O Estado Islâmico quer que o mundo colha o que os EUA plantaram
Isto é o que quer o grupo que tomou cidades no Iraque e na Síria e reuniu os EUA e o mundo árabe como seus inimigos
Por Reginaldo Nasser
No dia 9 de
setembro, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em pronunciamento
oficial, autorizava ataques contra o grupo Estado Islâmico (ISIS) na Síria. A
ação militar dos norte-americanos foi apoiada por diversos países ocidentais e
do mundo islâmico, como Turquia, Arábia Saudita e Irã. Num período de seis
meses, o ISIS foi capaz de ocupar um território de tamanho equivalente ao
Estado da Jordânia, incorporando parte do leste da Síria e do oeste do Iraque,
incluindo Mossul, a segunda maior cidade iraquiana. Colocou em marcha uma
campanha sangrenta contra curdos, xiitas e outros grupos étnicos, além de
promover e divulgar na mídia cenas de execuções de jornalistas ocidentais.
Conseguiu, desse
modo, realizar uma verdadeira façanha, reunindo Estados Unidos, Irã, Turquia,
Arábia Saudita e Israel como seus inimigos. Aliás, não se conhece um único
Estado, atualmente, que seja seu aliado, pelo menos de forma explícita. Na
verdade, quando o ISIS tomou algumas cidades sírias, em 2012, era apenas mais
uma notícia, afinal o governo sírio de Assad era considerado o inimigo maior
dos EUA. Mas, quando o ISIS começou a tomar cidades no Iraque e regiões
petrolíferas, tornou-se um grande problema.
A Síria, o Iraque e
seus países vizinhos estão em alerta máximo. As ameaças às fronteiras da
Turquia e, particularmente, em relação à população curda são cada vez maiores.
O Líbano colocou suas forças em estado de alerta; Arábia Saudita e os Emirados
Árabes, acusados de fomentar o ISIS, sentem-se igualmente ameaçados.
Quem são e o que
querem os militantes desse Estado Islâmico? Será que se trata simplesmente de
um grupo de fanáticos religiosos que sai matando a esmo, como a mídia
internacional quer nos mostrar? A invasão do Iraque pelos EUA e o consequente
desmantelamento do Estado iraquiano são o ponto de partida para compreender as
razões da origem do grupo. Um dos motivos de sua ascensão no Iraque deve-se ao
fato do crescente alijamento da população de sunitas, dominado pelo governo do
primeiro-ministro xiita Nuri al-Maliki. Cerca de 20% dos iraquianos, em torno
de 6 milhões nas províncias sunitas, foram excluídos do regime. Eles são
constantemente perseguidos, não conseguem trabalho, trata-se de uma verdadeira
punição coletiva, de jovens desempregados nas aldeias que não têm alternativa a
não ser aderir ao ISIS. Na verdade, a unidade entre a resistência sunita e
xiita sempre foi motivo de preocupação para os americanos, que fomentaram,
desde o início da ocupação do Iraque, em 2003, as divisões sectárias.
Por que precisamente
esse grupo, e não outro (há dezenas deles), conseguiu tirar vantagem dessa
situação? Em suas atividades na Síria, o Estado Islâmico tem focado mais na
administração dos territórios que domina do que propriamente na luta contra o
regime de Bashar al-Assad. Desde maio de 2013, quando dominou a cidade de
Raqqa, no Rio Eufrates, aplica rigorosamente sua versão da lei islâmica na
criação de tribunais da sharia e no cumprimento das penas canônicas contra
malfeitores e “apóstatas”. Mais competidor do que aliado, o ISIS distingue-se
da marca da Al-Qaeda em dois aspectos fundamentais.
Embora adote uma
ideologia sunita radical, que tem como premissa a promoção da jihad contra os
“apóstatas” dos regimes políticos do mundo árabe e seus apoiadores
estrangeiros, é menos tolerante com seitas islâmicas. Além disso, não é apenas
uma organização jihadista (tanzim), mas reivindica ser Estado soberano de pleno
direito (dawla) com ambições expansionistas. Seus líderes comprometeram-se
conquistar mais território, até reconstituir o califado, ou império islâmico.
Acredita-se que o
ISIS conta com até 31 mil combatentes no Iraque e na Síria, e que, desse total,
cerca de 30% faz o “grupo ideológico”, o restante é incorporado pelo medo ou
coerção. São mais de 12 mil estrangeiros de, pelo menos, 81 países, incluindo
2,5 mil de Estados ocidentais. Muitos dos seus dirigentes são ex-oficiais
iraquianos que faziam parte das Forças Armadas de Saddam Hussein, o que ajuda a
explicar seu sucesso no campo de batalha, pois permite articular a habilidade
militar tradicional às táticas insurgentes de grupos que adquiriram grande
experiência nos anos de luta contra as tropas americanas. Ou seja,
diferentemente dos demais grupos insurgentes, é capaz de conjugar com bastante
eficiência as características das ações de forças armadas tracionais,
coordenando operações militares em grandes áreas, com ações de insurgência e
terrorismo de unidades de combate que adquiriram experiência nos últimos anos.
Utilizam grande variedade de armas, leves e pesadas, incluindo metralhadoras
montadas em caminhões, lançadores de foguetes, canhões antiaéreos e sistemas de
mísseis portáteis superfície-ar, além de contar com tanques e veículos
blindados capturados dos exércitos da Síria e do Iraque, originalmente
fabricados para os militares dos EUA. É provável que o grupo tenha uma cadeia
de suprimentos flexível que garante fornecimento constante de munições e armas
de pequeno porte para seus combatentes.
Por mais que utilize
métodos de intimidação naqueles que estão sob seu domínio, o ISIS tenta
espalhar a sua mensagem religiosa por meio de pregação pública, além de se
esforçar para ganhar o apoio da população nas áreas que conquistou. Ao assumir
o controle de uma cidade, procura administrar a distribuição de água, farinha e
outros recursos, além policiar ruas, fornecer eletricidade e fiscalizar o
comércio, colocando em prática o que parece ser o início de estruturas quase
estatais. Estabelecem, nos territórios dominados, ministérios, tribunais e até
mesmo um sistema de tributação rudimentar, que, segundo alguns, é muito menos
espoliativo do que o governo da Síria de Assad.
Estima-se que por
volta de 8 milhões de pessoas vivam sob controle total ou parcial do grupo.
Esse trabalho de governo requer, por sua vez, recursos financeiros que o Estado
Islâmico demonstrou habilidade na produção e exportação de petróleo. Cerca de 9
mil barris diários de petróleo a preços que variam de 25 a 45 dólares. Relatos de
serviços de inteligência avaliam que possui cerca de 2 bilhões de dólares em
dinheiro e bens que advêm do uso dos campos de petróleo e gás que controla, bem
como de impostos, pedágios, extorsão e sequestro. A ofensiva no Iraque também
tem sido lucrativa, dando-lhe acesso ao dinheiro mantido em grandes bancos em
cidades e vilas dominadas.
O fenômeno ISIS pode
ser caracterizado dentro daquilo que agentes da CIA denominaram, nos anos 60,
de blowback. O termo é empregado para referir-se às consequências desastrosas,
e não intencionais operações clandestinas realizadas pelo governo dos EUA com o
objetivo de derrubar regimes estrangeiros. Como se sabe, o grupo terrorista de
Osama bin Laden, a Al-Qaeda, originou-se nos campos de batalha do Afeganistão
com o auxílio dos EUA.
Blowback é outra
maneira de dizer que uma nação colhe o que semeia. O ISIS é mais um na longa
lista que os americanos vêm colecionando desde que se tornou grande potência.
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