Veríssimo: o fenômeno do ‘espírito golpista dos ricos contra os pobres’
De Luiz Fernando Veríssimo
Um fenômeno novo na realidade brasileira é o ódio político,
o espírito golpista dos ricos contra os pobres. O pacto nacional popular
articulado pelo PT desmoronou no governo Dilma e a burguesia voltou a se
unificar. Economistas liberais recomeçaram a pregar abertura comercial absoluta
e a dizer que os empresários brasileiros são incompetentes e superprotegidos,
quando a verdade é que têm uma desvantagem competitiva enorme. O país precisa
de um novo pacto, reunindo empresários, trabalhadores e setores da baixa classe
média, contra os rentistas, o setor financeiro e interesses estrangeiros.
Surgiu um fenômeno nunca visto antes no Brasil, um ódio coletivo da classe
alta, dos ricos, a um partido e a um presidente. Não é preocupação ou medo. É
ódio. Decorre do fato de se ter, pela primeira vez, um governo de
centro-esquerda que se conservou de esquerda, que fez compromissos, mas não se
entregou. Continuou defendendo os pobres contra os ricos. O governo revelou uma
preferência forte e clara pelos trabalhadores e pelos pobres. Não deu à classe
rica, aos rentistas. Nos dois últimos anos da Dilma, a luta de classes voltou
com força. Não por parte dos trabalhadores, mas por parte da burguesia
insatisfeita. Dilma chamou o Joaquim Levy por uma questão de sobrevivência. Ela
tinha perdido o apoio na sociedade, formada por quem tem o poder. A divisão que
ocorreu nos dois últimos anos foi violenta. Quando os liberais e os ricos
perderam a eleição não aceitaram isso e, antidemocraticamente, continuaram de
armas em punho. E de repente, voltávamos ao udenismo e ao golpismo.
Nada do que está escrito no parágrafo anterior foi dito por
um petista renitente ou por um radical de esquerda. São trechos de uma
entrevista dada à “Folha de São Paulo” pelo economista Luiz Carlos Bresser Pereira,
que, a não ser que tenha levado uma vida secreta todos estes anos, não é
exatamente um carbonário. Para quem não se lembra, Bresser Pereira foi ministro
do Sarney e do Fernando Henrique. A entrevista à “Folha” foi dada por ocasião
do lançamento do seu novo livro “A construção politica do Brasil” e suas
opiniões, mesmo partindo de um tucano, não chegam a surpreender: ele foi sempre
um desenvolvimentista nacionalista neokeynesiano. Mas confesso que até eu, que,
como o Antônio Prata, sou meio intelectual, meio de esquerda, me senti, lendo o
que ele disse sobre a luta de classes mal abafada que se trava no Brasil e o
ódio ao PT que impele o golpismo, um pouco como se visse meu avô dançando
seminu no meio do salão — um misto de choque (“Olha o velhinho!”) e de terna
admiração. Às vezes, as melhores definições de onde nós estamos e do que está
nos acontecendo vem de onde menos se espera.
Outro trecho da entrevista: “Os brasileiros se revelam
incapazes de formular uma visão de desenvolvimento crítica do imperialismo,
crítica do processo de entrega de boa parte do nosso excedente a estrangeiros.
Tudo vai para o consumo. É o paraíso da não nação.”
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