Deu no The Economist: "A tentativa de golpe de Bolsonaro, Lobão, Aécio e os cumpinchas da elite insensível, tornaram Dilma ainda mais forte e querida"
Sérgio Saraiva: Revolta
Cashmere
Em um ano de acontecimentos
da ordem de uma Copa do Mundo e de uma eleição antecedida de uma tragédia que
vitimou um dos seus principais candidatos, o personagem principal não foi nem um
atleta e nem um político, mas sim a figura do revoltoso cashmere.
Por Sérgio Saraiva, especial para o GGN
Revolta Cashmere – assim a “The Economist”
chamou o inusitado movimento que tomou as ruas do Brasil em 2014. Pessoas
brancas, bem vestidas, daí o designativo de cashmere, bem posicionadas social e
financeiramente, de repente saem às ruas no intento de derrubar um governo
democraticamente eleito.
Sem a
ironia típica dos ingleses, chamamos os de “os coxinhas”.
A “The Economist” foi
realmente feliz. Sem dúvida, Revolta Cashmere é um nome adequado para descrever
nossa luta de classes unilateral e invertida.
Não
nos enganemos, vivemos a última década envolvidos em uma luta de classes como
nunca antes neste país. Luta de classes singular, invertida, onde as classes
dominantes são protagonistas. Reagem ao avanço das classes populares que
marcham inconscientes da própria luta em que estão inseridas.
Em
2014, a luta que até então era surda, frente à eminência de mais quatro anos
fora do poder federal, jogou o revoltoso cashmere nas ruas.
Seus
gritos de guerra: “não vai ter Copa”, “vai tomar no c* ”, “fora Dilma, e leve o
PT junto” e o indefectível “vai pra Cuba”.
Basta
recordá-los para ver que o revoltoso cashmere é antes de tudo um derrotado.
Alguém que luta contra seu próprio país por nele se considerar um estrangeiro
jamais vencerá.
Seu
inimigo, os bolivarianos. Ainda que de bolivariano mesmo somente a mesma
classe média reacionária no Brasil e na Venezuela.
O
revoltoso cashmere se recusa a reconhecer que seu inimigo é qualquer ação que
venha a reduzir, minimamente que seja, a nossa escandalosa desigualdade. Que
reduza as vantagens comparativas com as quais se identifica como superior aos
“nativos”. O revoltoso cashmere acusa Lula de jogar pobres contra ricos. E,
como o revoltoso cashmere se filia aos ricos, sente-se pessoalmente atacado.
O ano
mal havia começado e o combate que deram aos meninos pretos e mulatos dos
rolezinhos que ousavam frequentar o mesmo shopping center que seus filhos
mostrou o quanto de preconceito e hipocrisia há na nossa “democracia racial”.
Os rolezinhos eram tão somente uma apropriação de valores burgueses por uma
classe social de proletários que tinha tido seu poder aquisitivo melhorado. Os
burgueses julgavam, no entanto, que essa apropriação era, na verdade, um roubo.
Mandaram a polícia bater nos meninos.
Foi
também um momento tragicômico para os estamentos superiores da nossa pirâmide
social. Juízes dando liminares que cassavam o direito constitucional de ir e
vir. Personalidades constrangidas em mostrar todo o seu preconceito social, mas
considerando os rolezinhos um perigo. E os garotos só a fim de dançar funk
ostentação na praça de alimentação.
Lembrando
daquele povo branco nas ruas em junho de 2013 pleiteando escolas e hospitais
públicos “padrão Fiifa”, perguntei-me: estiveram realmente dispostos a dividir
a mesma enfermaria com o porteiro dos seus condomínios? Seus filhos iriam
dividir a mesma classe escolar do filho da diarista no advento do tal “padrão
FIFA” público e para todos?
Com a
reação aos rolezinhos eles responderam: não.
Daí
até a Copa, a violência explodiu. Se havia policiais suficientes para sufocar
os rolezinhos, pareciam insuficientes e impotentes para controlar os revoltosos
cashmeres e sua tropa de choque – os black blocs.
“Não
vai ter Copa”.
Não
era uma Copa, era uma revolução, tratava-se de derrubar o governo.
Uma
campanha de desconstrução conduzida massivamente pela grande mídia tornou-se um
fenômeno sociológico. Foi capaz de momentaneamente modificar a auto-imagem do
brasileiro. O brasileiro passou de um povo alegre, hospitaleiro, festeiro e
laissez faire para um povo capaz de ameaçar turistas estrangeiros como fossemos
um terrorista do oriente médio. Carrancudo a ponto de não querer participar da
própria festa pela qual esperou mais de meio século. Oportunista a ponto de
agredir um símbolo como a seleção brasileira de futebol para chamar atenção
para suas reivindicações salariais e intolerante e violento a ponto de linchar
meninos carentes e senhoras emocionalmente desajustadas.
"Ei
Dilma, vai tomar no c*! ".
Os
jogos, no entanto, foram a primeira derrota dos revoltosos cashmeres. Foram um
sucesso de organização e de público. Mas a pressão já havia feito seu estrago
no moral da nossa seleção.
Ainda
assim, nos setores VIPs dos estádios, lá estavam os revoltosos cashmeres
ofendendo a presidente com termos de baixo calão. Mostrando ao mundo que formavam
hordas bárbaras em meio a um povo que festejava nas ruas o congraçamento dos
povos em torno do esporte.
"Fora
Dilma, e leve o PT junto".
Acabada
a Copa, a campanha eleitoral foi a grande batalha da Revolta Cashmere. Nela, as
forças se dividiram literalmente como dois exércitos em guerra. O PT de um dos
lados, todos os demais do outro. E lá estava o revoltoso cashmere exercendo o
preconceito contra os pobres que ele chamava, na sua ignorância, de
nordestinos. Pleiteando a divisão do Brasil em dois países antagônicos – o do
norte e o do sul. O preconceito desavergonhado e a intimidação mais grosseira
elevados à condição de manifestação política. Mas toda a violência contida no
“Fora Dilma, e leve o PT junto” não bastou. Deu Dilma, deu PT.
"Vai
pra Cuba".
Inconformado,
o filósofo cashmere ainda ameaçava:
“Precisamos
de uma militância de secessão: que os bolivarianos durmam inseguros com o dia
seguinte, porque metade do país já sabe que eles não são de confiança. Que
fique claro que a batalha foi ganha pelos bolivarianos, mas, a guerra acabou de
começar, e começou bem” - Luis Felipe Pondé em “Diálogo ou secessão?”.
E o
revoltoso cashmere foi novamente às ruas, agora para pedir impeachment e a
volta da ditadura militar. Chegou ao ridículo de em uma petição em inglês pedir
à Casa Branca uma intervenção americana. Sonhava ser salvo pela cavalaria do
General Custer.
Em sua
batalha final, já uma luta de resistência, aos grupelhos, dirigiu-se à Avenida
Paulista. Mas, agora, eram liderados por malucos decadentes. E no último e
melancólico ato da Revolta Cashmere, seu eleito faltou à passeata que ele mesmo
convocara – havia ido para a praia. Os revoltosos cashmeres ficaram esperando
Godot.
Por
fim, mais uma série de derrotas simbólicas. O revoltoso cashmere ainda teve de
ver seu cavaleiro vingador politicamente inviabilizado aposentar se
precocemente e a pedido, mas com vencimentos integrais e apartamento em Miami.
E vê aqueles a quem admira e adula, os diretores de grandes empresas de
engenharia, seu símbolo de ascensão profissional, serem presos como corruptores
na Operação Lava Jato.
Antes,
vira seu Midas-X falir. Fechando o ano, ouviu Obama falar para Fidel Castro:
“Somos todos americanos”. Obama foi para Cuba.
E
assim, termina 2014 - o ano da Revolta Cashmere. Um ano em que fomos
apresentados a nossa face mais hipócrita, preconceituosa, violenta e
intolerante. Donde o brasileiro cordial? Foi um ano para confrontarmos nossos
mitos.
Começaremos
2015, ansiando por nuvens escuras e tempestades. Até porque, ao lado
progressista desta nação em construção, os enfrentamentos à Revolta Cashmere
nos ensinaram a não temer tempos feios ou gente cheirosa.
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