PIMENTA E SWISSLEAKS: MÍDIA “TRANSBORDA HIPOCRISIA”
O caso que denuncia a existência de mais de seis mil contas de
brasileiros no HSBC da Suíça, conhecido como Swissleaks, vem sendo
"negligenciado pela mídia", na avaliação do deputado Paulo Pimenta
(PT-RS), o primeiro a cobrar divulgação das denúncias pela imprensa brasileira
e a pedir formalmente investigação na procuradoria-geral da República (leia
mais).
"Um
caso que transborda hipocrisia de parte da grande mídia e casuísmo de ampla
maioria da sociedade e que pode, ao fim, comprovar a seletividade de nosso
sistema de justiça penal", diz ele em artigo. "A grande mídia parece
estar constrangida e sem saber como lidar com o tema. Porém, tem a obrigação de
informar a sociedade a respeito desse escândalo, especialmente se isso significa
denunciar fatos que envolvem grupos historicamente por ela protegidos",
acrescenta.
O
parlamentar também critica a divulgação seletiva da imprensa, que possui a
íntegra da lista dos brasileiros com contas no exterior. "É inaceitável a
postura dos grandes meios de comunicação, de revelar os nomes dos envolvidos de
forma seletiva, ignorando o interesse público e desviando o foco das questões
mais profundas que o episódio levanta", diz, em alusão ao jornalista
Fernando Rodrigues e ao portal UOL, que informou divulgar "apenas nomes
que demonstrem interesse público – segundo critérios não explicitados".
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, confirmou ontem que
a relação de todas as contas secretas no HSBC suíço vinculadas a brasileiros
será entregue até o fim de abril às autoridades brasileiras pelo governo
francês e que os dados serão repassados imediatamente à CPI do HSBC no Senado (leia
mais). A CPI já havia pedido os dados ao jornalista Fernando Rodrigues, que
depôs à comissão, mas disse não ser seu papel entregá-los, e sim das
autoridades.
Leia
a íntegra do artigo de Paulo Pimenta:
SwissLeaks: uma oportunidade
histórica
Mais
de uma centena de milhares de pessoas, empresas, personalidades de todos os
setores, traficantes de todas as mercancias, corruptos de todas as estaturas e
mais de 100 bilhões de dólares agenciados por uma das maiores instituições
bancárias do mundo, que promove transações escusas e se torna facilitadora de
crimes financeiros. Este é o episódio chamado pela mídia internacional de
SwissLeaks, que no Brasil é investigado pelas autoridades e negligenciado pela
mídia. Um caso que transborda hipocrisia de parte da grande mídia e casuísmo de
ampla maioria da sociedade e que pode, ao fim, comprovar a seletividade de
nosso sistema de justiça penal.
Diferentemente
do que informam alguns meios de comunicação no Brasil, podemos estar diante de
um dos maiores escândalos mundiais envolvendo o sistema financeiro
internacional. Segundo o ICIJ (The Internacional Consortium of Investigative
Journalists), organização que lidera as investigações jornalísticas, seriam
6.606 contas de clientes vinculados ao Brasil. Teriam sido movimentados
aproximadamente R$ 20 bilhões nas contas do HSBC na Suíça, valor próximo, por
exemplo, aos R$ 27 bilhões destinados em 2015 ao Programa Bolsa Família, que
beneficiará 50 milhões de pessoas.
No
início de janeiro tomamos conhecimento sobre as investigações em outros países
– e o possível envolvimento de brasileiros – e iniciamos o acompanhamento do
caso. Trabalhamos fortemente junto aos investigadores estrangeiros e às
autoridades nacionais competentes para que fossem identificados todos os
brasileiros envolvidos e apuradas as possíveis irregularidades cometidas pelo
banco. Realizamos audiências com Ministério da Justiça, Banco Central, Receita
Federal, Ministério Público Federal e dialogamos intensamente com deputados e
senadores.
O
poder público, por meio do Ministério Público Federal, Ministério da Justiça,
Câmara dos Deputados e Senado Federal tem desempenhado seu papel para apuração
dos fatos em toda sua extensão. Em breve será obtida a lista dos nomes dos
correntistas brasileiros de forma oficial e outras informações que poderão
ajudar a esclarecer a dimensão do escândalo.
Acreditamos
na efetividade dessas investigações para que, uma vez tendo acesso à totalidade
das informações sobre os correntistas brasileiros – evitando-se a seletividade
nada republicana –, possam ser apurados os fatos e identificados os possíveis
crimes cometidos.
Em
seguida, será fundamental verificar a origem dos recursos, o "crime
original", pois é de se suspeitar que a transferência de recursos para um
paraíso fiscal, por meio de elaborada transação oculta ao fisco, envolve
dinheiro obtido pela prática de crimes anteriores.
Mas
estamos falando de suspeita. Cabe ao sistema de justiça investigar, processar,
garantir a ampla defesa e, eventualmente, condenar os responsáveis.
Quanto
aos sonegadores que têm condições de comprovar a origem legal do dinheiro,
estes recebem um tratamento distinto.
Nosso
ordenamento jurídico estabelece que, nos crimes tributários, quando efetuado o
pagamento total dos tributos devidos – "à vista" ou parceladamente –
fica extinta a punibilidade do réu. Enquanto que, para um crime não violento
contra o patrimônio privado, como o furto, em regra não existe essa
possibilidade (em alguns casos, o réu pode obter a redução da pena, somente).
Inclusive, em termos de pena, enquanto para a sonegação fiscal a máxima é de 5
anos, para o furto qualificado, é de 8 anos.
Em
se tratando dos mais abastados, nossa sociedade prefere arrecadar a punir.
Trata-se
de um controle social punitivo em que os crimes cometidos pelos mais pobres
contam com um sistema rígido e eficiente na sua tarefa repressiva, enquanto os
crimes tributários, praticados contra o patrimônio coletivo, podem ser tratados
como ilegalidades toleradas. Uma seletividade penal que resulta numa maior
proteção ao patrimônio privado do que ao erário.
Outro
ponto importante neste episódio é o papel da comunicação.
É
inaceitável a postura dos grandes meios de comunicação, de revelar os nomes dos
envolvidos de forma seletiva, ignorando o interesse público e desviando o foco
das questões mais profundas que o episódio levanta.
O
UOL, que emprega o único jornalista brasileiro a receber a documentação
completa fornecida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos,
em seu editorial informou que, na cobertura do SwissLeaks, irá divulgar apenas
nomes que demonstrem interesse público – segundo critérios não explicitados.
É
como se a "liberdade de empresa" viesse antes da liberdade de
imprensa.
Após
emitir seu comunicado, o UOL anunciou que passaria a cooperar com o jornal O
GLOBO na cobertura do assunto. Em seguida, logo após o Ministério da Justiça e
a Procuradoria Geral da República anunciarem avanços na cooperação com o
governo francês para obtenção da lista integral dos brasileiros envolvidos,
numa estratégia de autodefesa, O GLOBO antecipou-se, "denunciando"
que barões da mídia nacional estariam dentre os clientes brasileiros das
espúrias contas suíças do HSBC.
A
grande mídia parece estar constrangida e sem saber como lidar com o tema.
Porém, tem a obrigação de informar a sociedade a respeito desse escândalo,
especialmente se isso significa denunciar fatos que envolvem grupos
historicamente por ela protegidos.
Quando
uma pessoa ou uma empresa deixa de pagar seus impostos, toda a sociedade paga
por isso. A política tributária não pode permitir que isso ocorra. Não pode
servir de ferramenta para manutenção da desigualdade social.
O
senso comum é de que todos pagam impostos em demasia no Brasil, mas é preciso
aprofundar a discussão para avaliar como chegamos a este cenário.
Para
isso, remetemos à década de 1990, quando uma série de decisões foi tomada pelos
gestores da vida econômica do país à época, buscando privilegiar o capital
financeiro, com o deslocamento da maior parte da tributação para o consumo,
onerando os mais pobres e aliviando os mais ricos.
É
o caso de medidas como a isenção de Imposto de Renda sobre a remessa de lucros
e dividendos para o exterior, a redução da alíquota do Imposto de Renda de
Pessoas Jurídicas e a redução da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido –
CSLL, que tiveram um impacto significativo sobre as instituições financeiras.
Por
outro lado, aumentou-se a alíquota da Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social – COFINs – e dobrou-se a Contribuição Provisória sobre a
Movimentação Financeira – CPMF –, posteriormente extinta no governo do PT.
Todas
essas são medidas que, além de aumentarem a desigualdade social, criaram um
cenário propício para a especulação e o aumento de episódios como o SwissLeaks.
Precisamos
fortalecer o debate acerca da necessidade de reformas que promovam um sistema
tributário mais redistributivo e que não se mantenha sustentado na taxação
excessiva do consumo, que recai, invariavelmente, sobre os que têm menos.
Devemos
direcionar nossa ação política para batalhas como a taxação das grandes
fortunas e a progressividade efetiva do Imposto de Renda, com um maior número
de faixas de renda tributável e aumento da alíquota das faixas mais altas.
Essas
são propostas defendidas há décadas pela esquerda. Há excelentes proposições
que tramitam no Congresso Nacional, mas não conseguem avançar nem um milímetro
por conta da hegemonia conservadora na sociedade e no Parlamento.
Por
fim, temos certeza de que na medida em que as investigações continuem
avançando, o Brasil terá condições de conhecer detalhes de fatos até hoje nunca
esclarecidos, que envolveram grandes episódios de corrupção.
Assim,
podemos esperar que a eficiência das investigações resulte, como ocorre em
outros países, na recuperação de uma grande quantidade de recursos, na punição
irrestrita dos envolvidos e no fortalecimento do combate aos crimes contra a
ordem tributária e contra o sistema financeiro nacional.
Podemos,
ainda, construir um profundo debate social sobre as urgentes reformas e, quiçá,
estar diante do início de um grande processo de rompimento do monopólio da
informação.
Definitivamente,
o episódio SwissLeaks se coloca como uma oportunidade histórica.
Paulo
Pimenta, jornalista e deputado federal (PT-RS)
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