afinal, é isso que está escrito nos livros, e eles não conseguem dizer
outra coisa. Mas estava escrito em 2002 também, em 2005, 2006. E a partir de
2007 o país começou a fazer o PAC, o Plano de Aceleração do Crescimento. E em
2008, quando começou a crise braba, o Lula já havia promovido um processo de
substituição de consumidores. Durante muito tempo, o Brasil viveu um processo
de substituição de importação. A partir das políticas de transferências de
renda, de valorização do salário mínimo, de estímulo ao consumo interno, o
Brasil chegou a 2007, 2008, pronto para um processo de substituição de
consumidores. E isso não ocorreu a nenhum deles da oposição. Não há uma
determinação divina de que a aplicação de sua cartilha seja inevitável. A
espécie humana sobrevive justamente por sua capacidade de se reinventar e
superar desafios. E não por reincidir em experiências desfuncionais, como essas
medidas de austeridade. Como é que elas podem ser consideradas remédios
eficazes para os mesmos problemas que ajudaram a causar?
O senhor acha que a Marina
é uma terceira via como pretendia ser o Eduardo Campos?
Marina
Silva é o que há de mais atrasado dentro do espectro político brasileiro. Ela é
atrasada economicamente, na concepção de sustentabilidade que tem, na
modernização da política da produção, em termos de costumes sociais, em relação
a tudo. É uma missionária retrógrada.
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