Os pecados de Dilma
Professor Ives, por favor, dê uma lida na Constituição
A presidenta cometeu e comete alguns, mas nunca foi desonesta. Tentar provar o contrário é tempo perdido.
por Mino Carta
Adhemar de Barros levou para casa as
urnas marajoaras do museu. Ernesto Geisel, os vasos chineses presenteados por
autoridades estrangeiras em visita oficial. Exemplos daquele patrimonialismo
que o ministro Levy parece desconhecer. Mas há formas piores.
O presidente da Petrobras aos tempos da ditadura do acima
citado Geisel, Shigeaki Ueki, foi o primeiro grão-mestre da corrupção na
empresa criada por Getúlio Vargas. Certo Barusco de quem muito se fala é
destacado executivo da Petrobras desde meados dos anos 90, aquele período
abençoado pela mídia deliciada, em que reinou Fernando Henrique, quando ainda
não havia comprado os votos para conseguir no Congresso o seu segundo mandato,
debaixo dos aplausos midiáticos.
A
corrupção é endêmica no Brasil porque muitos políticos enxergam o poder alcançado
pelo voto como de sua propriedade privada, assim como se dá com servidores do
Estado, nomeados, os Barusco, os Duque, os Costa, os Cerveró e companhia. Mas,
a bem da sacrossanta verdade, o espírito nacional tende, frequente e
naturalmente, à tramoia, ao passa-moleque, à falcatrua, ao comércio do gato por
lebre.
É
também do conhecimento do mundo mineral que este é o país da impunidade. A
quantidade de imponentes corruptos que vivem, ou viveram à larga antes de
passar à outra vida, é infinda, além de certa e sabida, assim como acontece que
rico não vá para a cadeia. Há mais de duas décadas, paira por trás dos lances
mais duvidosos, quando não francamente criminosos, a marcarem a vida do poder à
brasileira, a figura, fugidia e ao mesmo tempo de nitidez implacável, do
banqueiro Daniel Dantas. Desde a privatização das comunicações, a maior
bandalheira da história pátria, até os chamados mensalões e a Operação
Satiagraha.
Não
falta lenha para a fogueira da corrupção brasileira, cada vez mais abundante e
de todas as procedências. Há quem escape, porém, na visão e no uso do poder, ao
andamento comum. Em primeiro lugar, neste momento, Dilma Rousseff. O resultado
da recente pesquisa Datafolha, pela qual 47% dos brasileiros acreditam que a
presidenta está envolvida em corrupção, representa um equívoco clamoroso,
adubado pelas ferozes interpretações do jornalismo nativo.
O
que não há como pôr em dúvida é a honestidade de Dilma. Pode-se alegar sua
ingenuidade diante do engano de que foi vítima, urdido por quem lhe era tão
próximo. Pode-se alegar falta de experiência para lida complexa, ou da
desejável vigilância. A presidenta, além de cultivar as melhores intenções, não
daquelas que pavimentam o caminho do inferno, é moralmente inatacável. Ao
contrário de Fernando Henrique, por exemplo.
As
falhas de Dilma são de outra natureza e dizem respeito à prática da política.
Ela não é mestra na matéria, embora saiba bastante de economia. Infensa à
negociação, comunica-se com transparente dificuldade. Daí as relações difíceis
com o Congresso e com o empresariado. Grave, deste ponto de vista, o
afastamento de Lula, imbatível no trato político, mestre no assunto. Por mais
compreensível que seja o propósito de se afirmar por conta própria, a presidenta
errou ao se distanciar de quem seria seu melhor conselheiro.
Raros
os momentos de aproximação, e sempre por mérito do ex-presidente,
preocupado com as dificuldades da sucessora. Se ele estivesse nas imediações, é
certo de que a presidenta não se rodearia de colaboradores nota 10 em
incompetência, de efeitos deletérios tanto mais em tempos de crise gravíssima.
Outros seriam os comportamentos dos parlamentares, enquanto os empresários
teriam mantido um resquício de esperança.
As
causas da crise têm origens diversas e Dilma não é, certamente, a responsável
número 1. Muito antes do que ela e seus erros, surgem as consequências do
neoliberalismo globalizado, a debacle do PT, a corrupção desenfreada dentro da
maior empresa brasileira no quadro de um mal crônico, emblema da predação como
característica inata. E a empáfia tucana, e a costumeira, irreversível
prepotência da casa-grande, amparada pela desonestidade orgânica da mídia
nativa. Mas Dilma, sinto muito, tem suas culpas em cartório. Nada a
compartilhar, está claro, com a culpa alegada por Ives Gandra Martins na sua
peça de delírio onírico confeccionada a mando tucano para demonstrar a
viabilidade do impeachment.
A todos aconselha-se a simples leitura da Constituição.
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