Bresser: Dilma é quem melhor atende aos critérios que adoto para escolher o candidato
Artigo de Luiz Carlos Bresser-Pereira, extraído da Carta Maior:
Vou
votar pela reeleição de Dilma Rousseff porque é ela quem melhor atende aos
critérios que adoto para escolher o candidato à Presidência da República.
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Em 1988 fui um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira e
sempre votei em seus candidatos à presidência. Mas, gradualmente, fui me
afastando do partido por razões de ordem ideológica e, depois da última eleição
presidencial, vendo que o partido havia dado uma forte guinada para a direita,
que deixara de ser um partido de centro-esquerda, e que abandonara a
perspectiva desenvolvimentista e nacional para se tornar um campeão do
liberalismo econômico, desliguei-me dele. Por isso quando hoje perguntam em
quem vou votar, a pergunta faz sentido.
Vou votar pela reeleição de Dilma Rousseff, não por que seu governo tenha sido
bem sucedido, mas porque é ela quem melhor atende aos critérios que adoto para
escolher o candidato. São dois esses critérios: quanto o candidato está
comprometido com os interesses dos pobres, e quão capaz será ele e os partidos
políticos que o apoiam de atender a esses interesses, promovendo o
desenvolvimento econômico e a diminuição da desigualdade.
Dilma atende ao primeiro critério melhor do que Marina Silva e muito melhor do
que Aécio Neves. Isto nos é dito com clareza pelas pesquisas de intenção de
voto, onde ela vence na faixa dos salários mais baixos, e reflete a preferência
clara pelos pobres que os três governos do PT revelaram. O mesmo se diga em
relação ao segundo critério na parte referente à desigualdade. O grande avanço
social ocorrido nos doze anos de governo do PT tem um valor inestimável.
Já em relação ao desafio do desenvolvimento econômico, o problema é mais
complexo. Estou convencido que Dilma conhece melhor do que seus competidores
quais os obstáculos maiores que vêm impedindo a retomada do desenvolvimento
econômico desde que, em 1994,
a alta inflação inercial foi superada. Os resultados
econômicos no seu governo não foram bons, mas isto se deveu menos a suas
fraquezas e erros, e, mais, ao fato que não teve as condições necessárias de
enfrentar a falha de mercado estrutural que está apreciando cronicamente a taxa
de câmbio e desligando as empresas competentes do país de seu mercado, e,
assim, , está condenando a economia brasileira à quase-estagnação. Desde
1990-91 , ao se realizar a abertura comercial, os economistas brasileiros
(inclusive eu, naquele momento) não estávamos nos dando conta que o imposto
sobre exportações de commodities denominado “confisco cambial” – essencial para
a neutralização da doença holandesa – estava sendo extinto. Em consequência, as
empresas industriais brasileiras passavam a ter uma desvantagem (custo maior)
para exportar de cerca de 25% em relação às empresas de outros países por razão
exclusivamente cambial, e uma desvantagem desse valor menos a tarifa de
importação (hoje, em média, de 12%) para concorrer no mercado interno com as
empresas que para aqui exportam.
A esta causa estrutural de apreciação cambial (a não-neutralização da doença
holandesa [*]) devem ser adicionadas duas políticas equivocadas normalmente
adotadas pelos países em
desenvolvimento. A política de crescimento com poupança
externa (de déficit em conta-corrente) e a política de âncora cambial para
controlar a inflação apreciam o câmbio no longo prazo. Elas são responsáveis
por cerca de mais 10 pontos percentuais de apreciação da taxa de câmbio que
devem ser somados aos 25% acima referidos. Logo, a desvantagem total das
empresas brasileiras em relação às empresas de outros países que exportam para
os mesmos mercados que nós é, em média, de 35% ( 25% 10%), e a desvantagem
total em relação às empresas estrangeiras que exportam para o mercado
brasileiro é de 23% (35% – 12%). Estas duas desvantagens desaparecem nos
momentos de crise financeira, que, mais cedo ou mais tarde, decorrem
necessariamente dessa sobreapreciação.
Quando digo que a presidente não teve “condições”, estou dizendo que ela não
teve poder suficiente eliminar essa desvantagem competitiva de longo prazo. Ela
tentou: iniciou o governo fazendo um ajuste fiscal, reduzindo os juros, e
promovendo uma depreciação real de cerca de 20%. Mas ela recebeu do governo
anterior, marcado pelo populismo cambial, uma taxa de câmbio brutalmente
apreciada, de R$ 1,90 por dólar, a preços de hoje. Por isso, a elevação da taxa
de câmbio para cerca de R$ 2,28
por dólar não foi suficiente para torná-la competitiva.
A
taxa de câmbio que torna competitivas as empresas competentes existentes no
Brasil (que denomino “de equilíbrio industrial”) deve estar em torno de R$ 3,00 por dólar. Em consequência desse
fato e da retração da economia mundial, a depreciação não foi suficiente para
levar as empresas a voltar a investir; foi, porém, suficiente para aumentar um
pouco a inflação. Diante desses dois resultados negativos, os economistas do
mercado financeiro e a mídia liberal gritaram, mostraram erros do governo (como
o controle dos preços da eletricidade e do petróleo e a “aritmética criativa”
para aumentar o superávit primário) e assim, sob forte pressão e preocupada em
não ser reeleita, a presidente foi obrigada a recuar.
Mas não terão os outros dois candidatos mais importantes condições de fazer o
que Dilma não fez? Estou convencido que não. Não apenas porque eles também não
terão poder para enfrentar os interesses de curto prazo dos que rejeitam a
depreciação cambial porque não querem ver seus salários e demais rendimentos
diminuam e a inflação aumente, ainda que temporariamente. Também porque seus
economistas não reconhecem o problema da doença holandesa e não são críticos
das duas políticas acima referidas. Supõem, equivocadamente, que a grande
sobreapreciação cambial existente no país é um problema de curto prazo, de
“volatilidade cambial”. Basta ler seus programas de governo.
Terá a presidente poder suficiente para mudar esse quadro caso reeleita? É
duvidoso. Ela não enfrenta apenas a oposição liberal e colonial, que é incapaz
de criticar a ortodoxia liberal e não vê os conflitos entre os interesses do
Brasil e a dos países ricos. A presidente enfrenta também a incompetência da
grande maioria dos economistas brasileiros, que, apegados a seus livros-texto
convencionais, não compreendem hoje a tese central da macroeconomia
novo-desenvolvimentista (a tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da
taxa de câmbio) como não entendiam entre 1981 e 1994 a teoria da inflação
inercial. Naquele tempo havia apenas oito (sim, oito) economistas que entendiam
a inflação inercial. Quantos entenderão hoje os economistas que compreendem
porque, deixada livre, a taxa de câmbio tende a ser sobreapreciada no longo
prazo, só se depreciando bruscamente nos momentos de crise de balanço de
pagamentos?
Voto pela reeleição da presidente, mas já deve estar ficando claro que não
estou otimista em relação ao futuro do Brasil. Quando as elites brasileiras não
conseguem sequer identificar o fato novo (mas que já tem 23 anos) que impede
que o Brasil volte a crescer de maneira satisfatória desde 1990-91, como
podemos pensar em retomar o desenvolvimento econômico? A esquerda associada ao
PT está muda, perplexa; a direita liberal supõe que basta fazer um ajuste
fiscal para resolver o problema. Embora um ajuste fiscal forte seja essencial
para a política novo-desenvolvimentista de colocar os preços macroeconômicos no
lugar certo, apenas esse ajuste não basta. Será necessário também baixar o
nível da taxa de juros e depreciar a taxa de câmbio para que a taxa de lucro se
torne satisfatória e as empresas voltem a investir. Só assim a economia
brasileira deixará de estar a serviço de rentistas e financistas, como está há
muito tempo, e os interesses dos empresários ou do setor produtivo da economia
voltem a coincidir razoavelmente com os interesses dos trabalhadores.
A presidente tem uma famosa dificuldade de ouvir os outros, mas é dotada de coragem,
determinação, espírito republicano e se orienta por um padrão moral elevado.
Conta, ao seu lado, com alguns políticos de boa qualidade. Ela foi derrotada no
primeiro round, mas, quem sabe, vencerá o segundo?
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